Acusados de favorecer indiretamente a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos ao não filtrar notícias falsas que circulavam na rede, Google e Facebook prometem uma ofensiva contra sites que publicam informações enganosas. As gigantes do Vale do Silício anunciaram que pretendem adotar um algoritmo específico para bloquear informações enganosas e também impedir que as publicações se beneficiem de seus serviços de publicidade. Para especialistas, o papel principal na seleção de notícias cabe ao usuário: mais do que vítimas, os leitores são cúmplices no compartilhamento de mentiras na internet.
Levantamento realizado pelo site BuzzFeed a partir das notícias políticas mais compartilhadas nas redes sociais apontou que, nas semanas anteriores à eleição americana, o número de informações falsas superou o de notícias verdadeiras. Blogs e sites sem nenhuma credibilidade com o público haviam deixado jornais centenários, como The New York Times e The Washington Post, para trás. Os links mentirosos com mais compartilhamentos demonstravam claro apoio ao republicano Donald Trump.
– A explicação para o sucesso de páginas que veiculam mentiras é uma só: elas falam o que as pessoas querem ouvir. Diferentemente de publicações jornalísticas, que têm o dever de trazer mais de uma versão dos fatos, esses sites reforçam as crenças desse público e, por isso, são atrativos – explica Marcelo Crispim da Fontoura, professor de jornalismo digital da PUCRS.
Disseminar mentiras não é exclusividade do campo político, diz Daniel Bittencourt, coordenador do curso de Comunicação Digital da Unisinos:
– O acirramento eleitoral tem dado mais visibilidade para esses casos, mas na cobertura de celebridades isso é bastante comum. A diferença é que agora se unem dois polos: pessoas que compartilham mentiras porque não identificam a informação como sendo falsa e aqueles de má-fé que, mesmo reconhecendo a fraude, repassam-na porque reforça sua visão de mundo.
Mesmo tendo a metodologia contestada por alguns especialistas, a pesquisa elaborada pelo BuzzFeed provocou reações imediatas. Google e Facebook prometeram providências para impedir que os sites que veiculam informações falsas se beneficiem de seus serviços de publicidade.
Sem conseguir impedir completamente que notícias enganosas continuem aparecendo nas buscas e nas timelines dos usuários, Facebook e Google prometem asfixiar economicamente os sites mentirosos, impedindo que obtenham anúncios através dos serviços online de publicidade, como o AdSense, do Google.
Leia também
Notícias falsas no Facebook não influenciaram vitória de Trump, diz Zuckerberg
Google e Facebook cortam receitas publicitárias páginas de notícias falsas
Para o professor de comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo, Fábio Malini, é bom desconfiar das boas intenções das duas empresas, que não costumam ser muito transparentes sobre as políticas adotadas.
– Ao barrar notícias falsas, os algoritmos podem acabar bloqueando outros tipos de informação e deixando o usuário ainda mais preso dentro da própria bolha de crenças. A própria imprensa pode acabar vítima – afirma.
A avalancha de notícias falsas às vésperas de importantes eventos políticos não é privilégio americano. No Brasil, durante a semana do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, três das cinco notícias mais compartilhadas no Facebook eram falsas. A pesquisa, realizada pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP), apontou que informações enganosas atingiram pelo menos 200 mil usuários nos dias que antecederam à votação e que os dois lados da disputa eram propensos a crer em boatos que confirmavam suas posições.
Na terça-feira, o dicionário britânico Oxford escolheu o termo pós-verdade, como a palavra do ano. O vocábulo faz referência a "circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência na formação de opinião pública do que os apelos emocionais e as opiniões pessoais" e ganhou destaque no contexto da saída britânica da União Europeia e da eleição de Trump nos Estados Unidos.
Segundo os editores do dicionário, o surgimento da palavra foi alimentado pela ascensão das redes sociais como fonte de informação. O prefixo "pós" não é utilizado exclusivamente para situação ou acontecimento específico posterior, como pós-guerra, mas também para salientar "a rejeição ou irrelevância de um conceito".
Era mentira, mas bombou na web
"Yoko Ono teve uma relação amorosa com Hillary Clinton nos anos 70"
Publicada na página World News Daily, a "notícia" afirma que o relacionamento das duas teria começado no meio dos protestos contra a Guerra do Vietnã, durante a década de 1970. A fonte? Supostas declarações que a viúva de Lennon teria feito em Los Angeles, que teriam "surpreendido jornalistas".
"Donald Trump nasceu no Paquistão"
A A falsa notícia sobre o suposto nascimento de Trump no Paquistão foi divulgada pela rede de televisão paquistanesa Neo News. O canal assegurava que o presidente eleito dos Estados Unidos teria nascido em uma família muçulmana no vale de Shawal, e não em Nova York. Além disso, o nome real dele seria Dawood Ibrahim Khan.
"Presidente do PDT ordena que militância pró-Dilma vá armada no domingo: 'Atirar para matar'"
Publicada pelo site Diário do Brasil às vésperas da votação do impeachment, a notícia citava José Silvio dos Santos, suposto presidente do partido no Distrito Federal (DF) que teria convocado militantes para atirarem em parlamentares. O homem indicado nunca ocupou cargo de liderança na agremiação, e a informação foi desmentida pela direção do PDT, mas alcançou a marca de 60 mil compartilhamentos na rede social.
"Juiz Sergio Moro é filiado ao PSDB"
Os desdobramentos da Operação Lava-Jato colocaram o nome do juiz federal Sergio Moro em evidência, e rumores sobre uma possível filiação partidária do magistrado ao PSDB surgiram nas redes sociais. Imagens de uma certidão que comprova a filiação circulavam na web, mas foram desmentidas pelo partido.