Por Angelo Brandelli Costa e Felipe Vilanova
Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e em Ciências Sociais da PUCRS; estudante de Psicologia e bolsista de iniciação científica da PUCRS
Se hoje surgir um líder autoritário, temos como saber quem tem maior tendência de se submeter a ele? Foi tentando responder a essa pergunta que Theodor Adorno e seus colegas publicaram, em 1950, o livro A Personalidade Autoritária. Influenciado por muitos estudos que buscavam compreender como os alemães apoiaram massivamente os nazistas e como se poderia prevenir que algo similar acontecesse novamente, Adorno forneceu a sua contribuição propondo que haveria um tipo de personalidade que estaria mais suscetível a ser cooptada por líderes autoritários – a "personalidade autoritária". Tal personalidade era caracterizada, dentre outros fatores, por apoio à agressão contra os que violassem os valores morais tradicionais, por acreditar que o grupo étnico do qual se faz parte é intrinsicamente superior, por um pensamento muito rígido e por uma percepção do mundo como um lugar absolutamente perigoso.
Para Adorno, pessoas que provinham de alguns grupos sociais específicos cresceriam em um contexto no qual o autoritarismo seria o mais prevalente. O primeiro seria a identificação com figuras autoritárias na incorporação de um ideal de submissão irrestrita (meus cuidadores são violentos, e essa é a regra das relações interpessoais no geral). O segundo se daria através da projeção, dificultando a percepção do autoritarismo quando praticado – o burocrata que encaminhava multidões para o campo de concentração e afirmava que estava apenas fazendo seu trabalho. Ambos os processos culminariam na eleição de minorias sociais como bodes expiatórios para explicar a exclusão social e a repressão às quais esses grupos foram sujeitos. Hoje entende-se que, mais do que a formação de algo como uma personalidade, o que está em jogo é a construção de uma atitude.
Com as mudanças na sociedade, aquilo que era considerado autoritarismo em 1950 já não se manifestava da mesma forma no fim do século 20. Tendo isso em mente, em 1988, o questionário que Adorno havia proposto foi modificado por um psicólogo canadense chamado Bob Altemeyer. Aplicando o novo questionário, chegou-se à conclusão de que a personalidade autoritária estava sendo manifestada principalmente por três componentes: constante agressividade direcionada a grupos de pessoas, submissão acrítica a autoridades estabelecidas e forte adesão a normas e valores morais tradicionais.
Juntos, os trabalhos de Adorno e Altemeyer já acumulam mais de 19 mil citações no mundo todo. Enquanto isso, transcorridos 68 anos desde a primeira proposição do questionário para identificar a personalidade autoritária, impressiona que o tema do autoritarismo tenha sido tão pouco estudado empiricamente no Brasil. É ainda mais paradoxal considerando que há diversas obras na tradição sociológica que demonstram teoricamente a tendência autoritária do brasileiro. Atualmente, vemos essa tendência se materializar na radicalização de alguns movimentos políticos brasileiros, que defendem reivindicações muito próximas àquelas identificadas por Adorno e por Altemeyer.
Para começar a suprir a lacuna de estudos empíricos sobre autoritarismo no Brasil, foi conduzida uma pesquisa na PUCRS, em parceria com a UFRGS (leia em bit.ly/PesquisaAutoritarismoBrasileiro), que buscava traduzir e aplicar nacionalmente a versão mais recente do questionário que Adorno pioneiramente propôs. Participaram do estudo 518 pessoas de diferentes regiões do país. Nele, perguntava-se se o participante se identificava como de esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita ou nenhuma dessas opções. Um resultado preocupante das pesquisas foi que a média geral de autoritarismo do questionário foi 2,09 pontos (em uma escala de 0 a 5).
Além disso, aqueles que se declararam como de centro e aqueles que não se posicionaram em nenhuma parte do espectro apresentaram médias superiores a essa média geral. Portanto, mesmo os grupos que não estão se posicionando de um lado ou de outro no espectro político apresentam uma tendência autoritária superior à média geral da população brasileira.
O resultado do estudo acende um alerta para o fato de que mesmo aqueles que se declaram apartidários estão bastante suscetíveis a se submeterem a líderes autoritários. Diante de um cenário em que o extremismo político se manifesta e ganha cada vez mais adeptos, a tendência ao autoritarismo deve ser encarada com bastante seriedade, uma vez que os rumos da democracia podem estar em jogo.