Maior líder de massas da história recente do país, ex-presidente da República em dois mandatos, nos quais ostentou índices recordes de aprovação popular, e primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto para um pretenso retorno ao Planalto nas eleições de 2018, Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado nesta quarta-feira (12) a nove anos e meio de cadeia. Ao finalizar as 218 páginas em que considera o petista culpado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o juiz Sergio Moro recorreu a um ditado para justificar o ato de sentenciar um político com a história de Lula: "não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você".
A decisão do titular da 13ª Vara Federal de Curitiba foi proferida às 13h52min56s de uma quarta-feira tumultuada no cenário político do país. No mesmo momento, deputados governistas e da oposição debatiam na Câmara a apresentação de denúncia criminal contra o presidente Michel Temer. Perto dali, numa sala do Senado, a futura procuradora-geral da República, Raquel Dodge, era sabatinada sobre o futuro da Lava-Jato. Deflagrada como uma prosaica investigação contra o tráfico de drogas no início de 2014, três anos e meio depois a operação chega a um patamar inédito na história da República. A condenação de Lula, a primeira de um ex-presidente, é concomitante à primeira vez que um mandatário da nação é denunciado no exercício do cargo.
– A Lava-Jato não vai acabar tão cedo. Muita gente ainda vai ser condenada. Há uma dissolução dos partidos tradicionais. Esse novo momento, contudo, não significa que deixamos o século 20 para trás. O país vai continuar atrasadíssimo – avalia o filósofo e cientista político José Arthur Gianotti.
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Depois de prender dezenas de políticos, dirigentes partidários, ex-ministros e lobistas e operadores do submundo da política, a Lava-Jato alcançou Lula em 4 de março de 2016. Naquela manhã, veículos discretos da Polícia Federal chegaram ao prédio onde ele mora, em São Bernardo do Campo (SP), para cumprir mandados de busca, apreensão e condução coercitiva. Levado a uma sala do aeroporto de Congonhas, o petista foi interrogado por mais de três horas. Os investigadores queriam saber se ele era dono de um triplex no Guarujá e quem havia pago a reforma no apartamento.
Bronca a "táticas de intimidação"
Apesar das reiteradas vezes em que o ex-presidente negou a propriedade do imóvel, Moro considerou que "o argumento da defesa é absolutamente insubsistente". Para o magistrado, a OAS presenteou Lula com o triplex em troca de contratos superfaturados em um "esquema criminal complexo e que envolvia a repartição de vantagem indevida entre agentes da Petrobrás, agentes políticos e partidos".
No processo de maior repercussão até agora na Lava-Jato, tudo foi superlativo, das palavras e ações de defesa e acusação ao aparato policial e popular mobilizado por Lula e autoridades. Quando o petista foi depor a Moro, mais de 3 mil homens foram empregados no esquema de segurança. Ao final das cinco horas em que respondeu as perguntas do juiz, Lula discursou em comício para 3 mil pessoas reunidas no centro de Curitiba. Chamado pelos procuradores de "comandante máximo" da corrupção na Petrobras e de responsável por instaurar uma "propinocracia" no país, Lula reagiu classificando os acusadores de "moleques" e se disse vítima de "perseguição política". Os embates levaram o juiz a criticar o ex-presidente na própria sentença em que o condenou, dizendo que ele age com "táticas de intimidação".
Toda a polêmica teve nesta quarta-feira o fim de seu primeiro ato. Para Moro, Lula recebeu R$ 2,2 milhões em propina: R$ 1,1 milhão na aquisição do triplex e mais R$ 1,1 milhão na reforma e decoração do imóvel. O magistrado salienta que a "culpabilidade é elevada", principalmente porque Lula teria recebido vantagem indevida "em decorrência do cargo de presidente da República, ou seja, de mandatário maior". Além da pena de nove anos e meio de prisão, o petista foi condenado a pagar multa de R$ 669,7 mil.
Apesar da contundência das palavras, o juiz não decretou a prisão de Lula, ato justificado pela "prudência" necessária em uma ação penal envolvendo um ex-presidente (clique aqui para ver mais detalhes da argumentação de Moro).
Notícia recebida com a "serenidade do inocente"
A divulgação da sentença provocou reações país afora. Enquanto o PT e organizações de oposição ao partido, como o Movimento Brasil Livre, convocaram manifestações nas ruas, na internet houve enxurrada de mensagens a favor e contra a condenação.
No Senado, Paulo Rocha (PT-PA) e Ivo Cassol (PP-RO) trocaram impropérios e, por pouco, não se pegaram aos socos no plenário, levando à suspensão da sessão. Batendo na mesa, Rocha se exaltou:
– Estamos sendo condenados por bandidos.
– Toma vergonha rapaz, roubaram o Brasil – reagiu Cassol.
– Estamos sendo condenados por bandidos, como vamos aceitar isso? – insistiu o petista.
– Temos que reagir. Aqui não é questão de coragem, é de posição política – conclamou a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).
O ex-presidente estava no Instituto Lula, em São Paulo, quando recebeu a notícia. De acordo com o vice-presidente do PT, Márcio Macedo, Lula reagiu com "a serenidade do inocente e a indignação de um injustiçado". Nos próximos dias, a executiva nacional do partido vai elaborar cronograma de ações para reagir à sentença. Embora já tivesse admitido aos mais próximos que não esperava ser absolvido por Moro – o ex-presidente confia na absolvição em segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) –, Lula avalia que a decisão reafirma seu discurso de perseguido político e ajuda a arregimentar as forças de esquerda em torno de seu nome para a eleição de 2018. Na visão de Gianotti, tudo vai depender de como os brasileiros vão assimilar a situação:
– Lula é um gênio. Tenho certeza que a reação dele será uma obra-prima política. A questão é saber se o país vai engolir a versão que ele construir. Como vítima, ele consegue reaglutinar seus admiradores, mas como condenado causa ainda mais repulsa em quem se sentiu traído ou jamais gostou dele.