Há 22 dias Eduardo Cunha (PMDB-RJ) dita à distância o ritmo da Câmara. Afastado do mandato – e por consequência da presidência – pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ele opera por meio de seus generais, que conduzem no dia a dia a aliança da sua ala do PMDB com os 13 partidos, do chamado centrão. Segurar a coalizão firme é o caminho traçado pelo deputado para escapar da cassação e manter o controle da Casa.
Na opinião de escudeiros e desafetos de Cunha, ele manteve relevância ao garantir, mesmo réu em uma ação penal e barrado pelo STF pela suspeita de obstruir as investigações da Operação Lava-Jato, a ocupação de espaços na Câmara e a distribuição de cargos na gestão interina de Michel Temer para o seu grupo.
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A imposição de André Moura (PSC-SE) para liderança do governo, chancelada pelo centrão, foi uma demonstração de vigor.
– O centrão alavancou o Eduardo, que parecia perder força – avalia o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR).
A situação de comando se configurou em 2015. Ao se eleger presidente da Câmara, Cunha encaixou seus aliados em postos estratégicos e nas lideranças de siglas que lhe dão sustentação.
Senhor do baixo clero, atraiu bancadas maiores, como PP, PR, PSD, PRB e PTB. Com a fidelidade de seus generais – Moura, Jovair Arantes (PTB-GO), Rogério Rosso (PSD-DF) e Beto Mansur (PRB-SP) –, o peemedebista convenceu aliados de que só seguiriam fortes unidos. A costura levou ao anúncio da formação do centrão, que reúne quase metade dos 513 deputados, tem maioria nas comissões e domina a Mesa Diretora, ficando com as rédeas da pauta de votações.
– Desde que foi afastado, Cunha opera a partir de prepostos. Eles espalham as mensagens dele pela Câmara, cumprem tarefas e garantem essa supremacia – afirma o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
Equipe da Mesa Diretora montada em 2015 amplia lastro de barganhas
Um dos pilares da força de Cunha é a Mesa Diretora, time composto sob medida em 2015 para eventuais necessidades. Quando o STF afastou o parlamentar, em 5 de maio, Waldir Maranhão (PP-MA) assumiu a presidência de forma interina. Cunha sustou a pressão para que ele renunciasse, insuflada após o vaivém da anulação da sessão que aprovou o impeachment na Câmara. Junto, arquitetou a manutenção de Maranhão no cargo, porém sem comandar as sessões no plenário, tocadas por Fernando Giacobo (PR-PR) e Mansur.
Para retribuir, Maranhão deu uma mãozinha ao padrinho no processo por quebra de decoro, desde outubro em discussão no Conselho de Ética. O interino proibiu a inclusão da acusação de que Cunha recebeu propina do esquema da Petrobras, mantendo apenas a suspeita de ter mentido na CPI da Petrobras. O contexto aumenta a expectativa para que saia um relatório, na próxima semana, de punição branda.
– Eduardo terá seu caso avaliado no plenário pelo o que está nos autos, a questão das negar as contas no Exterior. O restante deve ser julgado pelo STF – repete Carlos Marun (PMDB-MS), defensor de Cunha no conselho.
Futuro do centrão sem Cunha é incerto
Alguns aliados do deputado afastado são decisivos na operação para salvar o mandato. Como lideram bancadas, promoveram trocas na composição do conselho, garantindo votos favoráveis a ele. Foi o caso de Arantes, ao acertar a saída de Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), pressionado por sua base para votar pela cassação do peemedebista. Sá foi compensado com a presidência da Comissão de Educação da Câmara.
Em junho, a prioridade do grupo de Cunha será adiar ou derrotar a chance de cassação. Com a incerteza sobre o futuro do deputado afastado, parlamentares divergem sobre o destino do centrão. José Fogaça (PMDB-RS) acredita que a união do baixo clero com bancadas de porte médio se repetirá em outras legislaturas e manterá o poder de pressão sobre o Palácio do Planalto:
– O baixo clero nunca teve tanto poder na Câmara. Essa maioria garantirá poder no futuro, é uma forma de sobrevivência. É possível que tenhamos um cunhismo sem Cunha.
Parlamentares de PT, PC do B, PDT e PSOL discordam e apostam na fragmentação do centrão caso Cunha seja cassado.
– Não se tem certeza se alguém conseguirá guiar o centrão com a mão de ferro de Eduardo Cunha e com a capacidade de atender aos interesses deles. Como interesses são difusos, eles podem se desintegrar – prevê Chico Alencar (PSOL-RJ).
Maioria em colegiados faz a força
Na estratégia de controle concebida por Eduardo Cunha, seus aliados estão à frente das comissões mais importantes da Câmara. Dos 25 colegiados permanentes, o PMDB comanda três e o centrão, 11. Composta por deputados e senadores, a Comissão Mista de Orçamento também ficou sob a batuta desta aliança, que determina o destino dos projetos em tramitação na Casa, prerrogativa capaz de aumentar o poder de barganha junto ao Planalto.
Costurado por Cunha em sua eleição para a presidência da Câmara, o domínio já ocorreu em 2015, o que ajudou a fragilizar a presidente afastada Dilma Rousseff. Fruto de acordo entre os partidos, a divisão anual das comissões leva em conta o tamanho das bancadas, sendo que as maiores têm preferência a cada rodada de escolhas. Ao lidar com 14 partidos, Cunha assegurou maioria nos colegiados que seu grupo define como prioritários.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), considerada a mais importante da Câmara, serve de exemplo. É presidida pelo peemedebista Osmar Serraglio (PR), cuja indicação teve a bênção de Cunha. Dos 65 titulares da CCJ, PMDB e centrão respondem por mais da metade.
– A comissão ainda não votou temas polêmicos neste ano, fica difícil dizer se algum grupo já tem domínio. As maiorias são construídas por afinidades na forma como os deputados avaliam cada projeto – afirma Serraglio.
Com 11 presidências na sua cota, o centrão lidera comissões como Agricultura, Minas e Energia e Segurança Pública, esta com forte presença da bancada da bala. O bloco ficou com a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, dirigida por Gorete Pereira (PR-CE), integrante da frente parlamentar cristã, descrita por colegas como "moderada" dentro da bancada da bíblia.
Aliança entre centrão e PMDB deixa PT isolado
O centrão ainda garantiu a presidência da Comissão de Educação (CE), na figura de Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), e colocou no colegiado o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), junto de Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) e Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Nas matérias em que o bloco se juntar ao PSDB, vencerá as votações.
– Como têm maioria, chegam sem disposição para diálogo, patrolando. A gente tenta obstruir, mas é difícil. Assim, o centrão impõe uma agenda conservadora – critica a deputada Maria do Rosário (PT-RS), que faz parte da CCJ e da CE.
A costura entre centrão e PMDB deixou o PT isolado e sem o comando das comissões mais disputadas. Nas suas escolhas, o partido levou a presidência de Cultura, Direitos Humanos e Fiscalização e Controle. A primeira opção foi a Comissão de Fiscalização, usada para questionar atos do governo interino de Michel Temer e barrar apurações de medidas de Dilma Rousseff.