Poucos momentos após a entrega da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência à Câmara pelo presidente Jair Bolsonaro, na manhã desta quarta-feira (20), uma mobilização foi sendo formada em torno do tema. Parlamentares de oposição e de siglas alinhadas ao Planalto concordavam em trabalhar para reduzir o alcance de alguns pontos da proposta.
À noite, em pronunciamento de rádio e TV, Bolsonaro destacou que é preciso garantir que todos recebam seus benefícios em dia:
— A nova Previdência será justa para todos. Sem privilégios. Ricos e pobres, servidores públicos, políticos ou trabalhadores privados, todos seguirão as mesmas regras de idade e tempo de contribuição. Também haverá a reforma do sistema de proteção social dos militares. Respeitaremos as diferenças, mas não excluiremos ninguém. Quem ganha mais, contribuirá com mais. Quem ganha menos, contribuirá com menos ainda — disse.
O foco das críticas ao projeto recaiu sobre idades mínimas para a aposentadoria, aumento no tempo de serviço e alterações em benefícios sociais. Apesar do discurso de austeridade da equipe econômica, deputados avaliam que o governo não terá alternativa a não ser aprofundar a interlocução com o Congresso, especialmente para negociar apoio e reduzir o peso das mudanças.
Os mais afoitos defendem, até mesmo, a troca de ministros para acomodar indicações partidárias, sob o pretexto de agilizar a formação de base aliada coesa em torno do governo, o que ainda não há.
– Com esse clima não aprova nada. Pode ser essa reforma ou um texto bem mais leve. Não passa nada – pontua uma liderança nacional do PP, que se empenhou em aprovar o texto proposto por Michel Temer, mas não obteve sucesso.
Para membros do centrão, a equipe econômica abusou de trechos polêmicos na proposta, justamente para ter espaço de negociação. Nessa categoria, apostam que haverá possibilidade de discussão sobre o tempo de trabalho de 40 anos para benefício integral e a ampliação das idades mínimas para a aposentadoria rural.
O chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, admite que o governo espera mudanças antes da votação, embora tenha mandado um recado a deputados e senadores:
– A reforma tem de superar disputas políticas e questões ideológicas. Trata-se de uma escolha que o governo colocou nas mãos dos congressistas, que, em nome da sociedade, vão aperfeiçoá-la.
O líder do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SP), afirmou que o partido irá propor emendas para reduzir a idade mínima para aposentadoria e ampliar o tempo de transição, definido em até 12 anos.
Reconhecimento sobre "erro" em casos passados
No plenário da Câmara, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) fez discurso firme contra as alterações e, ao lembrar que Bolsonaro se posicionou contrariamente a outras propostas de reforma previdenciária, colocou ao microfone trechos gravados de discursos em que o presidente diz que definir idade mínima de 65 anos para aposentadoria é "crime" e "falta de humanidade". O próprio presidente fez referência a isso durante a entrega do projeto, dizendo que reconhece ter errado no passado.
O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), apoiou o texto enviado pelo Planalto, elogiando o rigor técnico. Afirmou que a bancada do partido irá analisar questões como o aumento do tempo de contribuição e as idades mínimas para, depois, divulgar posicionamento:
– Gorduras no texto sempre vão existir. Não pode vir uma proposta do Executivo sem pensar que nós, legisladores, não vamos opinar sobre ela. É nosso dever e papel aprimorar a proposta.
Criticado até por aliados do Planalto pela falta de experiência na interlocução política, o líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO), deixou aberta a possibilidade de negociação. Para ele, a inclusão de demandas de governadores na PEC irá auxiliar na aprovação do texto final.
Outro fator de desgaste ao Planalto foi o atraso no envio do projeto que contempla militares e policiais. Apesar da promessa de entrega em até 30 dias, o fato foi explorado pela oposição e por partidos do centrão. "Tenho a convicção de que, sem uma reforma que alcance também os militares, o texto apresentado não deveria sequer tramitar", publicou em uma rede social o senador e presidente do PP, Ciro Nogueira (PI).
Alçado na terça-feria (19) ao posto de líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) respondeu que não vê motivos para preocupação, já que está garantido o envio do texto.
*Colaborou Caio Cigana