O drama dos cofres vazios é vivido todos os dias pelo prefeito de Santo Expedito do Sul, no norte do Estado. Jair Mendes da Silva (PP) sabe de cor a oração dedicada ao santo que dá nome à cidade – conhecido como o padroeiro das causas urgentes. Com regularidade, o chefe do executivo municipal pede a santa interferência para dar conta da causa mais emergencial da localidade.
Santo Expedito apresenta o menor percentual de verba própria do Estado, arrecadando por seus meios o equivalente a apenas 4,83% de sua receita total. O restante é composto por repasses estaduais ou federais, adesão a programas governamentais ou por meio de emendas parlamentares.
A corrida por dinheiro é tão desgastante que o gestor costuma tomar medicamentos para conseguir dormir nas noites em que os balanços fiscais lhe afugentam o sono.
– A gente passa a viver 24 horas por dia trabalhando, buscando recursos, pensando no que fazer. Às vezes, tem de tomar algum remédio para relaxar um pouco e conseguir dormir. Não tenho mais lazer, e a família acaba ficando em segundo plano – confessa Mendes.
Com a queda no FPM, foi necessário adotar medidas drásticas de economia. A prefeitura trabalha, hoje, com apenas três secretarias: Fazenda, Urbanismo e Turismo. As demais áreas operam com servidores de carreira a fim de eliminar custos.
Para manter um nível mínimo de investimentos na cidade, uma das saídas tem sido as emendas parlamentares – destinações de verba apresentadas por parlamentares no Congresso. A fim de garanti-las, as duas últimas gestões desenvolveram um sistema que o prefeito chama de "comprometimento" com deputados federais e senadores.
Representantes da administração municipal ajudam a angariar votos para candidatos do PP e do PMDB em época de eleição, e os parlamentares se comprometem a apresentar um número mínimo de emendas para beneficiar a cidade caso eleitos. Mendes sabe de cor o número de votos que os deputados mais generosos com o município de 2,5 mil habitantes fizeram na localidade na última eleição:
– O Afonso Hamm teve 88 votos, o Jerônimo Goergen, 133. O Covatti Filho, pouco mais de 500. Também temos uma boa relação com o Darcísio Perondi. Na verdade, o número de votos é muito pequeno, o que conta mais é a relação pessoal que se cria.
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Essa relação é cultivada por meio de ligações frequentes para os gabinetes dos deputados e da senadora Ana Amélia Lemos (PP), além de visitas aos escritórios políticos deles em Porto Alegre, envios de e-mails e, uma ou duas vezes por ano, viagens a Brasília para reforçar pessoalmente a necessidade de verba.
– Costumo dizer que política e feijão só funcionam na base da pressão – brinca o gestor.
Graças à rotina de apresentar o pires vazio a parlamentares e de buscar recursos estaduais e municipais, a prefeitura conseguiu investir 7,4% de sua receita líquida no ano passado – cerca de R$ 806 mil. Emendas estão garantindo a pavimentação de vias e a aquisição de máquinas e veículos. Por meio de programas federais, foi possível conquistar uma creche e uma unidade de saúde.
Mas a dependência de emendas cria situações inusitadas. Obras como a pavimentação de vias e a implantação de calçamento e meio-fio, por exemplo, avançam até onde o dinheiro do repasse permite. Assim, a urbanização parou a poucos metros da casa de Eulália da Fonseca, 76 anos. A esperança é de que, com uma nova emenda, o calçamento siga em frente.
– A gente paga imposto, mas a rua continua desse jeito na frente da minha casa – reclama.
Eulália queixa-se, ainda, da pouca assistência à saúde prestada nos limites do município. O posto local atende somente casos mais simples, e qualquer situação mais complexa exige deslocamento para alguma cidade vizinha por estrada de chão. A moradora lamenta, também, que os quatro remédios de que necessita para tratar problemas como hipertensão seguidamente estão em falta para distribuição gratuita na rede pública.
– Geralmente, eu compro os meus remédios na farmácia mesmo. Não posso ficar sem eles – afirma Eulália.
Segundo a prefeitura, a nova Unidade Básica de Saúde deverá melhorar a qualidade do atendimento, e o programa de farmácia popular oferece 250 itens na cidade apesar das dificuldades financeiras, enquanto a média do serviço costuma ser de 140.
– Agora, pelo menos, nos disseram a verdade. Não tem dinheiro para fazer a ligação asfáltica do município – lamenta o prefeito, que tem mais uma razão para não conciliar o sono.
Prefeituras aplicam R$ 195 por habitante em melhorias
A baixa capacidade de investimento não é exclusividade de Santo Expedito do Sul. Em 2015, 229 prefeituras (46,1%) direcionaram menos de 7,4% de suas receitas líquidas para promover melhorias à população. Entre os 497 municípios, a média de aportes do tipo foi de 8% no ano.
As estatísticas levam em conta as despesas de capital registradas no TCE, isto é, as aplicações municipais relacionadas à realização de obras e à aquisição de máquinas, equipamentos, imóveis e materiais permanentes, incluindo a amortização de dívidas, em valores liquidados. Na avaliação de especialistas, o resultado não surpreende.
– Os prefeitos estão certos ao puxar o freio. Eles sabem que não podem sair fazendo obras, se depois não tiverem condições de mantê-las – pondera o economista Eugenio Lagemann, do curso de Economia do Setor Público da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
As prefeituras investiram, em média, R$ 195 por habitante ao longo de 2015, o equivalente ao preço de seis sacos de cimento de 50 quilos. Em 2014, segundo dados do Observatório de Informações Municipais, o valor per capita chegou a R$ 261 na Região Sul. A margem apertada, diz o economista Liderau dos Santos Marques, da FEE, é reflexo do estrangulamento das finanças.
– Com as receitas caindo, a única saída é cortar gastos. Como a maioria das despesas é de caráter obrigatório, os prefeitos estão reduzindo onde podem. Não existe alternativa – diz Marques.
No cenário de crise, as prefeituras que seguem investindo mais são, em geral, as que têm algum tipo de financiamento, interno ou externo. Trata-se de uma minoria, em função da baixa capacidade de endividamento. Santo Expedito do Sul e Dom Pedrito, por exemplo, não fazem parte do grupo.
Em 2015, duas em cada 10 gestões tinham dívidas desse tipo no Estado, somando R$ 2,4 bilhões, o equivalente a 16,7% da receita. O índice é bem inferior à barreira legal de 120% imposta por uma resolução do Senado. Individualmente, nenhuma administração chegou ao limite.
Para comparar, o comprometimento da prefeitura de São Paulo, uma das mais endividadas do país, atingiu 78% da receita em dezembro passado, e o do Estado do Rio Grande do Sul, com a pior situação entre as unidades da federação, 227% no mesmo período. Já Porto Alegre registrou 13,3%.