A Receita Federal vai ampliar a cooperação com o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) e investigar os envolvidos na Operação Os Intocáveis, que mira na atuação de milícias na região. Entre os alvos, está o ex-capitão da Polícia Militar Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como líder de grupo criminoso conhecido como Escritório do Crime –hoje, foragido. A mãe e a mulher de Nóbrega trabalharam no gabinete de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) quando o parlamentar atuava como deputado estadual na Assembleia carioca. Hoje, ele é senador.
A mulher de Nóbrega, Danielle Mendonça da Costa Nóbrega, trabalhou no gabinete de Flávio de setembro de 2007 até novembro do ano passado. Já a mãe de Nóbrega, Raimunda Veras Magalhães, esteve lotada no mesmo gabinete de maio de 2016 também até novembro de 2018. Ambas recebiam salário de R$ 6,5 mil.
A Receita já atuava na análise das movimentações financeiras dos citados no relatório do Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf), que apontou transações atípicas na conta de Fabrício Queiroz, também ex-assessor de Flávio, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. Raimunda, a mãe de Adriano Nóbrega, é citada no relatório do Coaf que investiga corrupção no Legislativo fluminense por repassar R$ 4,6 mil para a conta de Queiroz.
A Operação Os Intocáveis prendeu cinco suspeitos de integrar uma milícia que atua na Barra da Tijuca. De acordo com o Ministério Público carioca, o grupo atuava em grilagem de terras, compra, venda e aluguel irregular de imóveis, na cobrança de taxas da população local e na receptação de mercadoria roubada, entre outros crimes.
A entrada da Receita no caso segue o padrão adotado desde a Operação Lava-Jato, em que o foco dos investigadores é o caminho do dinheiro de grupos criminosos. Como o Fisco tem o maior banco de dados fiscais, bancários e patrimoniais do Brasil, seus relatórios são considerados os mais completos para auxiliar nas investigações.
No caso da milícia, a atuação do órgão poderá rastrear todos aqueles que fizeram algum tipo de transação, não só com os suspeitos de integrar o grupo, mas também com parentes, pessoas próximas ou empresas ligadas a eles. Em busca de possíveis crimes tributários, os auditores devem produzir relatórios para subsidiar o trabalho dos promotores com o mapeamento do caminho do dinheiro movimentado.
Uma fonte com acesso à investigação afirmou que já foram realizadas algumas reuniões entre investigadores e a Receita para tratar da cooperação no caso.
Flávio Bolsonaro homenageou milicianos
Enquanto era deputado estadual, o filho de Bolsonaro, em discursos na Assembleia do Rio em 2006 e 2007, disse que "a milícia nada mais é do que um conjunto de policiais buscando expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos". Ainda segundo declarações do hoje senador, não seria "justa essa perseguição (aos milicianos)".
Como parlamentar na Assembleia do Rio, Flávio apresentou moções honrosas a outros quatro policiais que se envolveram em irregularidades. Em 2017 e 2018, o então deputado estadual pediu à Mesa Diretora da Casa que fossem concedidas moções parabenizando os PMs Leonardo Ferreira de Andrade e Bruno Duarte Pinho - os dois foram alvo, em agosto do ano passado, da Operação Quarto Elemento, do Ministério Público.
No outro caso em que a Receita já coopera com o MP sobre a movimentação financeira de assessores da Assembleia, entre eles ex-funcionários de Flávio, os auditores iniciaram nos últimos dias a análise de dados.
Há dois focos de investigação. Na esfera criminal, a apuração é conduzida pelo promotor Luis Otávio Figueira Lopes e apura possível prática de peculato, quando um servidor se apropria de dinheiro público. Segundo o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, Flávio ainda não é diretamente investigado neste caso. No área cível, o senador é alvo por suposto ato de improbidade.
Uma fonte disse que, ao mapear o caminho do dinheiro que abasteceu as contas de Queiroz e de outros assessores da Assembleia do Rio, o Fisco poderá contribuir na apuração sobre a suposta existência de um esquema de contratação ilegal de servidores para posterior devolução de parte dos vencimentos. Essa hipótese já era investigada pela Polícia Federal antes de o caso ser enviado à esfera estadual.
A Promotoria do Rio também tem como uma das linhas de investigação a de que Queiroz e assessores de outros deputados com movimentações mais elevadas centralizavam o recebimento de parte dos salários de seus colegas de gabinete.
Conhecido como "rachid", o esquema resultou nos últimos anos na abertura de investigações em pelo menos 16 assembleias legislativas. Em relatório, a delegada federal responsável pela Operação Furna da Onça disse que esse sistema seria "disseminado" na Assembleia do Rio.
Um ex-assessor de Flávio declarou aos investigadores que devolvia 66% do salário para Queiroz todos os meses. Segundo ele, as transferências eram investimentos em atividade de compra e venda de veículos. Queiroz a ainda não prestou depoimento à Promotoria.
Por meio de sua assessoria, o senador Flávio Bolsonaro afirmou que é vítima de "perseguição política e repudia a tentativa de imputar irregularidades e crimes onde não há".