Apresentado em 19 de fevereiro no Congresso pelo ministro da Segurança e Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o pacote anticrime do governo federal acabou, nas semanas seguintes, fatiado após pressões de parlamentares. Entre os pedidos de deputados, estava a separação do crime de caixa 2 em um projeto extra, o que Moro prontamente atendeu, alegando ser "uma nova estratégia" para conseguir a aprovação.
Abaixo, confira as alterações propostas pelo pacote, explicadas ponto a ponto.
PROJETO DE LEI 1
PRISÃO DE CONDENADOS EM SEGUNDA INSTÂNCIA
Como é: Lei prevê que ninguém pode ser preso senão em flagrante ou após um processo transitar em julgado (tiver todos os recursos esgotados). Há discussão jurídica em torno da norma, e o STF vem permitindo desde 2016 a prisão de condenados em segunda instância (como nos Tribunais de Justiça), antes que caso chegue ao STF ou ao STJ.
O que muda: Formaliza em lei a jurisprudência atual do STF. Eventuais multas decorrentes do processo também podem ser pagas quando o condenado começar a cumprir pena, não mais após o trânsito em julgado.
TRIBUNAL DO JÚRI
Como é: É possível recorrer em liberdade de decisão do Tribunal do Júri –que julga crimes dolosos contra a vida (como homicídios). Um exemplo é o de Gil Rugai, que foi condenado pelo Tribunal do Júri de São Paulo pelas mortes de seu pai e sua madrasta e inicialmente pôde recorrer em liberdade.
O que muda: Uma pessoa condenada pelo Tribunal do Júri começa a cumprir pena imediatamente após a decisão, mesmo que caibam eventuais recursos.
NOVA REGRA PARA RECURSO
Como é: Os embargos infringentes, um tipo de recurso, podem ser interpostos caso haja um voto divergente, em benefício do réu (abaixando a pena, por exemplo), no colegiado que tiver realizado o julgamento.
O que muda: Esses embargos só podem ser apresentados se um dos juízes da segunda instância tiver votado pela absolvição total do réu, e não em caso de outras divergências (como o tamanho da pena).
LEGÍTIMA DEFESA
Como é: Lei em vigor define legítima defesa como situação em que a pessoa, "usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem".
O que muda: Reduz pena até a metade ou deixa de aplicá-la se a legítima defesa "decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção". Ponto é o mais criticado por entidades e autoridades da área de direitos humanos, que veem nele uma permissão para que policiais matem em serviço.
REGIME FECHADO
Como é: Só é aplicado para condenações acima de oito anos, independentemente do crime. A pena prevista para corrupção, por exemplo, é de 2 a 12 anos –portanto, é possível que um condenado por corrupção não vá para a cadeia se a pena for inferior a oito anos.
O que muda: Vale para reincidentes e também para condenados por corrupção e peculato. Também vale para roubo praticado com arma de fogo. Restringe progressão de regime (do fechado para o semiaberto, por exemplo) para casos envolvendo morte da vítima. Coloca fim às saídas temporárias de presos condenados por crimes hediondos (como homicídio, latrocínio, estupro e genocídio), tortura e terrorismo. Condenado por integrar organização criminosa não pode progredir de regime se houver comprovação de que ele mantém vínculo com o grupo.
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Como é: Lei considera organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas com objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes com penas superiores a quatro anos de prisão.
O que muda: Inclui na definição facções conhecidas, como Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho, Família do Norte, Terceiro Comando Puro, Amigos dos Amigos e Milícias.
ARMAS DE FOGO
Como é: Lei prevê que a pena para disparo, posse ou porte ilegal, comércio ilegal e tráfico internacional de arma de fogo seja aumentada caso o réu seja integrante de forças de segurança ou empregado de empresa de segurança e transporte de valores.
O que muda: Aumenta a pena para os mesmos crimes se o réu já tiver registros criminais passados, com condenação em segunda instância.
CONFISCO DO PRODUTO DO CRIME
Como é: Código Penal prevê de modo genérico o confisco "do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido [...] com a prática do fato criminoso".
O que muda: Detalha que o confisco de bens será correspondente à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito, em casos de condenados por infrações de pena máxima superior a seis anos de prisão. Obras de arte apreendidas ou outros bens de valor cultural e artístico passam a ser destinados a museus públicos em alguns casos.
BENS APREENDIDOS PARA COMBATER CRIME
Como é: Não está detalhado no Código de Processo Penal.
O que muda: Explicita na lei que fica autorizada a utilização de bens sequestrados e apreendidos para atividades de prevenção e repressão a crimes, com prioridade do órgão de segurança pública que fez a investigação. Por exemplo: lanchas de contrabandistas e traficantes apreendidas pela Polícia Federal em Foz do Iguaçu (PR), na divisa com o Paraguai, podem ser usadas pelos policiais federais no patrulhamento da fronteira. Quando o processo transita em julgado, o bem torna-se definitivamente propriedade do órgão público.
PRESCRIÇÃO
Como é: Lei dispõe que prazo de prescrição deixa de correr em alguns casos, como quando o réu cumprir pena no exterior.
O que muda: Inclui novas situações para o prazo de prescrição parar de correr, como quando houver recursos pendentes nos tribunais superiores (STF e STJ).
CRIME DE RESISTÊNCIA
Como é: Lei prevê pena de dois meses a dois anos de detenção a quem se opuser à execução de um ato legal, usando violência ou ameaça ao agente público. Quando o ato não se consumar devido à resistência, pena prevista é de 1 a 3 anos de reclusão.
O que muda: Acrescenta que, se a resistência resultar em morte do agente, a pena vai de 6 a 30 anos de reclusão.
ACORDOS CRIMINAIS E EM INVESTIGAÇÕES DE IMPROBIDADE
Como é: A lei que criou os juizados especiais em 1995 permite que casos de crimes de menor potencial ofensivo, com pena máxima de dois anos de prisão, sejam encerrados sem julgamento, com a adoção de penas brandas negociadas com os investigados, como reparação de danos e prestação de serviços comunitários.
Para crimes com pena mínima igual ou inferior a um ano de prisão, a mesma lei autoriza o Ministério Público a propor a suspensão do processo judicial se o acusado aceitar reparar danos causados e comparecer a juízo para prestar contas regularmente.
Uma resolução publicada pelo Conselho Nacional do Ministério Público em 2017 e revisada em 2018 permite acordos de não-persecução penal com investigados por crimes não violentos, com pena mínima de quatro anos de prisão. Suspeitos que confessarem o delito e aceitarem reparar danos, pagar multa e prestar serviços comunitários podem se livrar de processo e julgamento.
O que muda: A proposta de Moro restringe os acordos de não-persecução penal a casos que envolvam crimes sem violência nem grave ameaça, com pena máxima de quatro anos de prisão, reproduzindo as demais condições previstas pela resolução do Ministério Público para as negociações.
O projeto prevê um novo tipo de acordo na fase inicial do processo judicial, para casos em que houver confissão e o réu aceitar reparar danos, abrir mão do produto do crime e desistir de recorrer contra as decisões da Justiça.
Na esfera cível, também passariam a ser possíveis acordos para reparação do dano nas investigações de improbidade administrativa, o que hoje é vedado.
INVESTIGAÇÃO DE POLÍTICO COM FORO
Como é: Investigação ou ação penal na primeira instância precisa ser remetida para o STF (Supremo Tribunal Federal), por exemplo, caso surjam indícios de envolvimento de políticos com foro especial (presidente, ministros, deputados, senadores).
O que muda: Autoridades que atuam na primeira instância remetem para o STF somente a parte relativa ao político com foro especial, prosseguindo com a investigação sobre os demais suspeitos. Nesse exemplo, a investigação ou a ação penal só passa integralmente ao STF se a corte decidir que é imprescindível julgar todos os envolvidos conjuntamente.
PROJETO DE LEI 2
CRIME DE CAIXA 2
Como é: Casos de caixa 2 são julgados com base em um artigo do Código Eleitoral que fala sobre omissão ou falsidade na prestação de contas à Justiça Eleitoral. Punição é considerada branda (até cinco anos) e não se aplica a quem pagou o caixa 2. Boa parte dos inquéritos abertos no STF com base na delação da Odebrecht, por exemplo, investiga caixa 2. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), não há registro de condenados por caixa 2.
O que muda: Tipifica o crime de caixa dois, com pena de 2 a 5 anos de prisão "se o fato não constitui crime mais grave" (se não vem acompanhado de corrupção, por exemplo). Prevê aumento da pena se houver a participação de agente público e estende a punição a quem deu o dinheiro via caixa 2.
INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA
Como é: Código de Processo Penal diz prática é "excepcional" e deve ser empregado em algumas situações, como para prevenir riscos à segurança pública no deslocamento de um preso.
O que muda: Amplia os casos em que juiz pode ouvir presos por videoconferência e retira do código a "excepcionalidade" da medida. Numa primeira versão, Moro havia proposto que réus em prisões fora da comarca ou da subseção judiciária fossem ouvidos "preferencialmente" por transmissão em vídeo. Após pedido dos governadores, o ministro da Justiça modificou o texto e estabeleceu que as audiências "deverão ocorrer" por vídeo quando o detido estiver longe do tribunal, "desde que exista o equipamento necessário".
PRISÃO DE CRIMINOSOS CONTUMAZES
Como é: Presos em flagrante podem ter liberdade provisória se juiz verificar que ele praticou o crime em estado de necessidade, em legítima defesa ou em estrito cumprimento de dever legal.
O que muda: Acrescenta que o juiz deve negar a liberdade provisória se verificar que o preso "é reincidente ou que está envolvido na prática habitual, reiterada ou profissional de infrações penais ou que integra organização criminosa", exceto se o delito for muito leve. Moro também atendeu os governadores e inseriu, na segunda versão do projeto, que o mesmo vale para presos em flagrante que portem arma de fogo de uso restrito em circunstâncias que indiquem pertencimento a grupo criminoso.
PRESÍDIOS DE SEGURANÇA MÁXIMA
Como é: São presos nos presídios federais de segurança máxima "aqueles cuja medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso".
O que muda: Acrescenta detalhes sobre como será o cumprimento da pena nesses presídios: cela individual, visitas só em dias determinados, no máximo duas pessoas por vez, "separadas [do preso] por vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações", entre outras especificações. Medida visa evitar que chefes de facção enviem ordens por meio de parentes e amigos. As conversas com advogados não são gravadas.
BANCO DE DNA DE PRESOS
Como é: Condenados por crimes graves e violentos devem ter amostra de DNA recolhida e armazenada em um banco de dados para auxiliar em investigações futuras. Apesar de lei estar em vigor, o banco de DNA não vem sendo abastecido regularmente.
O que muda: Acrescenta que recolhimento do DNA será no momento do ingresso do condenado na prisão, a fim de efetivar uma lei que já existe. Passa a considerar falta grave a recusa do condenado de submeter-se à coleta da amostra. Também muda o momento em que o perfil genético pode ser excluído do banco de dados: quando houver absolvição do acusado ou depois de 20 anos do cumprimento da pena.
INFORMANTE
Como é: Não há correspondência na lei atual.
O que muda: União, Estados, municípios e estatais precisam criar ouvidorias em que qualquer pessoa possa relatar crimes contra a administração pública, resguardada a sua identidade. Também permite que o informante seja recompensado caso sua denúncia resulte na devolução de dinheiro público desviado.
PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR
Na sua primeira versão, Moro incluiu no projeto um trecho que determina que crimes comuns, quando investigados em conexão com crimes eleitorais, devem ser de competência da Justiça comum.
O decano do STF, Celso de Mello, criticou a redação proposta por Moro e disse que eventuais mudanças nas atribuições na Justiça Eleitoral não poderiam ocorrer via projeto de lei ordinária.
Na nova versão do anteprojeto, Moro manteve as mudanças no Código Eleitoral, mas afirmou que o tema será enviado ao Congresso em um projeto de lei complementar separado.