Nas próximas semanas, o Senado será convertido em um tribunal que terá a histórica missão de julgar Dilma Rousseff, decidir o futuro de seu mandato e os rumos do país.
O destino da presidente será sacramentado em um plenário outrora simpático a seus interesses e, hoje, distante do governo em crise. É um colegiado de políticos mais experientes do que na Câmara, o que deverá garantir uma votação menos folclórica em comparação à performance dos deputados na apreciação do impeachment, mas sob as mesmas suspeitas de corrupção. Dos 81 senadores em exercício, pelo menos 39 são alvo de inquéritos ou ações na Justiça, e 13 estão sob a mira da Operação Lava-Jato.
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O plenário que poderá definir o afastamento da presidente por 180 dias, caso aprove a abertura de investigação por maioria simples, até pouco tempo era trincheira do governo no Congresso. Com o apoio dos senadores em 76% das votações – contra média de 66% na Câmara –, Dilma reverteu derrotas impostas pelos deputados em temas como redução da maioridade penal e financiamento privado de campanhas. Agora, a antiga trincheira ganhou ares de armadilha.
– Está pesando a realidade em que vivemos. Não dá para fugir.
Eu mesmo fui aliado do governo por 13 anos, mas não há mais condições. O país vive uma crise grave – diz o senador Valdir Raupp (PMDB-RO).
Além da crise, enfatiza o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), as evidências de corrupção generalizada reveladas pela Lava-Jato e a postura pouco cordial da presidente minaram ainda mais as relações entre Senado e governo.
– Houve um tratamento arrogante da presidente, que não ouviu ninguém. Fiz sugestões sobre questões políticas, mas não adiantou – lamenta Cristovam.
Mesmo a ala governista, que hoje se resume a cerca de um quarto da Casa, entende que deveria haver mais negociação.
– O Senado sempre foi governista, mas nesse momento os ânimos estão muito acirrados. Está faltando diplomacia, busca de saídas conciliadas. Foi por isso que protocolamos, junto ao Planalto, a proposta para que Dilma defenda eleições gerais em 3 de outubro. Essa é a melhor saída – afirma Paulo Paim (PT-RS).
Bagagem política pode elevar o nível do debate
O clima pouco amistoso é retratado pelos números: estima-se que há 50 senadores favoráveis ao impeachment e 21 fiéis à presidente. O restante está indeciso, não se pronunciou ou poderá se ausentar da votação.
Os juízes de Dilma compõem um plenário quase tão masculino quanto o da Câmara, com 86% de homens (são 90% entre os deputados), mas com mais tarimba política. Há pelo menos 25 ex-governadores no Senado, que também soma uma média de idade mais alta: 61 anos contra 49. A expectativa é de um debate menos histriônico e mais objetivo comparado à votação de 17 de abril.
– As críticas sobre o comportamento na votação na Câmara refletiram na ponderação dos senadores, de fazermos (a votação) de uma forma mais simplificada e objetiva – ressalta a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS).
– Não vejo possibilidade de se repetir aquela situação ridícula que vimos na Câmara. Foi vergonhoso – complementa Lasier Martins (PDT-RS).
O filósofo Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP, avalia que a diferença de perfil entre as duas Casas se fará notar:
– O Senado é uma casa menor, mais difícil de entrar, com perfil diferente.
De modo geral, os senadores são lideranças reconhecidas nacionalmente. Não é o nível de escolaridade que determina a qualidade do debate, mas o nível político.
Quase metade enfrenta pendências judiciais
A sombra da corrupção, porém, se estende sobre ambos os parlamentos. Não bastasse 48% dos senadores terem pendências com a Justiça, conforme levantamento de ZH, entre os representantes há nomes como Delcídio Amaral (sem partido-MS) e Ivo Cassol (PP-RO).
Delcídio foi o primeiro senador preso desde a redemocratização em razão da Lava-Jato, e Cassol já foi condenado a quatro anos e oito meses de prisão por fraude em licitações. Ele continua solto por ter recorrido ao Supremo Tribunal Federal e adiado a execução da sentença.
Para Ana Amélia, as ações ou inquéritos judiciais não tiram a legitimidade da avaliação sobre o impeachment:
– Enquanto não tiverem condenação, qual o problema? Se forem denunciados, julgados e considerados inocentes, essa questão cai por terra.
Cristovam Buarque sente-se menos confortável com as suspeitas que recaem sobre quase a metade de seus colegas:
– É um constrangimento.
"O Senado parece estar cumprindo uma formalidade", diz doutor em Ciência Política
Apesar da imprevisibilidade da votação que decidirá quanto ao afastamento definitivo de Dilma Rousseff, o Senado cumpre mera formalidade no rito do impeachment frente à eminente abertura do processo. A avaliação é do doutor em Ciência Política Fabricio Ricardo de Limas Tomio, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O especialista avalia como improvável o retorno de Dilma ao cargo caso ocorra o afastamento temporário, mas ressalta que a decisão final sofrerá influência de fatores externos, como o desempenho do governo interino e o andamento da Operação Lava-Jato. O professor, que coordena o Grupo de Pesquisa de Instituições Políticas e Processo Legislativo da UFPR, vê nos senadores um perfil político mais experiente que o dos deputados federais –o que deve tornar o debate "mais formal" nos próximos meses.
Chamou a atenção a baixa qualidade do debate durante a votação do processo de impeachment na Câmara. No Senado será diferente?
O Senado parece mais formal, também porque a situação parece já estar "resolvida". Até a definição da maioria qualificada na Câmara, não se sabia qual seria o resultado da tramitação do processo de impeachment. Enquanto, o Senado parece estar cumprindo uma formalidade. Todos sabem o que irá acontecer, portanto, ninguém – ou poucos – precisam elevar os ânimos. Se tudo correr como espera a maioria constituída hoje, o processo deve tramitar com menos alarde. Até porque, se houver muito alarde, causará impacto no governo interino. Certamente, a minoria tentará fazer o contrário e passará a adotar o papel da oposição anteriormente.
O perfil dos integrantes do Senado pode ser considerado mais qualificado do que o dos da parlamentares da Câmara?
Os senadores são, geralmente, políticos com histórico maior, mais velhos. Muitos são senadores há muitos mandatos ou já foram governadores, ou seja, têm uma experiência política muito maior. Claro que existem neófitos, mas são poucos. Ao contrário da Câmara, onde uma parcela razoável dos deputados têm, no máximo, dois mandatos.
O Senado adota uma postura mais responsável em relação ao impeachment?
Não sei se mais responsável, mas é como se estivesse dando prosseguimento a um desfecho já conhecido, no qual serão seguidos todos os trâmites e formalidades até a recepção do processo de impeachment. Agora, o que irá acontecer nos meses seguintes, enquanto ocorre o julgamento depois do afastamento temporário, não se sabe como será.
Como o Senado irá se comportar, caso a comissão e o plenário aprovem o processo, até a votação da cassação definitiva da presidente? Uma vitória de Dilma é possível?
A possibilidade existe, mas seria muito difícil que a presidente retornasse ao governo após o afastamento. Mas, o que irá acontecer nos próximos meses, no que diz respeito à condução do governo interino e no funcionamento dos inquéritos judiciais, como a Lava-Jato, pode alterar significativamente o resultado. Vivemos um cenário de imprevisibilidade e insegurança para todos os atores.
O fato de 13 senadores serem investigados na Lava-Jato e de pelo menos 39 responderem a processos na Justiça não tira a legitimidade dos senadores para julgar Dilma?
O discurso de quem provavelmente será removido é esse. Não é diferente do cenário da Câmara. Do ponto de vista formal, estão todos revestidos dos poderes que têm. O fato de serem processados ou estarem sob inquérito torna essa situação política ainda mais delicada, mas não impede que eles atuem dentro das suas funções enquanto não forem afastados.