Coordenador do estudo Supremo em Números, que acompanha a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), o professor de Direito da FGV-Rio Ivar Hartmann avalia que a restrição do foro privilegiado não traria sobrecarga às instâncias inferiores da Justiça. O pesquisador destaca ainda o valor simbólico da possível mudança, que volta à pauta do STF nesta quarta-feira.
Oito dos 11 ministros já votaram no julgamento que pode restringir o foro privilegiado de deputados federais e senadores. Todos defendem que parlamentares respondam perante a Corte apenas por crimes cometidos durante o mandato e em decorrência dele. Demais casos ficariam nas mãos de instâncias inferiores.
A sessão será retomada com o voto do ministro Dias Toffoli, que pediu vista do processo – mais tempo para análise – em novembro. Em seguida, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski deverão se posicionar.
Confira abaixo a entrevista com o pesquisador da FGV-Rio.
A revisão do foro privilegiado pode aumentar a velocidade dos julgamentos no STF ?
Não temos como saber o perfil das ações que irão sobrar. Uma possibilidade é o STF ficar com casos envolvendo menor número de réus e, com isso, ter trâmites mais rápidos. Outra possibilidade é de que, depois de separados os casos, o Supremo fique com os mais complexos. Isso faria com que, na média, os processos demorassem um pouco mais para tramitar. São conjecturas, ainda não há como saber.
Qual seria o impacto nas instâncias inferiores?
Estamos falando de um número pequeno de processos se comparado com o total de casos que correm na 1ª instância no Brasil. Além disso, são casos que seriam recebidos por juízes que atuam exclusivamente em questões criminais, o que não é o caso do STF.
Quais benefícios a restrição do foro traria ao país?
Impacto direto e imediato seria a mudança da percepção de que o Brasil é um país desigual, elitista, onde a lei serve para algumas pessoas e para outras há tratamento especial. Só esse impacto já seria suficiente. Haveria ganho de qualidade à política brasileira. Isso sem entrar na questão de eficiência, tempo de tramitação, nada disso, só considerando o valor simbólico.
PRIVILÉGIO EM NÚMEROS
QUASE 55 mil
cargos públicos no país com direito a foro especial
38.431
pela Constituição Federal
16.559
pelas constituições estaduais
Há Estados que garantem o direito a todos os vereadores, o que faz o número disparar. Juntos, Bahia, Rio de Janeiro e Piauí têm 10.847 cargos com essa prerrogativa, mais do que o dobro da soma de todos os outros Estados. No Rio Grande do Sul, são 513 cargos.
QUEM TEM FORO ONDE
Perante o STF
- Presidente e vice da República, procurador-geral da República, senadores, deputados federais e ministros de Estado
- Comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica
- Ministros do STF, membros de tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e chefes de missões diplomática permanentes
Perante o STJ
- Governadores
- Membros dos Tribunais de Justiça estaduais, dos Tribunais de Contas Estaduais e Municipais e dos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho e, em alguns casos, integrantes do Ministério Público Federal.
Perante os Tribunais de Justiça Estaduais
- Vice-governador e secretários de Estado
- Deputados estaduais e prefeitos
- Juízes estaduais, membros do Ministério Público Estadual e o procurador-geral do Estado
ORIGEM DO DEBATE
- O processo que levou à discussão sobre a restrição do foro privilegiado envolve o atual prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinho Mendes (PMDB), suspeito de compra de votos em 2008.
- A denúncia foi aceita em 2013. À época, com mandato de prefeito, ele estava sendo julgado no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ). Após deixar o Executivo municipal, o caso foi encaminhado à 1ª instância da Justiça Eleitoral. Em 2015, ele assumiu vaga na Câmara como suplente do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Com isso, os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal Federal (STF).
- Eleito novamente prefeito de Cabo Frio em 2016, Marquinho renunciou à cadeira na Câmara para assumir o município no momento em que a ação penal já estava liberada para ser julgada pela 1ª Turma do STF.
- Diante das mudanças de foro e do risco de prescrição da pena, o relator decidiu remeter questão de ordem ao plenário do Supremo.
DISCUSSÃO NO LEGISLATIVO
-O Congresso discute proposta de emenda à Constituição (PEC) para manter o foro especial apenas para os presidentes da República (e vice), da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF). Aprovada em dois turnos no Senado, a PEC chegou em junho de 2017 à Câmara e aguarda criação de comissão especial sobre o assunto.
-Além de enfrentar resistência de grupos políticos em acabar com o foro privilegiado, a tramitação da matéria está travada por questão regimental do momento. Nenhuma PEC poderá ser votada até dezembro, período de validade da intervenção federal no Rio de Janeiro, que impede mudanças na Constituição.