Além dos olhos dos 173 promotores eleitorais do Ministério Público Estadual (MP) responsáveis por fiscalizar as eleições deste ano, as atenções de muitos políticos e eleitores estarão voltadas a uma prática rotineira nas campanhas e integrante dos maiores escândalos de corrupção do país: o caixa dois. Responsável por coordenar o Gabinete de Assessoramento Eleitoral (GAE) do MP, o promotor Rodrigo Zílio não tem dúvidas de que a arrecadação, por parte de candidatos e partidos, de recursos financeiros não contabilizados e não declarados aos órgãos de fiscalização será o maior problema da disputa de outubro.
Segundo ele, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibição de doação, por si só, sem uma reforma legislativa que confira instrumentos para a Justiça Eleitoral e o Ministério Público fiscalizarem de maneira adequada, vai provocar um fenômeno diferente.
– Uma eleição só se faz com dinheiro, e a pessoa jurídica sempre foi o principal financiador. A decisão não vai afastar o interesse das empresas de participar do processo. Esse é o ponto nevrálgico. Se elas não podem participar legalmente, poderão buscar maneiras de se inserir no processo de outra forma – afirma Zílio.
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O MP está de olho em situações como a criação de pessoas físicas fantasmas para ampliar as doações e o pagamento de fornecedores por parte de pessoas jurídicas, práticas que podem ser exercidas em conluio pelos candidatos e empresas. Presidentes de partidos de porte médio, como o PSB, pretendem intensificar a fiscalização sobre os adversários. Na opinião desses líderes, será mais fácil identificar quais concorrentes estão com campanhas maiores do que declaram à Justiça Eleitoral.
– Espero que haja uma profunda e rigorosa fiscalização da Justiça em cima do uso de recursos empresariais. O adversário que estiver claramente fora dos limites, a gente vai para cima – alerta o presidente estadual do PSB, Beto Albuquerque.
De olho em atos patrocinados por empresas e sindicatos
O presidente estadual do PSOL, Israel Dutra, afirma que a participação dos eleitores será decisiva para identificar possíveis casos de abuso de poder econômico. A vigilância aos rivais deverá ser uma das marcas da campanha da ex-deputada Luciana Genro na Capital.
– Temos uma tradição longa de combate intransigente a essas práticas.
O fundamental vai ser o envolvimento da população na campanha, para que possa fiscalizar e verificar se as candidaturas são compatíveis com aquilo que está ocorrendo. Vamos incitar pessoas a fazer um controle rigoroso dos eleitores e dos candidatos – diz Israel.
Outra preocupação do MP diz respeito à pré-campanha. Para o promotor, algumas pessoas estão fazendo interpretação equivocada da legislação e entendendo que "está tudo liberado" antes do período de início oficial, marcado para 16 de agosto. Um dos focos da fiscalização do Ministério Público serão atos patrocinados por empresas e sindicatos com intuito de promover candidaturas, conduta considerada vedada pela lei.
Saiba mais:
- Caixa dois são recursos financeiros não contabilizados e não declarados aos órgãos de fiscalização competentes.
- Para formá-lo, empresas repassam dinheiro a candidatos, partidos políticos e comitês, mas depois não registram as doações na Justiça Eleitoral.
- O dinheiro é usado por candidatos para reforçar a campanha e serve para sustentar gastos com propaganda, materiais gráficos e pagamento de profissionais.
- Com a proibição das doações de empresas, o Ministério Público alerta que o caixa dois poderá ser muito utilizado neste ano.
- Para a Justiça, é uma forma de delito de falsidade ideológica (prestação de declaração falsa). Está previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, com pena de cinco anos de prisão.
- O caso mais expressivo de uso do caixa dois no Brasil é a Operação Lava-Jato.