Temido pelos advogados da Operação Lava-Jato, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região terá um protagonismo ainda maior nos próximos julgamentos do escândalo da Petrobras. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu a execução de pena em segunda instância, os réus que tiverem decisão condenatória mantida pelos desembargadores irão automaticamente para a cadeia. Atualmente, estão em curso no TRF da 4ª Região 13 apelações criminais (quando o réu tenta reverter condenação de primeiro grau), cuja apreciação deve ocorrer ainda neste ano - 10 das 13 envolvem 44 réus.
O grau de severidade da Corte sediada em Porto Alegre pode ser aferido pelos resultados dos julgamentos de habeas corpus analisados até agora no âmbito da Lava-Jato. Dos 287 recursos encaminhados à Corte, 199 são pedidos de liberdade (habeas corpus) que chegaram à 8ª turma - onde as ações penais do caso são apreciadas -, e apenas um foi concedido.
A estatística do tribunal mostra um grau mínimo de sucesso obtido pelas defesas. O ex-diretor de Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, por exemplo, ingressou com 18 recursos sem obter êxito em nenhum. O mesmo ocorreu com o ex-presidente do Grupo Odebrecht Marcelo Odebrecht em 12 pedidos de reconsideração. O executivo está preso há mais de 250 dias.
- Não sofro pressões externas, sofro pressão pela própria responsabilidade da função que exerço. Agimos com tranquilidade e serenidade pelos critérios da legalidade e da justiça - diz o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator de todos os processos da Lava-Jato no tribunal.
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De acordo com Gebran, desde julho do ano passado, a 8ª turma já vinha proferindo decisões seguindo o mesmo entendimento do STF. O magistrado ressalta que a mudança na jurisprudência garantiu à Justiça brasileira a mesma eficácia na execução da pena da grande maioria dos países.
- Não há julgamento preconcebido na 8ª turma. O tribunal mantém as prisões que o juízo de primeiro grau considera imprescindíveis ao realizar o primeiro filtro - complementa o desembargador Leandro Paulsen, colega de turma de Gebran.
Na 13ª Vara Federal de Curitiba, primeira instância da Lava-jato, o juiz Sergio Moro já concluiu 16 ações penais. São 76 sentenças condenatórias para 62 réus (alguns foram condenados mais de uma vez), com penas que ultrapassaram 20 anos de cadeia. Até agora, o TRF da 4ª Região manteve oito dessas condenações, com apenas três casos de absolvição.
- Os desembargadores julgam com muito preparo, convicção e independência. Além disso, o tribunal tem muito prestígio. É um dos que têm menos decisões reformadas em instâncias superiores. A verdade é que vai ser muito difícil advogar na área criminal - admite o advogado Fábio Bittencourt da Rosa, ex-presidente do TRF da 4ª Região.
Além da severidade, a Corte é considerada ágil. A média de tempo de julgamento dos habeas corpus, incluindo os da Lava-Jato, é de 22 dias. Gebran afirma que a velocidade e o baixo índice de reforma nas decisões de primeira instância não significam excesso de rigor. À frente de um gabinete com 10 assessores e três estagiários, ele sustenta que todas as prisões têm sido mantidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, nos casos em que o Supremo não confirma as decisões, isso ocorre por questões pontuais específicas.
- Todos os gabinetes estão extremamente envolvidos e têm se dedicado muito para garantir a segurança e a qualidade dos julgamentos.
Segunda instância vira centro de tensão
Com cautela e discrição, algumas das maiores bancas de advocacia do país comentaram a importância que terão as decisões do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região à luz da nova jurisprudência do Supremo. Para os defensores, a execução de pena em segundo grau afronta a Constituição e pode resultar em prisão de inocentes.
- Quem relativiza a presunção de inocência, amanhã ou depois relativiza o flagrante. Isso cria insegurança jurídica enorme - diz, pedindo anonimato, um advogado com atuação em escândalos como o mensalão.
Será em Brasília, sede dos tribunais superiores, que os defensores tentarão reverter a prisão dos clientes condenados em segunda instância. Dono de um dos mais prestigiados escritórios de advocacia da Capital Federal, Eduardo Ferrão não tem clientes na Lava-Jato, mas acredita que eventual reforço nas equipes que atuam junto ao TRF da 4ª Região não garante eficácia aos recursos.
Procurador da República por 12 anos e um dos maiores especialistas do país em lavagem de dinheiro, o criminalista Luciano Feldens prevê "um centro de tensão":
- A condenação em segundo grau pode ter elementos fortes de que alguém cometeu crime, mas também há chances substanciais de que seja inocentado depois. Isso, agora, espalha o protagonismo dos tribunais superiores à segunda instância.
O Tribunal Regional Federal da 4º Região
A COMPOSIÇÃO
Com sede em Porto Alegre, tem jurisdição sobre Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. É composto por 27 desembargadores federais, nomeados pela Presidência da República. São 21 membros com origem na magistratura federal (escolhidos por antiguidade e por merecimento), três vindos do Ministério Público Federal e três da Ordem dos Advogados do Brasil. A aposentadoria é compulsória aos 75 anos.
OS RITOS
Os desembargadores julgam recursos em causas decididas por juízes federais de primeiro grau em ações que envolvam a União, autarquias e empresas públicas, e de decisões proferidas por juízes de direito em causas de matéria previdenciária, entre outras prerrogativas.
ORGANIZAÇÃO
Plenário
É constituído pelos 27 desembargadores, sob o comando do presidente do tribunal.
Corte especial
É constituída de 15 desembargadores, sob o comando do presidente do tribunal.
Seções
São quatro, presididas pelo vice-presidente do tribunal, com as seguinte competências:
1ª - tributária. Composta pela 1ª e 2ª turmas.
2ª - toda a matéria que não é da 1ª, 3ª e 4ª seções. Formada pelas 3ª e 4ª turmas.
3ª - previdenciária. Reúne a 5ª e a 6ª turma.
4ª - penal. Composta pelas 7ª e 8ª turmas.
Turmas
Três desembargadores que se revezam na presidência por um período de dois anos.
Quem julga
Os processos da Lava-Jato são julgados pelos três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, especializada em ações criminais. Saiba quem são eles.
João Pedro Gebran Neto - Curitibano, é formado pela Faculdade de Direito de Curitiba, com pós-graduação em Ciências Penais e Processuais Penais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestrado em Direito Constitucional, também pela UFPR. Juiz federal desde 1993, ingressou no TRF da 4ª Região em dezembro de 2013.
Victor Luiz dos Santos Laus - Nascido em Joaçaba (SC), é formado em Direito pela UFSC. Trabalhou como promotor de Justiça antes de assumir o cargo de procurador da República, no qual atuou por 10 anos. Em 2002, assumiu a vaga de desembargador do TRF da 4ª Região destinada ao Ministério Público Federal.
Leandro Paulsen - Natural de Porto Alegre, é formado em Direito pela PUCRS. É mestre em Direito do Estado e Teoria do Direito pela UFRGS e doutor em Direitos e Garantias do Contribuinte pela Universidade de Salamanca, na Espanha. Ingressou no TRF da 4ª Região em dezembro de 2013.
As 16 Ações Penais da Lava-Jato já concluídas
1) A origem do esquema
Na primeira ação penal da Lava-Jato, a Polícia Federal (PF) apurava a ação de doleiros que usavam o Posto da Torre, em Brasília, para lavar dinheiro do tráfico de drogas - daí o nome da Operação Lava-Jato. A PF deparou com um mega-esquema criminoso envolvendo políticos, empreiteiras e funcionários da Petrobras.
2) A refinaria da corrupção
A ação comprovou fraudes nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Ainda descobriu ao menos 20 operações de lavagem de dinheiro, no montante de R$ 18,6 milhões de 2009 a 2012.
3) Lavanderia internacional
Centrada no grupo comandado por Nelma Kodama, uma das doleiras usadas por Alberto Youssef, que movimentou ilegalmente US$ 5,2 milhões entre 2013.
4) O legado Janene
Um dos réus do mensalão, o ex-deputado José Janene (PP) era vinculado ao grupo de Youssef. Esta ação penal condenou quatro pessoas por lavagem de dinheiro de R$ 1,16 milhão que pertencia a Janene, morto em 2010, por meio de investimentos na empresa Dunel Indústria, de Londrina.
5) As empresas do doleiro
A ação identificou a simulação de contratos entre a Engevix Engenharia e empresas de Youssef para repassar propina de licitações da Petrobras ao ex-diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa.
6) Clube das empreiteiras
O presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, e quatro executivos da empreiteira, foram condenados por integrar um "clube" de empresas que fraudavam contratos da Petrobras. O grupo foi considerado culpado de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, uso de documento falso, falsidade ideológica e pertencimento à organização criminosa.
7) Refinando fraudes
A ação condenou a cúpula da Queiroz Galvão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa por fraudes envolvendo refinarias da Petrobras.
8) Obras do suborno
Na mais elevada pena a um empreiteiro da Lava-Jato, Sergio Cunha Mendes, da Mendes Júnior, foi condenado a 19 anos de prisão. Ele e dois executivos da empresa foram considerados culpados por pagar suborno em cinco obras da Petrobras, como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e a refinaria de Paulínia (SP).
9) Desvios em Pernambuco
Três integrantes da cúpula da empreiteira Camargo Corrêa foram condenados por corrupção ativa e lavagem de dinheiro em obras da Refinaria Abreu e Lima. Dois dos executivos fizeram delação premiada e tiveram a pena diminuída.
10) Prospectando propina
A Justiça demonstrou que Fernando Baiano e Nestor Cerveró, ex-diretor de Internacional da Petrobras, receberam US$ 40 milhões para intermediar a contratação de navios-sonda pela petrolífera. O pagamento da propina era feito por Júlio Camargo, ex-consultor da empresa Toyo Setal, e delator da Lava-Jato.
11) Ostentação em Ipanema
Gerou a primeira condenação de Cerveró, por ter adquirido apartamento de luxo em Ipanema, no Rio. Ele teria pago R$ 7,5 milhões pelo imóvel, sequestrado pelo juiz Sergio Moro por ter sido adquirido "com produto de crimes de corrupção".
12) Que país é este?
A ação condenou o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, por cobrar suborno em contratos na Petrobras. Entre 2008 e 2010, o partido teria recebido R$ 4,26 milhões em propinas travestidas de doações eleitorais. Neste processo, o ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, que havia perguntado "Que país é este?" na primeira vez que foi preso, também foi condenado a 20 anos e oito meses, a maior pena da Lava-Jato.
13) Mensaleiro reincidente
Condenado no mensalão, o ex-deputado Pedro Corrêa (PP) voltou a ser preso, desta vez por receber quase R$ 12 milhões desviados da Petrobras entre 2006 e 2012. Com 20 anos de reclusão, Corrêa recebeu a segunda maior pena da Lava-Jato.
14) Alcançando os políticos
Ex-vice-presidente da Câmara, o ex-deputado André Vargas (PT) foi o primeiro político condenado pela Lava-Jato - culpado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, por receber dinheiro para intermediar a contratação de serviços de publicidade para a Caixa e o Ministério da Saúde.
15) Maxipropina
O ex-deputado Luiz Argolo (Solidariedade) foi sentenciado a 11 anos de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, por receber mais de R$ 1,4 milhão, pago por empreiteiras com contratos na diretoria de Abastecimento da Petrobras. Na decisão, Moro disse que Argolo integrava esquema de "maxipropina".
16) Principado
Primeiro condenado pela Lava-Jato em 2016, o ex-diretor de Internacional da Petrobras Jorge Luiz Zelada pegou 12 anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Preso na Operação Mônaco, Zelada teve mais de 10 milhões de euros bloqueados em contas bancárias no principado.