Com o Estado atolado em uma crise que se aprofunda há décadas, volta e meia os gaúchos se agarram a uma miragem para adiar a tomada de decisões antipáticas, necessárias ao ajuste das contas. Por muitos anos, a esperança se concentrou no ressarcimento por obras realizadas em estradas federais no governo de Pedro Simon. A ilusão da vez atende pelo nome de compensação pelas perdas da Lei Kandir. Compensação bilionária, que está para o setor público como a Mega-Sena para os assalariados que jogam regularmente sonhando em ficar milionários.
Para quem não está associando o nome à pessoa, a Lei Kandir é a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. De autoria do então deputado Antônio Kandir (PSDB-SP), a dita lei contém nove itens isentos de ICMS, entre os quais as exportações de produtos primários e semielaborados. É a principal responsável pelas renúncias fiscais de Estados exportadores, como o Rio Grande do Sul. A Lei Kandir é extensa, complexa e repleta de detalhes incompreensíveis para os leigos, mas previa uma compensação parcial aos Estados e municípios pela perda de arrecadação.
Ao longos dos últimos 20 anos, a União fez repasses aos Estados e municípios, mas em valores inferiores às perdas estimadas. No caso do Rio Grande do Sul, os cálculos da Secretaria da Fazenda são de que o Estado acumulou perda líquida de R$ 27 bilhões nesse período. Corrigido pela inflação, esse valor sobe a R$ 45,5 bilhões.
O renascimento da ilusão de que esse dinheiro é a salvação da lavoura para o Estado tem por base uma premissa falsa: a de que o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa a uma ação do governo de Minas Gerais. O deputado Luis Augusto Lara (PTB) disseminou essa ideia a partir de uma entrevista do governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), que considera como líquido e certo o recebimento do valor que pleiteia no Supremo. Não é assim.
O que os ministros do STF decidiram no final de 2016 foi que o Congresso tem 12 meses para regulamentar as compensações pelas perdas da Lei Kandir. Em nenhum lugar está dito que esse ressarcimento será integral.
Minas Gerais não é o único Estado a pedir compensação financeira no STF. Em 2005, no governo de Germano Rigotto, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul ajuizaram no STF uma ação cível contra a União, buscando o ressarcimento das perdas decorrentes das isenções de ICMS sobre exportações.
Em 2013, o Pará ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, com a participação de outros 15 Estados, entre eles RS e MG, pleiteando o reconhecimento de omissão do Congresso na elaboração de norma prevendo o ressarcimento. Foi essa ação que os ministros julgaram em 2016. Se até novembro deste ano o Congresso não aprovar a lei regulamentando as compensações, caberá ao Tribunal de Contas da União (TCU) fixar regras de repasse e calcular as cotas de cada um dos Estados e do Distrito Federal.