O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse ao jornal O Estado de S. Paulo que o pagamento de auxílio-moradia e outros penduricalhos a magistrados compromete "terrivelmente a imagem do Judiciário".
— Temos de encontrar algum denominador comum quanto ao devido salário dos magistrados. É preciso que seja bem definido. O Supremo, que deveria ser o teto (salarial), se tornou o piso — afirmou.
Prestes a deixar a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar disse que o país vive "clima fascistoide".
Como o senhor vê o fato de juízes como Sergio Moro e Marcelo Bretas receberem auxílio-moradia?
O auxílio-moradia é apenas a ponta do iceberg. Temos outros penduricalhos, como auxílio-creche, auxílio-livro. Os Estados que estão passando por crises pagam essas vantagens para juízes e promotores. Temos de encontrar um denominador comum quanto ao devido salário dos magistrados. É inegável que precisa ser uma carreira bem paga, mas é preciso que seja bem definido. Mas que se encerre com esse quadro que compromete terrivelmente a imagem do Judiciário.
Há excessos?
Em Estados que estão com caos financeiro, os benefícios do Judiciário, do Ministério Público, são às vezes garantidos por medidas excepcionais. Recentemente, tivemos o caso do Rio Grande do Norte, em que o ministro João Otávio de Noronha (STJ) mandou devolver um pagamento de auxílio-moradia. Um Estado que enfrentou uma greve policial por falta de pagamento. Como explicar para a população? O Supremo, que deveria ser o teto, na verdade se tornou o piso.
O STF deve votar em março as liminares dadas pelo ministro Luiz Fux, que garantiu há mais de três anos o pagamento do auxílio-moradia a juízes. Demorou?
Talvez não fosse sequer assunto para liminar. E, se houve decisão em liminar, deveria ter sido submetida rapidamente ao plenário. Custa de R$ 1 bilhão a R$ 1,6 bilhão por ano, o que é extremamente grave.
Quais desafios que se impõem para seus sucessores na presidência do TSE?
Fake news é um desafio mundial. No financiamento, demos um salto no escuro com a supressão do financiamento corporativo — os dados de 2016 quanto às eleições realizadas são preocupantes. Tivemos 730 mil doadores mais ou menos e 300 mil com problemas de capacidade financeira. O fundo eleitoral é bilionário, mas insuficiente.
Há incertezas quanto a uma eventual candidatura do ex-presidente Lula.
São muitas incertezas neste momento, mas esse tema tem de ser tratado na jurisdição criminal. Na esfera eleitoral, não há dúvida de que candidato condenado em segundo grau naqueles crimes estabelecidos não tem elegibilidade.
O senhor foi alvo de hostilidades após decisões consideradas controversas. Como reage?
Obviamente, a gente não comemora esse tipo de fato. Fora xingamentos ou coisa do tipo, o protesto tem de ser visto como um processo normal da democracia. Assim como às vezes sou criticado, também sou aplaudido. A rigor, a gente tem de conviver com isso. Tenho a impressão, todavia, de que a mídia cumpriu um papel muito negativo, desinformando, personalizando o processo decisório. Estamos vivendo um clima fascistoide.
Não seria o caso de considerar a opinião pública?
Se devêssemos decidir segundo os sentimentos das ruas, seríamos um tribunal bastante errático, porque os sentimentos das ruas mudam de uma hora pra outra. Não podemos fazer populismo judicial.