Pela terceira vez desde o início da gestão, o governador José Ivo Sartori recorre à Assembleia para tentar limitar os gastos do Estado com servidores cedidos a sindicatos – e, na prática, reduzir o volume de licenças. Segundo dados da Secretaria da Fazenda, o Executivo tem ao menos 110 profissionais em atividade nessas circunstâncias, com remuneração média de R$ 10,3 mil e custo mensal de R$ 1,13 milhão aos cofres públicos.
Com base em números de julho, o levantamento leva em conta dados registrados pelas secretarias e demais órgãos da administração direta no sistema de Recursos Humanos do Estado (RHE).
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O estudo exclui aposentados e não contabiliza encargos sociais. Considerando as ressalvas, o montante equivale a 0,08% da folha e representa R$ 14,7 milhões por ano – cifra pequena ante o rombo previsto para 2017, de R$ 3,4 bilhões.
Integrantes do Piratini reconhecem que reduzir o gasto está longe de resolver a crise nas finanças. Mesmo assim, defendem a medida, alvo de grande resistência entre as entidades de classe, por duas razões: a crença de que a restrição tem eco na sociedade e a convicção de que não cabe ao Estado "bancar sindicalistas".
– A questão é: os contribuintes têm mesmo de pagar por servidores emprestados a sindicatos? Qual é a lógica disso? Já passou da hora de mudar as regras – sustenta o líder do governo na Assembleia, Gabriel Souza (PMDB).
Chefe da Casa Civil, Fábio Branco diz que Sartori respeita as entidades e concorda em ceder funcionários. Mas entende que é preciso "priorizar os 11,3 milhões de gaúchos". Branco argumenta que, em nível federal, o funcionalismo tem direito à licença classista, porém, sem remuneração.
– É uma questão de conceito. O Estado tem de se focar nas atividades-fim – opina o secretário.
Falta de apoio e recuo em alterar Constituição
A primeira tentativa de alterar a lei que regula o tema no Rio Grande do Sul ocorreu no primeiro ano de gestão de Sartori. A intenção era limitar a quatro (e não a 11, como é hoje) o número de funcionários liberados para representar suas categorias. A reação foi tão negativa que o projeto foi arquivado.
No fim de 2016, o governo voltou ao assunto, por meio de proposta de emenda à Constituição (PEC) para acabar com a obrigatoriedade de o Estado arcar com as cedências – a legislação assegura dispensas do tipo, no artigo 27, "sem qualquer prejuízo" funcional ou remuneratório. Para isso, eram necessários dois terços dos votos (33 dos 55 deputados). O Piratini não conseguiu e recuou.
No início deste mês, novo projeto de lei chegou à Assembleia, dessa vez limitando o número de licenças a um servidor por classe. Considerando o levantamento da Fazenda, isso significa que os 110 funcionários dispensados hoje para atividade sindical passariam a ser 16 (um por categoria da administração direta relacionada no estudo).
Agora, o governo está disposto a levar a discussão até o fim e avalia ter chances de vitória, porque precisa de maioria simples a partir de quórum mínimo de 28 presentes.
– Nosso desejo é votar o quanto antes – garante Branco.
Deputados da oposição, como Pedro Ruas (PSOL), reconhecem que Sartori pode vencer a briga, mas preveem longo embate jurídico, caso o resultado se confirme.
– Se esse projeto for aprovado, e esperamos que não seja, é certo que a questão será judicializada, porque vai contra a previsão constitucional. Ao tentar inviabilizar a luta sindical, o governo prova, mais uma vez, que é antidemocrático – afirma Ruas.
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GRÁFICO - Servidores em direções de entidades de classe no RS
PODER EXECUTIVO
Quantos são, onde estão e quanto custam ao Estado os servidores em licença para atuação sindical. Os dados são da Secretaria da Fazenda, consultados no sistema de Recursos Humanos do Estado (RHE), e se referem à folha de julho da administração direta. Só estão na lista os casos informados pelos órgãos do governo, excluídos inativos, sem considerar o custo dos encargos.
- 110 servidores ativos
- R$ 10,26 mil de remuneração, em média
- R$ 1,13 milhão de custo mensal para o Estado
- 0,08% da folha ao mês
- R$ 14,67 milhões de custo anual para o governo
Entidades criticam projeto e preparam manifestações
As entidades que representam servidores públicos entendem que a proposta para limitar o número de representantes de classe dispensados de trabalhar pelo Estado é uma manobra do Piratini para impedir a organização sindical, estabelecida pela Constituição de 1988. Segundo a presidente do Centro dos Professores do Estado (Cpers/Sindicato), Helenir Aguiar Schürer, o governo quer "calar" os sindicatos.
– Sartori segue firme na intenção de impedir a organização sindical. Vamos pressionar deputados para que não fiquem com essa mancha. Por que querem tanto nos calar? – questiona Helenir.
Vice-presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos no Estado (Fessergs), Flávio Berneira afirma que o texto é inconstitucional e lamenta que a proposta esteja tramitando em regime de urgência, o que, conforme ele, "queima etapas e prejudica o debate".
– Esse projeto inviabiliza os sindicatos. Há fantasia em torno dos números. O Estado não terá economia, fora que a quantidade de cedidos não vai resolver a falta de pessoal. Há problemas mais graves – diz Berneira.
Setor privado paga salário, diz dirigente
Para o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos da Administração Tributária do Estado (Sindifisco-RS), Celso Malhani de Souza, a possível alteração "fere de morte o processo democrático". Segundo ele, as entidades não terão condições de arcar com a despesa e, como consequência, a maior parte dos representantes voltará a desempenhar suas funções. Com isso, não haverá economia para os cofres públicos, e os dirigentes terão a atuação sindical prejudicada, porque perderão independência.
– No setor privado, os empresários aceitam fazer o pagamento da remuneração dos representantes das categorias. É uma medida saudável, de grande importância para a democracia. Se a iniciativa privada faz isso, por que o governo não faz? É um grande equívoco – conclui.
Sindicatos e associações que fazem parte do Movimento Unificado de Servidores avaliam estratégias para barrar o projeto. Além do corpo a corpo no Legislativo, não estão descartadas paralisações. Servidores da segurança, por exemplo, farão assembleia geral no dia 15. Há chance de novo aquartelamento, de acordo com Solis Paim, presidente interino da Abamf, associação de nível médio da Brigada Militar.
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FIQUE POR DENTRO
Cronologia da polêmica
- O governo José Ivo Sartori tenta desde que assumiu o Piratini, em 2015, deixar de pagar o salário de servidores que atuam em direções de sindicatos e outras entidades de classe.
- Em dezembro de 2015, Sartori apresentou projeto de lei para limitar o número de cedidos. Sem apoio nem mesmo na base, o texto foi arquivado em fevereiro de 2016.
- Em novembro do ano passado, o governo protocolou proposta de emenda à Constituição (PEC) para eliminar a obrigatoriedade de remunerar esses servidores. Outra vez, não conseguiu apoio, e a PEC nem sequer foi à votação.
- Em 2 de agosto deste ano, o governo protocolou novo projeto para tentar, mais uma vez, restringir a questão. Como está em regime de urgência, o texto passa a trancar a pauta a partir do dia 1º de setembro.
O que diz o novo projeto
- O projeto de lei 148 de 2017 altera a Lei 9.073, de 1990, que trata da dispensa de servidores da administração pública estadual, direta e indireta, para mandatos eletivos em entidades de classe.
- Mantém assegurada a dispensa, desde que para exercer mandatos em entidades que envolvam "exclusivamente servidores e empregados públicos estaduais".
- Garante que eles não terão "prejuízo da sua situação funcional ou remuneratória, exceto promoção por merecimento", mas impõe a seguinte restrição: a dispensa será "limitada a um dirigente por entidade associativa ou sindical".
- Além disso, o benefício "será computado por categoria ou carreira de servidores, e não por entidade". Ou seja, classes com mais de uma representação teriam apenas um integrante liberado.
O que diz a lei de 1990, que pode ser alterada
- Assegura a dispensa dos servidores eleitos para exercer mandatos em entidades de classe "de âmbito estadual ou nacional".
- Garante que eles não terão "prejuízo da sua situação funcional ou remuneratória, exceto promoção por merecimento", e restringe as dispensas a duas possibilidades.
- No caso de entidades associativas, a dispensa é limitada a um dirigente quando a entidade não atingir 200 associados e a dois dirigentes, quando congregar de 200 a 500, acrescida de mais um a cada grupo de 500 associados, até o máximo de nove.
- No caso de entidades sindicais, a dispensa fica restrita aos integrantes da diretoria executiva até o limite de 11, "salvo ampliação mediante a convenção coletiva de trabalho".