Sancionada pelo presidente Michel Temer em troca de apoio à reforma da Previdência, a norma que libera R$ 1,91 bilhão para Estados e municípios como compensação pelas perdas da Lei Kandir pouco ajudará o Rio Grande do Sul. Na prática, a fatia prevista para o Palácio Piratini representa menos de 10% da folha de dezembro dos servidores do Executivo, cujo pagamento ainda está indefinido.
A Lei Kandir foi criada em 1996 e, desde então, os governos estaduais são impedidos de cobrar imposto sobre determinados tipos de exportação. Por aqui, as perdas acumuladas são estimadas em R$ 50 bilhões pela Secretaria da Fazenda.
Conforme o texto publicado no Diário Oficial da União da última sexta-feira, o Piratini receberá 9,69% da reposição oferecida pelo governo federal em 2017, atrás de Mato Grosso (26,17%) e Minas Gerais (13,39%). Como 25% do valor precisa ser repassado às prefeituras (R$ 46,3 milhões), os cofres do Estado ficarão com R$ 138,9 milhões.
A título de comparação, a folha bruta do Executivo custa R$ 1,4 bilhão por mês. Até ontem, sem considerar essa despesa, faltavam mais de R$ 750 milhões para fechar as principais contas de dezembro. A situação se agravou, de acordo com o governo, porque alternativas que vinham sendo projetadas não se concretizaram, entre as quais a venda de ações do Banrisul.
– Este mês está pior do que os outros períodos, mas ainda estamos aguardando o ingresso de recursos do IPVA – afirma o secretário-adjunto da Fazenda, Luiz Antonio Bins.
A verba liberada por Temer, segundo Bins, já era esperada e está contabilizada no fluxo de caixa. O economista explica que, anualmente, desde meados dos anos 2000, a União vem creditando valor semelhante para Estados e municípios sob a forma de Auxílio Financeiro de Fomento às Exportações (FEX), para amenizar os prejuízos com a Lei Kandir. Em 2016, a soma chegou a R$ 1,94 bilhão.
– O risco era o dinheiro não chegar. É pouco, mas ajuda – ressalta Bins.
Os recursos devem ser depositados até o fim do mês pela União, conforme prevê a lei. Para 2018, a esperança de Estados exportadores como o Rio Grande do Sul é obter regras de compensação mais benéficas – e, na melhor das hipóteses, reaver pelo menos parte da receita perdida.
Em novembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou a regulamentação dos repasses, que se arrasta desde 2003. O Congresso ganhou 12 meses para atender a determinação, mas surgiram dúvidas sobre o prazo: se começa a contar em novembro de 2016 ou na data da publicação do acórdão, que só ocorreu em agosto deste ano. Por enquanto, o tema segue em discussão, sem perspectiva de definição.
Histórico da polêmica
1996 - Em 13 de setembro foi sancionada a lei complementar nº87, que passou a ser conhecida como Lei Kandir.
O que é: criada no governo de Fernando Henrique Cardoso pelo então ministro do Planejamento, Antonio Kandir, a lei passou a isentar do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) determinados tipos de exportações (produtos primários e semielaborados, ou seja, não industrializados).
A polêmica: apesar de incentivar as exportações, a lei é alvo de críticas de governadores de Estados exportadores (como o RS) devido às perdas de arrecadação. Na versão original do texto, a União se comprometeu a compensar prejuízos até 2002.
2003 - Foi definido no artigo 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que a União deveria compensar os Estados com montante a ser definido em lei complementar. Só que o detalhamento nunca chegou a ocorrer, obrigando os governadores a negociarem repasses ano a ano com o governo federal.
2005 - Sob o argumento de que as compensações ficavam abaixo do esperado, os Estados do Rio Grande do Sul, do Paraná, de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul entraram com ação na Justiça exigindo ressarcimento integral, sem resultado concreto.
2013 - O Estado do Pará entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, com apoio do Rio Grande do Sul.
2016 - A ação foi julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 30 de novembro, com prazo de 12 meses para o Congresso editar lei complementar regulamentando os repasses para os Estados. Foi decidido que, se isso não ocorrer, caberá ao Tribunal de Contas da União fixar as regras.
Como está hoje
- Michel Temer sancionou lei liberando R$ 1,9 bilhão pelas perdas de 2017, a exemplo do que já vinha ocorrendo em anos anteriores.
- Há duas propostas tramitando hoje no Congresso. Uma comissão especial da Câmara aprovou o texto do relator, deputado José Priante (PMDB-PA), com ressarcimento de R$ 39 bilhões por ano, a partir de 2019 aos Estados. A proposta precisa passar pelo plenário. Em comissão mista, o relatório do senador Wellington Fagundes (PR-MT) prevê a distribuição anual de R$ 9 bilhões entre os Estados exportadores. Os trabalhos da comissão foram prorrogados por 120 dias em novembro.
O que o RS pode ganhar
Embora seja muito difícil o ressarcimento integral das perdas registradas nos últimos 20 anos, a decisão do STF representa uma oportunidade de se estabelecer regras de compensação mais benéficas. Hoje, o RS recebe da União cerca de 10% das isenções do ICMS sobre as vendas ao Exterior. Nos primeiros quatro anos da Lei Kandir, a compensação ficava acima de 50%.
As perdas do RS
Em 20 anos, segundo dados da Secretaria Estadual da Fazenda, o RS perdeu R$ 50 bilhões em termos reais com a Lei Kandir.
Perdas brutas: R$ 65,5 bilhões
Compensações totais: R$ 15,47 bilhões
Perdas líquidas: R$ 50 bilhões
Para comparar
Dívida com a União: R$ 55,7 bilhões
Perdas totais dos Estados: R$ 548 bilhões