Cármen Lúcia Antunes Rocha é uma mulher avessa à pompa dos tribunais superiores. Interna de um colégio de freiras na juventude, mantém, aos 62 anos, hábitos simples: dispensa motorista particular, prefere dirigir o carro até o trabalho, evita chamativos aparatos de segurança e não costuma circular nos badalados jantares oferecidos por magistrados e advogados em Brasília. É com estilo austero e sóbrio, combinado a uma pauta de viés social, que pretende comandar pelos próximos dois anos o Supremo Tribunal Federal (STF).
Na tarde de segunda-feira, depois de uma década de STF, Cármen Lúcia se tornará a segunda mulher a presidir a mais alta Corte do país. Também responderá pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A ministra já traz no currículo o pioneirismo de ter sido a primeira mulher à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Indicada ao STF em 2006 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Cármen Lúcia é mineira “das Gerais”. Nasceu em Montes Claros e cresceu em Espinosa, no norte do Estado, um dos cenários de Grande Sertão: Veredas, um de seus livros preferidos. Em uma família de sete irmãos, Carminha, como é chamada, recebeu educação rígida. Gosta de repetir um lema dos Antunes Rocha:
– Em casa, só não podia mentir, roubar e ter preguiça.
A relação familiar é intensa. Solteira, é atenciosa com irmãos e sobrinhos. A ministra gosta de falar ao telefone com o pai Florival, um senhor de 98 anos, dono de um posto de gasolina e uma loja em Espinosa, a 700 quilômetros de Belo Horizonte. Foi na capital que Cármen Lúcia fez sua formação.
Ainda criança, tornou-se interna do Colégio Sacré-Coeur. Acostumou-se a despertar às 5h com o sininho que, durante o dia, também marcava o horário de banho e refeições. A rotina seguiu na faculdade. Entre Direito e Jornalismo, ficou com as leis. Formada na PUC-MG e mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), recebia elogios dos professores.
– Era brilhante e aplicada. Discreta como convém à República – diz Arthur José Almeida Diniz, orientador da ministra na UFMG.
A carreira teve início na década de 1980, como professora da PUC-MG e procuradora do Estado. Entre 2001 e 2002, a jurista foi procuradora-geral de Minas na gestão Itamar Franco (PMDB). O trabalho valeu a recomendação a Lula, que buscava substituto para Nelson Jobim no STF. Então titular da Corte e primo distante de Cármen Lúcia, Sepúlveda Pertence também é apontado como padrinho.
Em uma década como magistrada, a mineira adota a rotina reservada longe do tribunal. Poliglota, gosta de ler clássicos, como Balzac, na língua original. Caseira, recebe amigos no apartamento funcional onde mora. Tem fama de comer pouco, mas aprecia pão de queijo, doce de leite, goiabada e chocolate. Não pratica exercícios físicos e opta por visual simples, com maquiagem e joias discretas. Os cabelos brancos já são uma marca pessoal.
Foco em mais igualdade e menos extravagâncias
Na Corte, Cármen Lúcia tem fama de gestora competente, com o menor acervo de processos entre os ministros (3,2 mil). Exige discrição dos assessores e é rígida com horários. No plenário, chama atenção pelas frases de efeito. Entrou em polêmica recente ao falar que prefere ser chamada de “presidente”.
Muito religiosa, votou pelo reconhecimento da união de casais gays como entidade familiar e a favor do aborto de fetos anencéfalos, da pesquisa com células-tronco embrionárias e da liberação da marcha da maconha. Em 2007, quebrou a tradição do STF ao ser a primeira mulher a entrar no plenário de calça social. Aliás, deve priorizar na gestão pautas por maior igualdade de gênero nos tribunais e por melhores condições às presas gestantes.
O biênio à frente do STF suscita dúvidas. Seus desafetos questionam se terá pulso para lidar com as categorias. Nos bastidores, ela sinaliza atuar em contraponto à gestão do antecessor, Ricardo Lewandowski, marcada por verniz corporativista e de pressões por aumento de salários. Cármen Lúcia pretende podar extravagâncias do novo estatuto da magistratura, recheado de penduricalhos.
A ministra dá sinais de ser contrária ao auxílio-moradia. Outra mudança à vista é a produtividade. Colegas de Corte imaginam que o ritmo de julgamentos será maior. Esse recado foi dado por ela dias atrás. Elogiada por seus pares, Cármen Lúcia agradeceu e indicou que pretende abrir mão de um farto coquetel de recepção na posse:
– Não gosto muito de festas. Gosto de processo.
A caminhada até o comando do STF
1954
Cármen Lúcia Antunes Rocha nasceu em Montes Claros (MG). Cresceu em Espinosa (MG).
1977
Graduou-se em Direito na PUC-MG. Cinco anos depois, concluiu mestrado pela UFMG.
1982
Tornou-se procuradora do Estado em MG. Em 1983, virou professora de Direito na PUC-MG.
2001
Atuou como procuradora-geral do Estado de Minas Gerais no governo de Itamar Franco.
2006
Tomou posse como ministra do Supremo. Foi indicada pelo então presidente Lula para a vaga de Nelson Jobim.
2012
Tornou-se a primeira mulher a presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
2016
Assume a presidência do STF. É a segunda mulher a comandar a Suprema Corte – a primeira foi Ellen Gracie.