Ao decidir que o Congresso pode rever medidas cautelares impostas a parlamentares, o Supremo Tribunal Federal (STF) cedeu ao temor de ampliar a crise institucional instaurada entre os poderes. O posicionamento da maioria dos ministros foi avaliado como tentativa de apaziguar o conflito estabelecido com o Senado após o afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG). O custo, no final, se mostrou ainda pior: o questionamento da credibilidade da própria Corte.
O resultado traduziu acordo que a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, discutiu com o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), nas últimas semanas. Na prática, buscou-se solução caseira para o impasse envolvendo as medidas impostas ao tucano pela 1ª Turma, no final de setembro.
Na semana passada, o Senado chegou a desafiar o STF ao marcar votação que poderia derrubar as cautelares contra Aécio, mas Cármen Lúcia ressuscitou processo para pacificar o tema – uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) pedindo que medidas dessa natureza aplicadas a senadores e deputados fossem submetidas ao Congresso.
Para especialistas, caso específico prevaleceu sobre quadro geral
Para o ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, o episódio representou “remendo na Constituição”:
– Foi uma saída para evitar aprofundamento da crise com o Senado devido ao caso concreto de Aécio. Decidiu-se abstratamente sobre o tema, mas com os olhos voltados para o tucano. Julgou-se de forma escancarada o seu afastamento, não o princípio constitucional. Esse entendimento resolve temporariamente uma crise, mas mantém o conflito entre poderes. O Supremo conciliou, mas perdeu sua autoridade.
– Visivelmente, a decisão foi ditada pelo momento e pelos interessados. Como pensar o contrário diante do número de parlamentares envolvidos em questões criminais e que serão afetados pelo novo entendimento? Foi um perigosíssimo retrocesso.
Silvana Batini
Procuradora regional da República e professora na Fundação Getulio Vargas (FGV)
Selado o aval para reversão de sanções a parlamentares, o Senado deve levar o caso de Aécio a plenário na próxima terça-feira. Ante às manifestações públicas de acordo entre aliados e opositores em torno da salvação do tucano, o cancelamento das medidas impostas pela 1ª Turma do STF é dado como certo. Com isso, a negociação entre os poderes revela-se ainda mais clara, analisa o cientista político David Fleischer.
– Nessa tentativa de apaziguar os ânimos, o STF acabou revertendo suas próprias decisões anteriores – diz Fleischer, citando o afastamento do então deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), determinado pelos ministros em maio do ano passado, que deu origem a ação proposta por PP, PSC e Solidariedade, julgada na quarta-feira.
Com placar empatado, coube a Cármen Lúcia o voto decisivo. A ministra aceitou a imposição de cautelares contra deputados e senadores, mas definiu que, em caso de afastamento, a decisão deveria ser submetida ao Congresso. A posição levou os colegas a debaterem se o parlamento deveria validar qualquer sanção de natureza temporária.
A palavra certa é irenismo (atitude conciliadora). Ontem (quarta-feira), a Corte deu mais um passo para cair no caldeirão da crise. Deixou de ser poder neutro, tomando decisão política para preservar o mandato de Aécio.
Roberto Romano
Professor de Ética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Ao fim, coube ao decano da Corte, ministro Celso de Mello, formular o acórdão, esclarecendo que o Supremo deverá enviar todas as medidas cautelares contra parlamentares para a análise do Legislativo.
Professor de Ética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano classificou a manifestação da presidente da Corte como uma “colcha de retalhos”.
– Não vi coerência lógica, política e jurídica no voto, mas um ato de esperteza com resultado desastroso. A palavra certa é irenismo (atitude conciliadora). Ontem (quarta-feira), a Corte deu mais um passo para cair no caldeirão da crise. Deixou de ser poder neutro, tomando decisão política para preservar o mandato de Aécio – diz Romano.
Procuradora regional da República e professora na Fundação Getulio Vargas (FGV), Silvana Batini reforça a análise:
– Visivelmente, a decisão foi ditada pelo momento e pelos interessados. Como pensar o contrário diante do número de parlamentares envolvidos em questões criminais e que serão afetados pelo novo entendimento? Foi um perigosíssimo retrocesso. O Judiciário tem a última palavra sobre a interpretação da lei, e a maneira como o Supremo decidiu descaracteriza esse papel.
O procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba, usou sua no Facebook para ironizar a decisão da Corte: "Não surpreende que anos depois da Lava-Jato os parlamentares continuem praticando crimes: estão sob suprema proteção", escreveu.
O caso Aécio
- Em junho, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) por corrupção passiva, pelo suposto recebimento de R$ 2 milhões em propina da JBS, e por obstrução da Justiça, por tentar impedir a Lava-Jato. Ele foi gravado pelo dono da empresa, Joesley Batista, pedindo os valores.
- A relatoria no Supremo ficou com Marco Aurélio Mello, que ainda não decidiu se aceita a denúncia. Após 45 dias afastado do mandato, Aécio foi autorizado a voltar, em 30 de junho.
- No último dia 26, a 1ª Turma do STF negou pedido de prisão de Aécio, feito pela PGR, mas decidiu afastar novamente o senador do mandato. Os magistrados determinaram ainda que ele não pode sair de casa à noite.
- A decisão gerou conflito. A maioria no Senado, por avaliar que o afastamento não tem previsão na Constituição e que o recolhimento noturno equivale à detenção – embora o artigo 319 do Código de Processo Penal defina a medida como “diversa da prisão” –, decidiu votar no plenário.
- A votação chegou a ser agendada, mas os senadores recuaram para esperar o julgamento ocorrido na quarta-feira no STF, e marcaram para o dia 17 nova sessão sobre o caso.
- Na Corte, por seis votos a cinco, com placar desempatado pela presidente do tribunal, Cármen Lúcia, ficou determinado que todas as medidas cautelares impostas a parlamentares devem ser validadas pelo Congresso. A expectativa é de que na terça-feira a maioria dos senadores vote por revogar as sanções aplicadas a Aécio.