Em discussão no Congresso há 19 anos, a Lei das Terceirizações aprovada na quarta-feira pela Câmara não deve se tornar o marco legal definitivo sobre o tema. Um dia após a deliberação dos deputados, o Senado anunciou a intenção de colocar em votação um novo projeto sobre o assunto.
A iniciativa dos senadores tem o objetivo de apresentar para sanção do presidente Michel Temer um texto mais equilibrado, nem tão liberal às terceirizações como o aprovado na Câmara, mas tampouco restritivo como as regras atuais. A terceirização da atividade-fim, eixo da mudança votada pelos deputados, tende a ser mantida.
– Esse outro projeto que está tramitando vai servir para complementar o projeto na Câmara – diz o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
Leia mais
Terceirização irrestrita: o que prevê o projeto aprovado na Câmara
Especialistas opinam: segurança jurídica ou precarização do trabalho?
Placar apertado da terceirização alerta Temer para risco nas reformas
O acerto foi feito diretamente entre Eunício e Temer. Pelo acordo, a votação ocorrerá em até duas semanas. Dessa forma, os dois modelos de legislação aprovados no Congresso seriam enviados ao presidente, a quem caberá consolidar uma nova lei pinçando artigos de cada texto.
– É natural que se aprove outro projeto e que o presidente da República faça a seleção daquilo que ele vai sancionar – defende Eunício.
A ideia no Senado é retomar um projeto aprovado em 2015 pela Câmara, considerado "mais encorpado" por parlamentares. Ao contrário da versão avalizada pelos deputados, a matéria assegura ao trabalhador terceirizado as mesmas condições oferecidas ao funcionário da empresa contratante, como plano de saúde, por exemplo.
Também prevê a responsabilidade solidária da contratante sobre eventuais passivos trabalhistas da terceirizada e cria um fundo para garantir o pagamento de direitos trabalhistas que venham a ser sonegados em caso de falência. No texto aprovado na quarta-feira, a responsabilidade da contratante é "subsidiária", ou seja, ela só responde judicialmente após esgotadas as tentativas de cobrança da terceirizada.
– O projeto aprovado em 2015 tem 50 salvaguardas em favor do trabalhador terceirizado. O que foi aprovado agora na Câmara tem apenas três. Eis a razão pela qual votei contra na quarta-feira e, em 2015, votei a favor – justifica o deputado José Fogaça (PMDB-RS).
Relator do projeto em discussão no Senado, Paulo Paim (PT-RS) quer fazer mudanças ainda mais profundas. O petista, que com o apoio do então presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), trancou a tramitação do texto por dois anos, também pretende manter proibida a terceirização da atividade-fim. Mas são escassas as chances dessa hipótese prosperar. Para o Planalto e a base governista, o retorno das restrições é inegociável, pois irá desfigurar o espírito da proposta, além de obrigar nova votação na Câmara, o que alongaria demais as discussões.
Seja qual for a norma definitiva sobre o tema, ainda não há projeção dos impactos que as novas regras terão sobre a economia e o mercado de trabalho.
Dados de 2014 fornecidos pelo Departamento Intersindical Est Estudos Sócio Econômicos (Dieese) apontam a existência de 13 milhões de terceirizados no país, número que deverá crescer com a liberação para a atividade-fim. Presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos cita estudo da entidade mostrando que 41% dos donos de pequenos negócios esperaram aumentar o faturamento com a oferta de de serviços terceirizados.
– A terceirização é fator de geração de emprego, oportunidade para o surgimento de atividades para novos empreendedores. O operário vira empresário – resumiu Afif.
As centrais sindicais contrárias à nova lei, no entanto, denunciam o que seria uma precarização das relações trabalhistas. As entidades citam levantamento do Dieese de 2014, segundo o qual funcionários de empresas terceirizadas teriam remuneração 24% menor do que os trabalhadores da contratante. Em nota oficial, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) classificou como golpe a votação de quarta-feira e convocou um dia nacional de protestos para 31 de março. "A CUT não reconhece qualquer legitimidade nessa votação, feita na calada da noite e a toque de caixa", diz o texto.
______________________
Como ficam os modelos de relação de trabalho a partir do projeto
Os efeitos do projeto de terceirização no mercado ainda são bastantes incertos. Especialistas têm dúvidas se na prática haverá precarização do trabalho, como afirmam os mais críticos ao texto aprovado na Câmara, ou se será a legislação será capaz de estimular o empreendedorismo, como pontuam os mais otimistas. Ao especificar que a relação deve ser estabelecida entre empresas, onda de criação de cooperativas e de "pejotização" de funcionários hoje contratados pela CLT, por enquanto, está descartada.
- MICRO E PEQUENOS EMPREEDEDORES
O projeto pode estimular a criação de empresas especializadas em serviços que hoje não costumam ser terceirizados – negócios especializados em etapas específicas de cada projeto, como reparação de veículos, promoção de eventos, serviços de transporte e hospedagem e ligados à construção civil. Uma das barreiras, no entanto, é a exigência de capital social mínimo para criação do negócio – uma condição para garantir segurança dos trabalhadores em caso de falência.
- COOPERATIVAS
O projeto não estimula a criação de cooperativas na medida em que o texto estipula que a terceirização de atividades só pode acontecer entre empresas. Conforme a legislação brasileira, cooperativas têm uma natureza jurídica diferente e não se enquadram na categoria empresa. Outro entrave é a exigência de que a prestadora de serviço tenha capital social mínimo de R$ 100 mil para possa ser contratada para serviço temporário.
- PEJOTIZAÇÃO
A terceirização de atividades deve ser estabelecida entre uma empresa e outra, não havendo possibilidade da contratação de diversos profissionais "PJ" para execução do serviço. Para realizar atividades de tecnologia da informação, por exemplo, uma companhia de T.I poderia contratar uma empresa terceirizada, mas não diversos de profissionais em regime PJ. Isso implicaria na contratação de diversas "pessoas jurídicas", o que a lei veda.