Documentos confidenciais do Reino Unido revelam que a ditadura brasileira atuou para abafar uma investigação de corrupção na compra de fragatas (navios de escolta) construídas pelos britânicos nos anos 1970, segundo o jornal Folha de São Paulo. Os fatos narrados nos papéis ocorreram durante os governos dos generais Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) e Ernesto Geisel (1974-1979).
O jornal obteve os dados por meio de João Roberto Martins Filho, responsável pela descoberta dos documentos. Ele é professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e desenvolveu pesquisa nos arquivos da diplomacia britânica sobre a ditadura brasileira, durante período de estudo no King's College de Londres.
Conforme Martins Filho, em 1978 o Reino Unido estava disposto a investigar denúncia de superfaturamento na compra de equipamentos para a construção dos navios vendidos ao Brasil e se ofereceu para pagar indenização de pelo menos 500 mil libras ao Brasil (o equivalente a quase 3 milhões de libras hoje — ou R$ 15 milhões).
"Os brasileiros claramente desejaram manter o assunto de forma discreta", diz um dos documentos. "É evidente que eles não gostariam que mandássemos um time de investigadores e não iriam colaborar com um, se ele fosse. O embaixador concluiu que o risco de sérias dificuldades com as autoridades brasileiras, o que poderia ser levantado por uma investigação, não deve ser assumido", diz outro trecho dos despachos diplomáticos a que a Folha teve acesso.
Martins Filho estranha que, ante uma investigação detalhada ao Brasil, o governo brasileiro resolveu não apenas impedir a vinda de autoridades britânicas, como não quis o dinheiro que tinha para receber.
Segundo a investigação realizada em Londres nos anos 1970, o estaleiro britânico contratado para construir os navios pedia desconto aos fornecedores, que entregavam os equipamentos para a construção das fragatas, mas as notas fiscais saíam com o preço sem o desconto. "O equipamento era fornecido, mas não por aquele preço", afirma o professor.
O caso dos navios está registrado em uma pasta de documentos diplomáticos intitulada "Alleged fraud and corruption by Vosper Thornycraft (UK) with government of Brazil", que contém contém 139 páginas de registros históricos sobre o caso. A pasta foi fechada em 1978, e inclui documentos a partir de 1977.
A denúncia revelada por Martins envolve acordo firmado entre Brasil e Reino Unido em 1970 para a compra de seis fragatas, das quais quatro seriam construídas nos estaleiros da firma Vosper, no Sul da Inglaterra, e duas no Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ). O primeiro desses navios, a fragata Niterói, foi lançada ao mar em 8 de fevereiro de 1974 e incorporada em 20 de novembro de 1976. Ela foi seguida pelas fragatas Defensora, Constituição e Liberal. No Brasil, seriam construídas as fragatas Independência e a União. Cada uma dessas fragatas tinha pouco mais de 129 metros de comprimento e capacidade para uma tripulação de 209 pessoas, com raio de ação de até 4.200 milhas náuticas. Elas continuam em uso pela Marinha brasileira.
A Marinha ainda não se pronunciou sobre a revelação dos documentos.