A decisão do governo do Rio de Janeiro de decretar calamidade pública para forçar a liberação de socorro financeiro da União causou constrangimento no Palácio do Planalto e provocou expectativa nos demais Estados – entre os quais Rio Grande do Sul e Minas Gerais, onde o rombo nas contas é igualmente grave.
Se o repasse de R$ 2,9 bilhões à administração fluminense se confirmar, o secretário estadual da Fazenda, Giovani Feltes, disse que o Piratini reivindicará "igualdade de tratamento" à equipe do presidente interino, Michel Temer (leia a entrevista abaixo).
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A notícia veio à tona na última sexta-feira, quando o governador em exercício do Rio, Francisco Dornelles, tornou pública a manobra para garantir os recursos federais, sob o pretexto de evitar problemas na Olimpíada. Parte do dinheiro seria usada para finalizar a linha 4 do metrô e o restante, para quitar vencimentos atrasados de servidores públicos, reduzindo o risco de manifestações durante o evento. A crise vem se agravando desde 2015 no Rio, com parcelamentos salariais, corte de verbas para a saúde e calote em credores internacionais.
Secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos, Moreira Franco garantiu que o presidente interino assinará nesta segunda-feira medida provisória liberando a verba. Detalhe: Moreira Franco é ex-governador do Rio e tem grande influência sobre Temer. Ele só não confirmou o valor que deve ser repassado.
A publicidade dada ao ato repercutiu mal entre integrantes da cúpula do Planalto. Há o temor de que outros governadores também decidam decretar calamidade, desencadeando efeito dominó no país, ou que utilizem o caso do Rio para exigir outros tipos de auxílio. Para piorar, o uso do expediente para enfrentar a crise financeira não é unânime nem entre especialistas.
– Esse decreto foi uma tentativa clara de constranger o governo. Criou-se um fato para pressionar o Planalto a arcar com os gastos da Olimpíada, e todos nós sabemos que existem muitos Estados em situação difícil – criticou um interlocutor de Temer.
Tanto o governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, quanto o secretário de Planejamento de Minas, Helvécio Magalhães, descartaram a hipótese de repetir a tática de Dornelles, mas estarão nesta segunda-feira em Brasília para discutir a renegociação da dívida com a União, junto de outros governadores e secretários. Agora, eles terão novo argumento a seu favor.
Preocupação com a imagem internacional
Também há quem entenda, na Esplanada dos Ministérios, que o ato extremo adotado pelo governador do Rio prejudicou a imagem dos Jogos Olímpicos, chamando a atenção do mundo para um problema que a maioria gostaria de esconder.
Ao jornal O Globo, Moreira Franco rebateu as críticas, argumentando que a decisão foi necessária para evitar "um mico internacional":
– É a imagem do Brasil que está em jogo. Seria extremamente catastrófico se não conseguíssemos realizar a Olimpíada depois dos compromissos assumidos.
* Colaborou Fábio Schaffner
ENTREVISTA
"Esperamos tratamento igual do governo federal", diz
Giovani Feltes, secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul
A possibilidade de repetir a estratégia adotada pelo Estado do Rio para forçar a liberação de recursos da União foi descartada no último domingo pelo secretário da Fazenda do governo de José Ivo Sartori, Giovani Feltes. Apesar de reconhecer que a situação gaúcha é pior do que a fluminense, ele limitou-se a dizer que, mesmo sem decreto de calamidade, espera “tratamento igual”.
O governo do RS estuda seguir o mesmo caminho do Rio para conseguir ajuda financeira da União?
Não. Até aqui não conjecturamos a possibilidade de decretar estado de calamidade.
Por que não?
Não se chegou a aventar isso, embora a situação financeira do Rio Grande do Sul, do ponto de vista estrutural, seja sabidamente pior do que a dos outros Estados.
Se a situação é pior, por que não tirar proveito do precedente aberto pelo Rio?
A gente acredita que os benefícios concedidos ao Rio, um dos três Estados em maior dificuldade, serão estendidos aos outros dois, que somos nós e Minas Gerais. Isso seria o mais adequado e o mais ponderado. Esperamos tratamento igual do governo federal. Se cobrir o que perdemos com a recessão desde 2015, por exemplo, já seriam mais de R$ 2 bilhões. Além disso, tem a discussão sobre a renegociação da dívida, que nos interessa muito. Esperamos avançar.
Mas se pretende pressionar a União?
Não é questão de pressionar. Vamos pedir, sim, para que isso seja observado. Queremos acreditar no equilíbrio dessas soluções, até porque ninguém desconhece a situação do Rio Grande do Sul. Assim como o Rio vai receber esse recurso, espero que alguma coisa semelhante possa acontecer aqui.
O governo do RS estuda se juntar a Minas para exigir mais atenção?
Viemos conversando muito. Todos sabem da nossa realidade. Vamos esperar a reunião de amanhã (nesta segunda-feira), em Brasília, para ver como as coisas vão se desenrolar.
O governador José Ivo Sartori é do mesmo partido, o PMDB, do presidente interino, Michel Temer, que ainda tenta se firmar. É por isso que o Estado não quer aumentar a pressão?
Não, e também não me cabe fazer juízo de valor sobre o governador. Pedir, nós vamos, mas não vamos usar o fato do Rio para isso. Não é assim que trabalhamos.
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Governadores vão se reunir antes de encontro com Temer
Em meio ao cenário de crise econômica, chefes de Executivos estaduais devem se reunir nesta segunda-feira à tarde com o presidente interino Michel Temer para tentar um acordo quanto à renegociação da dívida dos Estados com a União.
Antes, pela manhã, os governadores irão tratar da pauta em encontro na residência oficial de Águas Claras, com o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg.
– A renegociação é um passo importante para melhorar a condição econômica dos Estados e contribuir para a retomada do desenvolvimento e a criação de empregos – disse Rollemberg, em entrevista à Rádio Nacional.
O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminares a 11 Estados – entre os quais o Rio Grande do Sul – alterando a correção do estoque da dívida por juros simples, em vez de juros compostos.
A União alega que a mudança geraria perda de R$ 402,3 bilhões. Em abril, o STF suspendeu por 60 dias o julgamento sobre o modelo de correção e determinou negociação entre os dois lados.
A NEGOCIAÇÃO
O que querem os Estados: além da correção por juro simples, os governadores defendem o alongamento da dívida por 20 anos, com a possibilidade de os Estados pedirem carência de 100% das parcelas por dois anos, retomando o pagamento das prestações após esse prazo.
O que oferece a União: o governo federal, que defende correção por juro composto, fez contraproposta que muda o período de carência do pagamento das parcelas da dívida dos Estados de dois anos para um e meio, com descontos escalonados.
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Brasil do ano olímpico é pior do que o prometido na candidatura
COI silencia sobre declaração de calamidade
Principal interessado nos Jogos de 2016, o Comitê Olímpico Internacional (COI) silenciou diante da declaração de calamidade pública no Estado do Rio de Janeiro. Questionada, a entidade com sede em Lausanne, na Suíça, não deu resposta direta quanto ao que pensa sobre a situação e nem qual a posição de seu presidente, o alemão Thomas Bach, que acaba de encerrar viagem pelo Brasil.
Na prática, a manobra do Rio permitirá acesso rápido a recursos federais, o que soa bem aos interesses do COI. Bach havia chegado a um acordo para antecipar remessas de valores aos organizadores do Rio-2016 e, assim, resgatar o evento. Mas havia colocado condição de que esse dinheiro teria de ser acompanhado por verbas da União para as áreas estratégicas como abastecimento de energia.
Nos bastidores, sabe-se que a questão do financiamento foi debatida desde o primeiro contato telefônico entre Bach e o presidente interino, Michel Temer, há um mês. Oficialmente, o COI evita o assunto.
"O prefeito do Rio (Eduardo Paes) já disse que isso não terá efeitos sobre os Jogos", afirmou, em nota, a direção de comunicação da entidade. Em lugar de dar posicionamento próprio, o COI preferiu citar comentários do Comitê Rio-2016, presidido por Carlos Arthur Nuzman e, oficialmente, independente da organização internacional: "O Rio-2016 confirmou: isso não tem impacto na preparação e operação dos Jogos, já que o Comitê Organizador não depende de dinheiro público".
Eduardo Paes nega relação com os jogos
Na manhã do último domingo, Paes reafirmou que os jogos não serão afetados pela calamidade financeira. O prefeito fluminense voltou a falar no assunto na inauguração do Túnel Prefeito Marcello Alencar, entre a zona portuária da cidade e o início da pista sentido zona sul do Aterro do Flamengo.
– A gente vive uma situação fiscal absolutamente confortável. As dificuldades que o Estado passa não têm nada a ver com a Olimpíada, que permitiu fazer muita coisa no Rio. Isso aqui (túnel) não tem um tostão de dinheiro público nem de qualquer repasse federal para o município. Foi tudo com dinheiro privado – disse Paes, contrariando uma das justificativas usadas pelo governador em exercício do Rio, Francisco Dornelles, para declarar calamidade.
Segundo o decreto publicado na sexta-feira, a crise nas finanças impediria o Estado de honrar compromissos firmados na candidatura à Olimpíada, como à conclusão da linha 4 do metrô, entre Barra da Tijuca, na Zona Oeste, e Ipanema, na Zona Sul. A obra é um dos destinos para parte dos 2,9 bilhões que a União irá enviar ao Estado – a verba ainda será usado para pagar salários atrasados do funcionalismo municipal.
Há duas semanas, o vice-presidente do COI, Craig Reedie, admitiu que as obras no metrô eram "fundamentais".
– Quero saber é se o transporte vai funcionar ou não – disse Craig, acrescentando que os brasileiros teriam dado essa garantia nas reuniões mantidas em Lausanne no início do mês.