Milhares de manifestantes se reuniram nas ruas de capitais brasileiras neste domingo (31) em protestos contrários e favoráveis ao golpe militar, que completa 55 anos. Ocorreram protestos em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre - a maioria dos atos foi contra a ditadura.
"Descomemorar" o golpe com cultura e silêncio foi o espírito do ato na praça da Paz, no Parque Ibiraquera, em São Paulo, que recordou os desaparecidos da ditadura militar e fez contraponto às declarações do presidente Jair Bolsonaro que encorajavam celebrações da data.
O ato, intitulado Caminhada do Silêncio, começou por volta das 16h30min com apresentações musicais e literárias que evocavam críticas à ditadura militar e a Bolsonaro. No fim de tarde, fizeram uma caminhada até o Monumento pelos Mortos e Desaparecidos Políticos, inaugurado no parque em 2014.
— Não há nada mais ensurdecedor do que o silêncio —afirmou o ex-deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP), que integrou a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e que coordenou a Comissão da Verdade na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Fotos de desaparecidos políticos foram erguidas durante as apresentações por seus familiares e também por pessoas simpáticas à luta contra a ditadura militar.
Além do Parque Ibirapuera, houve protesto também na Avenida Paulista, onde houve confusão entre os grupos rivais em frente ao prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Militantes favoráveis e contrários à ditadura se provocaram e trocaram insultos e agressões. No confronto, que envolveu cerca de 50 pessoas, foram usados como armas cabos de madeira e até uma pistola "taser", de eletrochoque. Segundo a Polícia Militar, uma pessoa foi detida.
Porto Alegre
Em Porto Alegre, houve protestos contra o governo dos militares no Parque Marinha do Brasil e no Parque Farroupilha, conhecido como Redenção. As manifestações prestaram homenagem às vítimas da ditadura e contaram com a presença de civis e deputados estaduais e federais. Além de cartazes e gritos de protestos, também ocorreram performances artísticas.
No Parque Moinhos de Vento, o Parcão, palco dos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff e das manifestações a favor da candidatura de Jair Bolsonaro, realizadas durante as eleições de 2018, meia dúzia de pessoas se uniram para ato a favor do golpe de 1964. Seguravam cartazes decorados em verde e amarelo e pediam uma nova intervenção militar na política.
Rio de Janeiro
No Rio, o protesto contra a ditadura reuniu manifestantes na Cinelândia, no centro da cidade. O ato teve protesto contra o governo Jair Bolsonaro e pela libertação do ex-presidente Lula, preso em Curitiba desde abril de 2018.
Houve também lembranças à vereadora Marielle Franco, assassinada em fevereiro de 2018, e protestos contra a reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro.
Em discursos, lideranças criticaram a autorização dada por Bolsonaro para que as Forças Armadas "rememorassem" o golpe militar de 1964, gerando uma série de manifestações de aliados em defesa do regime. Neste domingo (31), em vídeo postado nas redes sociais, o governo reforçou a defesa.
— É inaceitável em qualquer lugar do planeta que uma pessoa, uma autoridade pública, faça elogio à tortura — disse em seu discurso o ex-senador Chico Alencar (PSOL). — As sementes da ditadura, da repressão, da tortura e da morte estão ainda nos envolvendo.
— Se hoje fosse praticado o que o presidente quer que se celebre, seria crime imprescritível e inafiançável — criticou o deputado federal Alessandro Molon (PSB). — Ser presidente da República não dá a ele o direito de negar a história.
— Eu fui criado no chão frio do exílio. Eu como sofrimento da minha família — recordou o vereador Leonel Brizola Neto (PSOL), que lembrou torturas sofridas pelo avô e homenageou militares que se opuseram ao regime.
— É preciso debatermos, dialogar com o povo brasileiro o que significou esse corte histórico.
Os manifestantes iniciaram o protesto sentados nas escadarias da Câmara dos Vereadores cantando músicas representativas da época, como Para não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, e Cálice, do Gilberto Gil e Chico Buarque.
Manifestantes portavam bandeiras de partidos de esquerda, como PCO e PSTU. O ex-presidente Lula foi lembrado tanto em cartazes, camisetas e adesivos, quanto em palavras de ordem pedindo sua liberdade.
— Em pleno século 21, Lula ainda é um preso político — apoiou a deputada federal Jandira Feghali (PCB), que chamou Bolsonaro de canalha em seu discurso. A deputada federal Benedita da Silva (PT) também pediu a liberdade de Lula.
Vestindo a camisa laranja do partido Novo, o consultor financeiro Cláudio Janowitzer classificou a defesa de Lula como "deformação".
— Eu achava que a ênfase seria contra a glorificação da ditadura — disse. — Não deveria ser um movimento de esquerda, mas pela liberdade e contra a ditadura.
Brasília
Em Brasília, houve manifestação favorável ao golpe que, em 1964, colocou os militares no poder durante 21 anos (1964-1985). O jornalista Felipe Porto, 58 anos, organizador do evento e ligado à União dos Movimentos de Brasília, chamou o ato de apoio à "intervenção cívico-militar".
— Não é para comemorar excessos, que aconteceram nos dois lados — disse, referindo-se ao que nomeia como "guerra" entre as forças do governo durante o regime militar e movimentos guerrilheiros nas cidades e na zona rural que "poderiam levar o país ao comunismo e à ditadura do proletariado".
A recepcionista de salão de beleza Rúbia Cristiana de Oliveira, 49 anos, que se considera "ativista das ruas há cinco anos", elogiou a participação dos militares na política nacional desde a intentona comunista ao governo do presidente Jair Bolsonaro.
— É preciso muita perspicácia, paciência, cautela, sabedoria para nos unir nesse momento. Não interessa quem ergue o quê, sé é uma bandeira impeachminsta (sic), intervencionista ou petista. Interessa é tirar o povo da extrema pobreza, valorizar as nossas empresas, o nosso país, o que produzimos.
Já o estudante Luiz Felipe Carmona, 16 anos, participou de uma manifestação contra as comemorações do 31 de março, no Eixo Rodoviário Norte, no Plano Piloto de Brasília.
— A gente debate bastante — conta ao relatar o ambiente em sua escola, e lamenta que "também tem gente que não se importa".
De acordo com ele, a importância de estar na manifestação é "conhecer o passado".