Documentos confidenciais de uma das chancelarias mais ativas na Europa mostram que diplomatas de Berna, na Suíça, tinham conhecimento do uso de violência contra opositores por parte dos militares brasileiros durante a ditadura (1964-1985). Para a diplomacia suíça, a cúpula do regime sabia dos casos de tortura, aprovava essa prática e adotou a "severa repressão" para se manter no poder.
Em um telegrama de 24 de outubro de 1973, o então cônsul suíço no Rio, Marcel Guelat, escreve ao secretário-geral do Departamento de Política do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Thalmann, sobre a situação no País. O texto — intitulado Tortura no Brasil — era uma resposta a um pedido de Berna por informações.
No texto de oito páginas, o cônsul afirma que a tortura foi "sempre praticada mais ou menos de forma aberta. Ainda que a situação econômica do Brasil acuse uma recuperação importante, em contraste com os países vizinhos, não é menos verdade que a ditadura militar pretende se manter no governo por meio de uma repressão muito severa."
Tradicionalmente neutra, a diplomacia suíça usou de sua posição política para dialogar ao longo dos anos 1970 com diferentes governos latino-americanos, de esquerda e de direita. Berna ainda foi escolhida por EUA e Cuba como o governo que manteria a comunicação entre Havana e Washington, no auge da Guerra Fria. No caso do Brasil, sua função foi manter os canais abertos.
Os documentos indicam ainda que os diplomatas mantinham uma postura crítica em relação às violações praticadas no País. No envio de informações ao governo suíço, o diplomata cita o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), "conhecido por sua brutalidade". "Certas unidades do Exército começam a recorrer a diversos métodos de tortura: punições corporais, queimaduras, eletrochoques, câmaras frias, etc.", disse o diplomata aos seus superiores em Berna.
Para ele, não existiam dúvidas sobre o envolvimento da cúpula do governo brasileiro. "Dada a disciplina militar que reina na tropa, me parece impensável que essas fatos sejam ignorados pelo escalão mais elevado, mas, sim, nos faz acreditar que o governo brasileiro mudou de ideia e que aprova o emprego da tortura, enquanto continua a negar os fatos", afirmou.
Relato
O cônsul disse ainda que ouviu o relato da "ex-suíça Graciela Fadul", casada com o então deputado Wilson Fadul e ex-ministro da Saúde do governo João Goulart. "Ela declarou ao consulado que seu filho, um brasileiro, havia sido torturado de forma selvagem durante dez dias pela Polícia Militar, sob a acusação de pertencer a um grupo subversivo", escreveu. "Como nada contra ele foi provado, ele foi liberado, em um estado de saúde horrível."
O diplomata também fez uma avaliação crítica da Justiça do País durante a ditadura. "Ao longo da história do Brasil, o Poder Judiciário foi sempre respeitado e soube conservar seu prestígio", afirmou.
"Hoje, não é mais o caso, já que a Justiça perdeu suas prerrogativas por conta de atos institucionais decretados pelo governo militar. O estado policial substituiu o estado de direito", completou o diplomata no telegrama a Berna.