Em ritmo frenético, senadores aprovaram, na quarta-feira, duas medidas que mudam profundamente o ritmo de processos penais envolvendo autoridades políticas e impactam diretamente no andamento da Operação Lava-Jato.
Na primeira votação, avançaram com a lei de abuso de autoridade, e, na sequência, deram um passo para o fim do foro privilegiado.
Na prática, as aprovações quase simultâneas serviram para anular as repercussões negativas que o endurecimento de punições para autoridades que cometem excessos enfrenta.
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Veja os principais pontos do projeto
O projeto do abuso de autoridade tornou-se motivo de embate entre parlamentares e integrantes da força-tarefa da Lava-Jato. Enquanto deputados e senadores sustentam que a lei, publicada em pleno regime militar, necessita de atualização, procuradores e juízes argumentam que a medida tem por objetivo "calar" a operação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF).
Aprovado por 59 votos favoráveis e 19 contrários, o projeto segue para a Câmara. Na Casa, o texto passará por comissões antes de votação em plenário e, depois, vai para sanção ou veto do presidente Michel Temer.
Já a proposta de limitar o privilégio do foro teve apoio maciço dos senadores. Foram 75 a favor e nenhum contrário, em uma espécie de recado ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte decidiu discutir o tema, e o Congresso não quer a interferência de outros poderes na legislação.
Se for promulgado o texto aprovado, a restrição à prerrogativa provocará redução de inquéritos do STF, que seriam enviados para a primeira instância.
No caso da Lava-Jato, por exemplo, somente dois dos 76 inquéritos abertos com base nas delações da Odebrecht seriam mantidos na Corte – os que envolvem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
Para ser levada adiante, a proposta ainda precisar ser votada em segundo turno pelo senadores e, depois, seguir para a análise dos deputados. Porém, especula-se que o projeto deve sofrer alterações na Câmara. Por isso, o seu futuro é incerto.
Restrição do foro privilegiado
Como é
Hoje, 22 mil autoridades detêm do direito a foro, sendo julgadas em instâncias como Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao invés da primeira instância, como ocorre com qualquer cidadão. Presidente da República, deputados, senadores e ministros, por exemplo, só podem ser julgados pelo Supremo, e governadores, pelo STJ.
Como seria
A autoridade seria julgada por crimes comuns como um cidadão qualquer, iniciando o processo na primeira instância. Essa mudança atingiria ministros, senadores, deputados, governadores e prefeitos, entre outros. A exceção seriam os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do STF, que seguiriam sendo julgados pelo Supremo.
O projeto também prevê uma ressalva em relação a crimes de responsabilidade, aqueles que tratam de ilícitos administrativos, como o que levou ao impeachment de Dilma Rousseff. Nestes casos, ministros, comandantes da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, integrantes de tribunais superiores e chefes de missão diplomática em caráter permanente continuariam com prerrogativa de foro.
Uma das consequências está no andamento da Lava-Jato. Se levada adiante, ministros, senadores e deputados acusados no âmbito da operação ficariam sob responsabilidade da 13ª vara federal de Curitiba, do juiz Sergio Moro.
Repercussão
Abarrotado de processos, o STF costuma demorar mais para julgar quem detém do foro privilegiado quando comparado, por exemplo, ao andamento dado pelo juiz Sergio Moro aos casos envolvendo a Lava-Jato. Por isso, a prerrogativa costuma ser associada à impunidade, e o seu fim é visto com bons olhos pela opinião pública. Entre os defensores do fim do foro, estão os ministros do Supremo Edson Fachin e Luis Roberto Barroso e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Fachin já declarou que o privilégio é "incompatível com o princípio republicano".
Próximos passos
Por se tratar de proposta de mudança na Constituição, o texto precisa ser analisado em dois turnos no Senado e ter o apoio de pelo menos três quintos dos parlamentares (49 dos 81). Após a aprovação em primeiro turno na quarta-feira, o projeto ainda precisa passar por outras três sessões de discussão para a apreciação em segundo turno. Se for aprovado no Senado, o projeto seguirá para votação na Câmara, onde deverá seguir os mesmos critérios, ser aprovada em dois turnos e receber o apoio de pelo menos 308 parlamentares.
Abuso de autoridade
Como é
A lei de 1965, publicada durante a ditadura militar, regulamenta o direito de um cidadão de processar uma autoridade em caso de abuso. Porém, é considerada antiga e desatualizada, uma vez que prevê sanções consideradas irrisórias e raramente aplicadas e cita os tipos de excesso de forma genérica.
Como seria
A nova lei define quais atos de agentes públicos podem ser considerados crimes de abuso de autoridade e determina penas mais rígidas. Passaria a ser considerado crime decretar prisão preventiva ou medida de busca e apreensão em divergência com a lei, com previsão de pena de um a quatro anos de prisão; o constrangimento de alguém durante a investigação, com detenção de um a cinco anos e multa. A medida abrange autoridades de todas as esferas públicas, desde um agente de trânsito a um juiz federal.
Repercussão
O debate sobre o projeto ocorre em torno do avanço da Lava-Jato no país. Integrantes da força-tarefa da operação dizem que a lei pode inibir a atuação de investigadores porque prevê a punição em casos de diligências e prisões consideradas abusivas. A contrariedade motivou inclusive uma campanha encabeçada pelo coordenador da Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF), Deltan Dallagnol, nas redes sociais. Já advogados, deputados e senadores têm dito que a lei de abuso em vigor é branda e está defasada, uma vez que soma mais de 50 anos, e precisa ser revista para evitar que ocorram excessos.
Próximos passos
Com a aprovação do Senado, o projeto segue agora para análise da Câmara dos Deputados. Se os deputados alterarem algum ponto, a proposta volta para nova análise do Senado. Mas, se a Câmara mantiver o texto, a medida seguirá para a sanção presidencial.