Assim que abrir o expediente à frente prefeitura de Porto Alegre, nesta segunda-feira, Nelson Marchezan (PSDB) se prepara para adotar medidas duras. Na manhã desta sexta-feira, ele adiantou a intenção de publicar um decreto de congelamento de gastos e de chamar fornecedores com pagamentos em atraso para conversar.
Apesar de classificar como "preocupante" a situação financeira da administração municipal, o prefeito eleito garantiu que a crise não inviabilizará as promessas de campanha – entre elas, a abertura de oito postos de saúde até as 22h, medida que pretende colocar em prática ainda em 2017.
Leia mais:
Marchezan afirma que situação das finanças da Capital é pior do que a estadual
Briga por IPTU expõe ruído na gestão de Marchezan
A seguir, leia os principais trechos da entrevista concedida a ZH e Rádio Gaúcha.
Como será a sua rotina como prefeito?
Acho que sou um pouco workaholic (viciado em trabalho), mas quero poder programar uma rotina de forma que eu não perca o contato com a rua, que não fique apenas dentro do gabinete e que eu possa interagir com os secretários nas suas áreas de atuação reais.
Vai continuar caminhando pela cidade como fez na propaganda eleitoral?
Sim, essa é a ideia. Vamos estabelecer um padrão de atividade que não seja marqueteiro, apenas para dar satisfação à imprensa, mas que seja realmente útil e que me mantenha ligado ao mundo real.
Na Europa, muitos prefeitos vão trabalhar de bicicleta ou de transporte público. Isso passa pela sua cabeça?
Passa pela minha cabeça usar o transporte público para efetivamente entender como ele funciona melhor, para estar ligado na vida real das pessoas. Também posso andar de bicicleta, porque eu gosto e o meu filho gosta. Já pensei, eventualmente, em dar uma corrida no Centro, mas acho que no início não vai dar, porque vou ter muito trabalho.
Quais serão as suas primeiras medidas?
A gente está planejando alguns decretos de organização das despesas e a formação de grupos de trabalho para algumas análises específicas.
Vai haver decreto de congelamento de gastos?
Deve vir alguma coisa, sim, congelando gastos passados, despesas futuras e despesas muito específicas que acabam tendo um afrouxamento ao longo do tempo.
Congelar gastos passados significa decretar uma moratória da dívida ou algum tipo de renegociação com os credores?
Não vamos tomar essa decisão nos primeiros dias, mas imaginamos um volume elevado de despesas pendentes e sabemos que não haverá caixa para pagar tudo em janeiro. Então, vamos ter de fazer escolhas. No primeiro momento, vamos suspender algumas despesas correntes e chamar os fornecedores para ver o que faremos com os pagamentos em atraso.
Pode citar alguma despesa que será cortada?
Por exemplo: carros alugados, que custam mais de R$ 30 milhões por ano. Alguns veículos são imprescindíveis, como as vans que carregam os processos da Procuradoria-Geral do Município. Esses veículos, a priori, continuarão sendo locados, mas, de resto, a regra será usar táxi. Vamos fazer um convênio com os taxistas.
O senhor prometeu reduzir CCs. Isso começa a partir desta segunda?
A gente prometeu que terá apenas os CCs necessários, e a redução será muito maior do que as pessoas têm expectativa.
Já é possível estimar tamanho da redução?
Passamos de 37 para 15 secretarias e vamos analisar caso a caso. Provavelmente em dois meses já teremos apresentado não só o número de CCs necessários, mas também concretizado a reorganização das secretarias, diminuindo as funções gratificadas. São milhares. O que nos parece é que poderemos reduzir muito.
Mas esses cortes serão suficientes para fazer frente às despesas?
Não, esses são apenas exemplos. Vamos ter de cortar muito mais. Vamos ter medidas de ampliação de receitas e também de busca de incentivos privados, a partir de concessões e parcerias.
O prefeito José Fortunati insinuou que o senhor está "vendendo o caos" nas finanças para posar de "salvador da pátria". O que tem a dizer sobre isso?
Com relação à frase do prefeito Fortunati, entendo a angústia dele. A prefeitura realmente tem problemas financeiros, e ele vai ter de apresentar essas dificuldades. Essa angústia talvez tenha levado o prefeito a usar essas palavras que, do meu ponto de vista, são inadequadas.
O senhor tem projetado rombo de R$ 1,1 bilhão nas contas da prefeitura em 2017. Isso pode ameaçar o cumprimento de alguma das promessas de campanha?
Todos os compromissos de campanha estão garantidos. O que nos assusta não é isso. O que nos assusta são as atividades corriqueiras de custeio, como a compra de medicamentos, de merenda para escolas. Já há fornecedores sem pagamento para dívidas menores de R$ 8 mil. É preocupante.
A crise não pode acabar inviabilizando a abertura de oito postos de saúde até as 22h, como foi prometido?
Não, porque essa é uma ação que gera outras economias. É bom para o sistema como um todo, porque tira a demanda dos hospitais e traz a solução para mais perto das pessoas, de forma mais rápida.
O senhor já conversou com o secretário da Saúde sobre isso? Passou alguma orientação?
Ele tem o compromisso de cumprir o nosso plano de governo. Ainda não dá para falar de prazos, mas a ideia é abrir a maioria desses postos o mais rápido possível, de preferência os oito ainda neste ano. Posso dizer que no primeiro semestre já teremos uma boa parte deles funcionado.
De zero a 10, quais as chances de atrasar salários em 2017?
É 10. Estou sendo bem realista. A prefeitura deverá atrasar salários em 2017, infelizmente, por uma situação que não fomos nós que criamos. E também não quero analisar quem criou. Mas a realidade é matemática. Temos de fazer de tudo para que não aconteça. Se nada for feito para alterar a relação entre receita e despesa, a prefeitura não vai pagar os salários (em dia em 2017).
Valeu brigar pelo IPTU com o prefeito José Fortunati, se a ampliação do desconto até fevereiro vai acabar se traduzindo em perda de receita na sua gestão?
A ampliação de desconto foi para incentivar que as pessoas não pagassem em dezembro, mas no ano certo. Continuo entendendo que o grande problema do Brasil é o fato de que as despesas não se enquadram nas receitas públicas. Gestores municipais, estaduais e federais quebraram o Brasil por não obedecerem a lei. Do meu ponto de vista, as receitas futuras não podem ser usadas pelos gestores que estão deixando o cargo.
Mesmo o TCE dizendo que está certo?
É uma interpretação do setor público para o setor público. Definitivamente não concordo e acho que é por essas interpretações com uma certa frouxidão que o Brasil está na atual situação.
Então no próximo ano não haverá desconto?
O que eu disse é que no último ano de gestão é vedada a antecipação de uma receita da próxima gestão. Se não, não há compromisso do gestor com planejamento financeiro.
Mas o senhor disse que era contra qualquer renúncia fiscal, não?
O que disse é que não pretendia dar o desconto neste ano, porque temos grandes dificuldades previstas para 2017. Se no ano que vem, para antecipar alguma despesa, isso se enquadrar no fluxo de caixa e for necessário, é evidente que vamos dar o desconto. Mas digo ao contribuinte: o que precisamos é entregar o serviço.
Está no seu horizonte atualizar a tabela do IPTU?
Sim. A gente deve propor a atualização da tabela do IPTU ainda este ano.
E o ISS, pode sofrer algum reajuste?
Não, o que pode ocorrer é uma reorganização para incentivar algum setor e gerar empregos, que também é um dos nossos compromissos. Agora, a questão de aumento de alíquotas, na situação que a gente vive hoje, não é ideal. Não é o que a gente pensa.
Costuma ser difícil aprovar alterações no IPTU. O senhor terá apoio na Câmara?
Tenho o compromisso de fazer o melhor por Porto Alegre e espero que esse seja o compromisso de todos os vereadores.
Mas o seu projeto de reestruturação administrativa teve a votação adiada. Isso não é um sinal de que as relações com o Legislativo serão difíceis?
Acho que não. Todos os vereadores viram a realidade de Porto Alegre. Acho que há o mínimo de sensibilidade da realidade. Temos muitas chances de ter uma relação ótima com a Câmara, nesses termos.
A escolha de um vereador do PTB para comandar a Secretaria da Infraestrutura e Mobilidade Urbana tem relação com essa derrota na Câmara, já que o PTB não deu quórum para a votação?
Isso é bom que fique muito claro: nós não escolhemos um vereador do PTB. Escolhemos o Sabino. Ele não vai entrar por ser do PTB, do PP ou do PSDB. Ninguém entra no governo por ser de um partido.
Haverá convocação extraordinária da Câmara em janeiro?
Da minha parte, não.
Mas não vai atrapalhar ficar com a estrutura antiga?
Não é o ideal e não é o que gostaríamos. Mas a transição foi boa, então não há problema em deixar algumas pessoas da atual gestão em atividade para evitar pendências na área administrativa.
E a demora na definição dos nomes da equipe, embaralha a arrancada da gestão?
Atrapalha, mas atrapalha menos do que botar pessoas desqualificadas, incompetentes, descomprometidas e com problemas legais. A escolha tem sido feita de forma artesanal e não automática, como é o padrão.
O senhor passou boa parte da campanha criticando a EPTC. Por que até agora não indicou um substituto para o atual diretor, Vanderlei Cappellari?
A EPTC ainda não chegou à pauta porque a questão da educação, da saúde e da segurança foi mais importante até agora. A EPTC será, sim, uma prioridade. Mas entendemos que há outras, que são um pouco mais prioridade na vida das pessoas.
Está mantida a regra de avaliação dos secretários a cada três meses e de substituição, caso não estejam indo bem?
A gente gostaria de ter apresentado já agora na posse as metas para os primeiros cem dias dos secretários. Como a situação financeira ainda é bastante nebulosa e como muitos secretários não estão diretamente relacionados à gestão municipal, vamos estabelecer as metas nesses primeiros meses. E eles sabem que se não conseguirem entregar isso, vão contribuir para a gente buscar outras pessoas.
Quando as metas serão anunciadas?
Primeiro vamos fazer um diagnóstico de cada área para então verificar as ações necessárias, estabelecer prazos e metas de resultados.
O senhor se comprometeu a terminar as obras em andamento, mas talvez não sobre dinheiro para tudo. Qual será a obra prioritária?
Temos desde obras com valores menores, em creches e postos de saúde, até obras grandes como obras de infraestrutura viária. Não temos condições de afirmar agora, até porque algumas têm recursos externos que podem ser agilizadas. As outras sabemos que terão falta de verbas e vamos ter de buscar alternativas, quem sabe até com ajuda da iniciativa privada.
A prefeitura manterá o Carnaval no Porto Seco e o apoio financeiro ao Carnaval da Cidade Baixa, mesmo com a crise?
Os secretários da Cultura e da Fazenda vão iniciar essa conversa na semana que vem, com toda a transparência. Provavelmente, nos anos seguintes esses eventos terão de ser feitos com financiamento privado e, neste ano, provavelmente serão muito reduzidos, por uma questão de prioridades.
Em fevereiro, o reajuste das tarifas de ônibus e lotações entrará novamente em pauta. Qual será a sua posição?
A gente vai fazer um diagnóstico técnico da situação e vai buscar alternativas reais, sem demagogia.
Existe a possibilidade de cancelar a licitação do transporte público?
Parece que há interesse das empresas. Então, se está ruim para elas e se a gente pode buscar outra alternativa, talvez isso ocorra de comum acordo.
Em relação ao Mercado Público, o senhor imagina fazer uma concessão ou algum tipo de parceria?
Houve uma evolução nisso, quando os permissionários contratavam limpeza, etc. Era mais barato e funcionava melhor. Quando voltou para o RS, ficou mais caro e pior. A ideia é que a gente possa levar lá para dentro pessoas especializadas em gestão de shoppings. O Mercado poderia funcionar domingo e diariamente até mais tarde. Com estacionamento, até mesmo à noite.
O senhor pretende levar adiante a ideia de um estacionamento subterrâneo no Centro?
Se depender da gente, vamos ter estacionamento subterrâneo no centro e vamos estimular estacionamentos pagos para desafogar as vias e deixar mais espaço para o trânsito, para a bicicleta e o pedestre.
Já foi possível avançar em relação ao que vai ocorrer com a Carris?
Não, ainda estamos escolhendo uma pessoa qualificada para a área e para fazer esse diagnóstico. Ou a Carris, para ter alguma chance, começa a se viabilizar financeiramente, ou a gente vai privatizá-la.
Fasc e DEP estiveram no centro de dois escândalos recentes. O senhor vai ter um olhar especial a essas duas áreas?
Todos os órgãos vão ter. Estamos buscando, através do banco de talentos, pessoas qualificadas para as áreas financeiras desses órgãos. Também faremos um levantamento de todos os apontamentos de órgãos como Ministério Público e Tribunal de Contas para que possamos cumpri-los.
Como está funcionando o banco de talentos?
É uma coisa nova e bem interessante. É diferente de tudo o que já foi feito no Brasil. Até agora, mais de mil currículos já foram cadastrados lá, a maioria de pessoas da área pública.
Os projetos arquitetônicos e a licença de instalação para as obras de revitalização do Cais Mauá estão na prefeitura à espera de liberação. O senhor vai agilizar isso?
A nossa ideia é fazer com que a prefeitura seja mais ágil. Sabemos das dificuldades burocráticas e de tudo que Porto Alegre perdeu por isso. Vamos colocar todos os esforços nesse sentido.