
O número 307 martela na cabeça de quem se preocupa com o elevado número de feminicídios. Reportagem da jornalista Adriana Irion mostrou que 307 mulheres foram à delegacia especializada prestar queixa contra agressores e desistiram de finalizar o boletim de ocorrência, aparentemente pela demora no atendimento. Martela também o número oito. Uma mulher precisou esperar oito horas para registrar queixa.
Mas martela com ainda mais força uma pergunta: onde andarão essas mulheres que tiveram coragem de ir até a delegacia e não formalizaram a queixa?
Será que seguem vivendo com os agressores ou convivendo com o medo de ex-companheiros violentos? Será que voltaram outro dia? Será que perderam a confiança no sistema de proteção?
O chefe de Polícia, Fernando Sodré, acha que esse número não é qualificado, porque não se sabe o motivo exato da desistência. Como mostra a reportagem de outro integrante do GDI, o jornalista Carlos Rollsing, nesta sexta-feira (2), depois de dar entrevista à rádio Gaúcha, prometendo reforçar as equipes, Sodré fez uma cobrança incisiva aos subordinados pelo vazamento da informação para a imprensa.
— Esse dado (307 desistências) não está qualificado. Por que foram embora? Desistiram? Foram fazer outra coisa? Se acalmaram e acharam melhor não registrar? Não dá para largar esse dado na imprensa — estrilou Sodré, conforme o relato de Rollsing.
É possível que algumas dessas mulheres tenham precisado sair da fila para cuidar dos filhos, trabalhar, atender pais idosos. Ninguém sabe. Sugerir que "se acalmaram e acharam melhor não registrar" é uma hipótese carregada de preconceito, como se a mulher que sai de casa para registrar uma queixa de agressão estivesse apenas nervosa.
O reforço das equipes, prometido por Sodré, acompanhado da queixa online, criada a partir do fim de semana sangrento do feriadão de Páscoa, que registrou 10 feminicídios no Rio Grande do Sul, são importantes, mas precisam de outras medidas. E aqui é preciso lembrar o que dizem as delegadas e policiais que recebem as queixas: faltam abrigos seguros para colocar essas mulheres enquanto aguardam o deferimento da medida protetiva ou a prisão do agressor.
Depois daquele fim de semana de terror, o governador Eduardo Leite reuniu os secretários que têm algum tipo de responsabilidade por essa área e cobrou medidas. Falou-se em comprar vaga nos poucos abrigos existentes para alojar mulheres de outras cidades, mas não avançou a ideia de destinar para esse fim uma casa usada durante a enchente e que está pronta para servir de abrigo. Falta quem gerencie (na enchente, foi administrada por uma ONG).
Por que não se faz alguma coisa emergencial, como fez a cidade de Bento Gonçalves? Os prefeitos prometeram, segundo o chefe de polícia, fazer consórcios regionais para resolver o problema da falta de abrigos. Ótima ideia, desde que saia do papel.
O combate à violência contra a mulher exige um pacto entre as diversas esferas de governo. Precisa envolver o Ministério Público e o Poder Judiciário. E criar as condições para que o registro de queixa e o pedido de medida protetiva não sejam apenas um conselho ao vento, dado quando uma mulher é assassinada pelo marido, ex-marido ou ex-namorado ou quando um psicopata mata o filho para se vingar da ex.
ALIÁS
Uma das alternativas apresentadas pelo governo para reforçar os plantões de atendimento a mulheres vítimas da violência é chamar policiais aposentados. O problema é que o cachê de pouco mais de R$ 2 mil, congelado desde 2017, não atrai interessados.