A intenção é boa, mas os efeitos concretos são altamente polêmicos. O ministro Sergio Moro decidiu enviar ao Congresso um projeto prevendo a criação do "acordo penal", mecanismo pelo qual um acordo entre um acusado e o Ministério Público adquire poder de decisão, sem passar por um juiz.
O lado bom é que, uma vez aplicada, a medida reduziria drasticamente o tempo de tramitação dos processos, desafogando o Judiciário e acabando com as intermináveis possibilidades de recursos.
Mas a proposta de Moro chega carregada de dúvidas. A principal delas é a exclusão do juiz do processo de decisão. Nos Estados Unidos, onde a chamada "plea bargain" existe, os acordos envolvem, muitas vezes, pagamentos de quantias significativas pelos acusados que confessam crimes. Em uma sociedade com desigualdades gigantescas como a brasileira, os ricos levariam vantagem.
Outro ponto a ser levado em conta nessa espécie de versão pocket da delação premiada é até que ponto ela estimula o crime, uma vez que a confissão posterior poderia significar o abrandamento da pena de forma rápida e definitiva.
Além disso, cabe ressaltar que a cultura jurídica americana é completamente diferente da brasileira. Delegar ao Ministério Público o poder de decidir sobre crimes como furto, assalto, homicídio ou corrupção, sem a mediação do Judiciário, exigiria uma guinada radical de todas as instituições envolvidas.
Por último, uma questão fundamental precisará ser resolvida. A da transparência. Negociar a punição por um crime a portas fechadas, no Brasil, se apresentaria como um enorme desafio para as partes envolvidas. Não faço qualquer insinuação sobre ética ou honestidade, mas sim sobre o que dirão as redes sociais.
Esse tipo de mecanismo já é usado no Brasil, mas para infrações de menor potencial. Os estádios de futebol são um exemplo. Brigas sem lesões graves e bebedeiras são resolvidas ali mesmo, mas por um juiz. O Brasil não está pronto para a ideia de Moro, o que não retira dela todos os méritos, mas apenas a torna, pelo menos nesse primeiro momento, inaplicável.