Apontado como "estrategista dos acordos de colaboração", o ex-procurador da República Marcello Miller foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por corrupção junto com o empresário Joesley Batista, sócio do Grupo J&F, o ex-diretor jurídico do grupo Francisco Assis e Silva e a advogada Esther Flesch, ex-sócia do escritório Trench Rossi e Watanabe, nesta segunda-feira, 25, nove meses após o início da apuração sobre um suposto "jogo duplo" para ajudar nas delações do grupo J&F.
A denúncia, apresentada à 15.ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal em segredo de justiça, aponta como crime uma promessa de pagamento indevido de R$ 700 mil dos executivos a Miller para orientá-los na colaboração premiada enquanto ainda era integrante do MPF.
O pagamento de R$ 700 mil seria feito por meio de um contrato entre Miller e o escritório Trench, Rossi e Watanabe, por serviços prestados entre março e o início de abril, enquanto ainda não havia sido exonerado do MPF, sendo que o escritório só o contrataria formalmente a partir de 5 de abril. Os procuradores não mencionam se os valores chegaram a ser pagos.
O documento, assinado pelos procuradores Frederico Paiva e Francisco Guilherme Vollstedt Bastos, narra que, desde o fim de fevereiro de 2017, quando Joesley, Assis e outros executivos do grupo J&F se preparavam para fazer colaboração premiada, Marcello Miller prestou orientação a eles. Os empresários "tinham a real expectativa" de que, no exercício do cargo e integrante da equipe de auxílio do então Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, Miller poderia facilitar ou lhes ajudar na celebração de acordo de colaboração premiada.
"O preço desse auxílio, calculado pelo escritório TRW (R$ 700.000,00), abrangeu aconselhamentos acerca de estratégias de negociação e revisão dos anexos, além da redação final da proposta que foi apresentada, sob a ótica de um Procurador da República que atuava, justamente, nessa atividade de assessoria do PGR e, portanto, tinha nas suas atribuições a celebração de minutas e outros atos no âmbito das tratativas para celebração de acordo de colaboração premiada, o que, certamente, na visão dos corruptores, constituiu um fator determinante nessa contratação. Portanto, um procurador da República integrante do grupo da Lava Jato foi o estrategista dos acordos de colaboração", afirmaram os procuradores.
Apresentado na semana passada, o relatório da Polícia Federal a favor do indiciamento dos quatro, bem como da advogada Fernanda Tórtima - que não foi incluída pelo MPF - não foi citado na denúncia do Ministério Público.
Enquanto o MPF aponta como crime a promessa de pagamento de R$ 700 mil antes da contratação de fato pelo escritório Trench Rossi e Watanabe, o delegado Cleyber Malta Lopes apontou que o crime de corrupção passiva teria sido cometido por Marcello Miller por meio de recebimento de pagamentos efetivados do escritório Trench, Rossi e Watanabe no valor total de R$ 1,8 milhão por quatro meses de serviço para o escritório, já depois da exoneração do MPF. O relatório do delegado cita que os R$ 700 mil da J&F ao Trench Rossi Watanabe, por serviços anteriores a 5 de abril, não foram pagos.
Outra constatação diferente entre MPF e PF é que os procuradores mencionam que Miller poderia ter influenciado na própria produção de provas por parte dos delatores, algo que foi descartado pelo delegado.
"Miller, ainda procurador e membro auxiliar dessa equipe, entabulou com os executivos da J&F, em conjunto com Esther Flesch, a promessa de recebimento de vantagem indevida para que os orientasse, corrigisse e até mesmo produzisse a documentação que seria apresentada", disse o MPF.
No relatório da PF, o delegado Cleyber Lopes afirma que não há provas de interferência ou orientação nas "gravações espontâneas realizadas por Joesley Batista e Ricardo Saud, antes da autorização judicial para execução de ações controladas". De acordo com o delegado, "Marcello Miller não interferiu na produção das provas descritas nas planilhas de pagamentos apresentadas pelos colaboradores, elaboradas a partir dos dados sistematizados pelo colaborador Demilton Antônio".
Defesas
A defesa de Marcello Miller afirma que a denúncia não consegue especificar que vantagem financeira teria sido oferecida ao ex-procurador da República e diz que não apresenta também "um único ato de solicitação, aceitação ou recebimento de vantagem indevida por Miller". "Miller nunca determinou a emissão de nenhuma fatura e não foi sequer informado da emissão de fatura de 700 mil reais à empresa J&F", diz a defesa.
"A denúncia tenta qualificar como relativos à função pública atos que qualquer advogado com alguma experiência poderia praticar. E desconsidera a prova dos autos, que aponta em uma única direção: Miller não utilizou a função pública, da qual já estava em notório desligamento, para nenhuma finalidade privada", enfatiza a defesa de Miller.
Em nota, a defesa de Joesley Batista afirma "que o empresário jamais contratou, pagou, ofereceu ou autorizou que fosse oferecida qualquer vantagem indevida a Marcello Miller, outrora sócio do escritório Trench Rossi e Watanabe".
Já a defesa de Francisco de Assis insiste que ele "jamais discutiu honorários ou pagamentos com ou para Marcelo Miller, tampouco procurou obter qualquer vantagem ou benefício indevido no Ministério Público Federal por meio de Marcello Miller ou por qualquer outra pessoa, exatamente como consta do relatório da Polícia Federal".
À reportagem, a defesa de Esther Flesch informou que recebeu "com profunda indignação" o oferecimento da denúncia. "Fica claro que Esther funcionou como inocente útil que precisou ser denunciada para que desse certo o projeto acusatório contra Marcello Miller", diz o criminalista Fabio Tofisc Simantob.
Em nota, o escritório Trench Rossi e Watanabe afirmou que "colaborou ativamente com as investigações desde o início e entregou à Procuradoria-Geral da República documentos produzidos em sua apuração interna". Também informou que os advogados envolvidos no caso não integram mais a banca.