Os coordenadores da Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF) aproveitaram a divulgação do balanço de quatro anos da operação para fazer uma defesa enfática das prisões após condenação em segunda instância. Reunidos em Porto Alegre, procuradores da República disseram que uma eventual mudança no entendimento firmado em 2016 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) praticamente sepultaria a punição de criminosos.
— A maior ameaça hoje à Lava-Jato é a discussão da prisão em segunda instância. Isso não afeta apenas a corrupção, mas também os homicídios, os roubos. Se a prisão passar para terceira ou quarta instância, a resposta que a sociedade tanto espera será enviada às calendas gregas — alertou o procurador Deltan Dallagnol.
A pressão sobre o STF para uma revisão da jurisprudência em torno da execução provisória de pena aumentou após a manutenção da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). O petista já teve três habeas corpus preventivos negados pela cúpula do Judiciário e pode ser preso tão logo a Corte com sede em Porto Alegre encerre a tramitação do processo, em julgamento que deve ocorrer no dia 26 deste mês.
A defesa intransigente da possibilidade de prisão após julgamento em segundo grau, no qual se encerram os debates em torno de autoria e materialidade do crime (nas instâncias superiores, a discussão versa sobre questões jurídicas e constitucionais) ocorreu ao final de dois dias de reuniões na sede da Procuradoria Regional da República da 4ª Região (PPR4).
Cerca de 20 procuradores conversaram sobre delação premiada, leniência e improbidade e traçaram estratégias de atuação. O conteúdo dos encontros e os rumos da operação permaneceram em sigilo.
Na entrevista coletiva, eles se limitaram a dizer que está sendo criado um grupo de trabalho para tocar as investigações em São Paulo e adiantaram que novas operações ocorrerão no Rio de Janeiro até o final do ano. Em meio à citação dos números superlativos da Lava-Jato (123 condenados a 1.861 anos de cadeia somente na 13ª Vara Federal de Curitiba), o discurso mais eloquente e sempre em uníssono versou sobre a necessidade de manutenção da execução provisória das penas.
— Tem muito trabalho a ser feito. Não podemos retroceder. O momento no Brasil hoje não nos permite qualquer retrocesso. A prisão em segunda instância já é um precedente firmado pelo STF. Cabe, sim, prisão em qualquer caso, para qualquer situação, em qualquer tipo de crime — disse a procuradora Maria Emília Dick, coordenadora da Lava-Jato na 4ª Região.
Salientando a importância de instituições fortes e instrumentos adequados no combate à corrupção, Dallagnol afirmou que a "Lava-Jato tira água de pedra" em um país no qual a "regra é a impunidade de quem pratica crime do colarinho branco".
Um dos mais questionados durante a entrevista, o coordenador da força-tarefa no Paraná disse que a operação fez um diagnóstico da corrupção sistêmica e gigantesca no Brasil e pediu mudanças na legislação.
— Mas só o diagnóstico não basta — resumiu.
Os procuradores manifestaram a esperança de que a troca no comando da Polícia Federal resulte em aumento no efetivo dedicado às investigações, defenderam as conduções coercitivas e a eficácia dos 187 acordos de delação premiada, mesmo que a maior parte dos 160 condenados já não esteja mais atrás das grades.
Ao final, Dallagnol disse considerar natural as reações à Lava-Jato nos três poderes da República, pois a operação "revelou que parte da elite econômica e grande parte da elite política se aliaram para espoliar brasileiros".
— É natural que essa reação exista e que venha de diferentes poderes. Vamos tratar disso dentro dos canais adequados da investigação. Agora, para que uma investigação contra pessoas tão poderosas possa avançar, é preciso apoio constante da sociedade brasileira — finalizou.
Raio X da Lava-Jato
No MPF
- - 160 pessoas condenadas em primeira instância
- - 77 pessoas com condenação em segunda instância
- - 187 acordos de colaboração (84% firmados com investigados em liberdade)
- - R$ 1,9 bilhão já devolvidos aos cofres públicos num universo de R$ 12 bilhões prometidos por colaboradores e empresas que firmaram acordos com o MPF
- - R$ 149,5 milhões repatriados do Exterior, num universo de R$ 1,3 bilhão que ainda serão trazidos ao Brasil
- - 395 pedidos de cooperação internacional com 50 países
No Paraná
- - 72 denúncias
- - 289 pessoas denunciadas
- - 123 réus condenados
- - 1.861 anos e 20 dias de penas somadas
No TRF4
- - 24 apelações julgadas
- - 77 pessoas condenadas
- - 33 penas aumentadas
- - 22 penas mantidas
- - 18 penas diminuídas
- - 6 reversão de sentença para condenação
- - 6 reversão de sentença para absolvição
- - 1 extinção de punibilidade
- - 939 anos e cinco meses de prisão
No STJ
- - 12 governadores investigados no exercício do mandato
- - 3 destes governadores já denunciados
No STF
- - 36 denúncias
- - 101 pessoas denunciadas
- - 193 inquéritos, dos quais 124 ativos