O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, vai defender no Congresso mudanças na legislação para permitir o confisco de bens comprados com recursos ilícitos ou derivados de crime, mesmo que não haja comprovação de que tenham sido obtidos ilegalmente.
No pacote que pretende encaminhar em fevereiro aos parlamentares, Moro vai incluir o chamado confisco alargado, que autoriza o poder público a retirar da propriedade de condenados por crimes como corrupção, tráfico de drogas e associação criminosa tudo aquilo cuja origem eles não conseguirem comprovar como lícita.
Promessa de campanha de Jair Bolsonaro, mudanças na legislação visam a fortalecer o combate à corrupção e ao crime organizado. Moro apresentou na sexta-feira passada ao presidente as proposições que pretende incluir no plano, mas elas ainda não estão totalmente fechadas.
Outra medida, que deve seguir depois para o Congresso, é a que prevê o confisco de bens na esfera cível, mesmo que não haja condenação criminal, conhecida como extinção do domínio. Nesse tipo de ação, que só seria aberta se houver indícios de que os bens foram adquiridos por meio de crime, o proprietário teria de explicar como obteve o patrimônio; do contrário perderia o bem.
Por exemplo, a mulher de traficante ou condenado por corrupção, mesmo que não tenha sido condenada, pode ter o imóvel em seu nome confiscado pelo poder público caso não prove à Justiça que tenha usado dinheiro com origem lícita para fazer a compra.
Um terceiro ponto que Moro defende, mas não deve incluir no pacote, é a criminalização do enriquecimento ilícito, hoje passível de punição apenas na esfera administrativa. A proposta já está em discussão no Congresso e Moro planeja encampá-la.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), Cristiano Maronna, as três propostas ferem a presunção da inocência e invertem o ônus da prova, já que o cidadão teria de provar que é inocente ou que a origem do patrimônio é legal.
— No confisco alargado, há ruptura de um princípio fundamental do processo penal, o da presunção da inocência, e do in dubio pro reo (na dúvida, decide-se a favor do réu). Na dúvida, o sujeito vai perder o patrimônio porque vai se buscar ampliar e alargar essa ideia de confisco — disse Maronna.
— O grande problema é que não levam em conta a ideia de equilíbrio e proporcionalidade, mas exclusivamente os interesses da acusação. Embora sejam relevantes, eles não são os únicos. É por isso que a Constituição prevê freios e contrapesos aos poderes acusatórios —complementou.
Coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal, a subprocuradora Luiza Frischeisen rebate e argumenta que as três propostas dariam ao MP ferramentas para combater o financiamento do crime e a lavagem do dinheiro.
— Aumenta a possibilidade de atingir o fluxo do dinheiro que alimenta o crime organizado — disse.
Luiza argumenta ainda que as mudanças, se aprovadas, facilitariam o confisco de patrimônio em nome de laranjas que não estiveram envolvidos em atividade criminosa.
Excluídas
A extinção de domínio, o confisco alargado e a criminalização do enriquecimento ilícito faziam parte das Dez Medidas de Combate à Corrupção, pacote que o Ministério Público Federal apresentou ao Congresso em 2015. Foram excluídas, contudo, na votação no plenário da Câmara dos Deputados, em que o projeto original foi desfigurado.
Na visão de Moro, o capital político do governo recém-eleito pode favorecer o andamento das propostas, que estariam de acordo com o sentimento demonstrado nas urnas. Quando aceitou o cargo de ministro, afirmou que seu objetivo era difundir nacionalmente "avanços" obtidos na Operação Lava Jato e, para ele, essas mudanças na lei são fundamentais para isso.
Conforme as propostas de Moro, poderão ser alteradas pelo menos 15 leis, como as que tratam de execução penal e lavagem de dinheiro, além dos códigos Penal e o de Processo Penal.
Ex-coordenador da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), o advogado Antenor Madruga afirmou que as medidas não ferem o processo legal e não impedem o cidadão de se defender.
— Talvez o enriquecimento ilícito seja algo que precise de uma maior discussão antes de aprovação. Nem tudo se resolve com direito penal. Pode ser também no cível — disse.