Em quase quatro anos de legislatura, a maior bancada feminina da história da Câmara Municipal de Porto Alegre criou 18 leis em prol das mulheres. O número é fruto de levantamento realizado por Zero Hora a partir da atividade parlamentar das vereadoras, com base em dados disponibilizados pelo Portal da Transparência do Legislativo da Capital.
O grupo em questão tomou posse após a eleição de 2020, histórica por eleger o até então maior número de vereadoras desde a fundação do parlamento do município, em 1776. Naquele pleito, 11 das 36 vagas disponíveis para a Câmara foram conquistadas por mulheres — o que representou 30,5% de ocupação feminina.
O percentual deve aumentar em 2025: a eleição deste ano levará também 11 mulheres à Câmara, mas houve redução do número de vagas disponíveis, o que elevará a participação para 31,4%.
Ainda na atual legislatura, o índice histórico alcançado com o pleito de 2020 acabou por diminuir após a eleição seguinte. Eleitas vereadoras dois anos antes, Laura Sito (PT) e Bruna Rodrigues (PCdoB) elegeram-se deputadas estaduais no pleito de 2022 e trocaram a Câmara pela Assembleia Legislativa. Outra baixa foi Daiana Santos (PCdoB), que elegeu-se deputada federal, passando a atuar no Congresso Nacional.
Das três cadeiras que vagaram, apenas uma foi ocupada por suplente mulher: Abigail Pereira (PCdoB), que substitui Daiana Santos. Assim, a legislatura atual chegará ao fim com nove mulheres: Cláudia Araújo (PSD), Comandante Nádia (PL), Fernanda Barth (PL), Karen Santos (PSOL), Lourdes Sprenger (MDB), Mariana Pimentel (Republicanos), Mônica Leal (PP) e Tanise Sabino (MDB), integrantes do grupo eleito em 2020, e Abigail Pereira (PCdoB), que tomou posse no início de 2023.
Contando-se as vereadoras eleitas que permanecem no cargo, as que deixaram o legislativo municipal e a vereadora empossada por suplência, foram 12 as parlamentares mulheres que atuaram na Câmara ao longo deste ciclo. O levantamento não considerou parlamentares que estiveram no legislativo por curtos períodos de tempo, durante licença de outros vereadores.
Representação garantiu mais direitos para as mulheres
O quórum feminino na Câmara Municipal é celebrado pela advogada Denise Dora, diretora da Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos. A especialista frisa que, dos quase 530 anos de história do Brasil, somente em pouco mais de 90 as mulheres puderam votar.
Quanto às candidaturas femininas, a janela temporal se reduz para as últimas três décadas, pós-Constituição de 1988, período em que um número mais expressivo de mulheres passou a se candidatar.
— Em termos de história, esses movimentos são muito recentes. Por isso, quando mulheres se candidatam e são eleitas, há um elemento representativo muito importante, sobretudo em uma cidade como Porto Alegre, que tem 53,99% da população formada por mulheres (conforme o Censo de 2022). A Câmara Municipal deveria ter ao menos 53% de parlamentares mulheres, pois esse é o critério representativo da sociedade. Ainda assim, o crescimento que estamos conseguindo é muito significativo. Se essa ocupação já resultou em novas leis, imagina se o cenário fosse de equidade — afirma Dora.
O levantamento realizado por Zero Hora demonstra que, juntas, as 12 parlamentares apresentaram 188 propostas, entre projetos de lei e projetos de lei complementar, que foram aprovadas e se tornaram legislação oficial. O recorte temporal analisado foi do início da legislatura, em janeiro de 2021, até setembro de 2024.
Dentre as leis aprovadas pelas parlamentares nesse período, são 18 as que garantem algum tipo de direito e/ou trazem benefícios às mulheres – o que representa 9,5% dos projetos de autoria delas que obtiveram aprovação.
No entendimento da cientista política Teresa Sacchet, professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o percentual pode soar pouco expressivo ao primeiro olhar. Porém, conforme ela, há fatores que devem ser ponderados ao analisar a atividade parlamentar de legisladoras mulheres. O primeiro diz respeito, justamente, ao que se espera de tais mandatos.
— Há sempre uma expectativa de que as mulheres legislem para as mulheres, porém, o parlamento é um lugar de debate político sobre diversas questões, nas quais elas também estarão envolvidas. Apesar de ser esperado que as parlamentares pensem políticas em prol das mulheres e que a tendência seja de que isso realmente ocorra, elas não podem ser colocadas em um lugar de cobrança — analisa.
A cientista política também destaca outros dois pontos a serem considerados: as bandeiras com as quais cada parlamentar se elege, que acabam por pautar o enfoque dos mandatos, e a ideologia política e partidária de cada uma, que também tem forte influência na postura parlamentar.
No escopo da bancada feminina da Câmara Municipal de Porto Alegre, por exemplo, há vereadoras alinhadas a diferentes espectros políticos e que legislam em prol de bandeiras diversas, da causa animal aos direitos da população LGBTQ+.
Há de se ponderar, ainda, que o atual ciclo legislativo foi marcado pela pandemia de covid-19 e, mais recentemente, pela enchente que atingiu diversos bairros da capital gaúcha, temas que também pautaram os mandatos.
— Entendendo os atravessamentos, vejo como muito positiva a atuação desta bancada. A gente tende a focar nos limites e nos problemas, mas é importante destacar aquilo que demonstra como ter mais representatividade feminina na política pode fazer uma grande diferença — avalia a cientista política.
Advogada que está à frente de um escritório especializado em direitos das mulheres, Gabriela Souza também considera que importantes conquistas foram asseguradas pelas novas legislações municipais pautadas pelas vereadoras.
São incrementos como a Lei nº 13.531, de 7 de julho de 2023, que "assegura às mulheres de baixa renda e vítimas de violência doméstica a prioridade em programas e serviços sociais do município de Porto Alegre", e a Lei nº 13.861, de 13 de março de 2024, que "garante acompanhamento psicológico a mulheres cujos filhos tenham sido vítimas fatais de crimes violentos".
Ainda assim, a especialista considera baixo o número de aprovações em projetos de autoria das vereadoras voltados à pauta da mulher:
— Se em quatro anos, com a maior representatividade da história, somente 18 das leis propostas pelas vereadoras dentro da perspectiva da mulher foram aprovadas, entendo que há um esforço para que não se crie legislações em prol das mulheres na cidade de Porto Alegre. Em um parlamento livre, sem assédio, sem violência de gênero e sem perseguição às legisladoras, acredito que esse número seria bem maior. Isso demonstra que, mesmo com o crescimento da ocupação feminina na Câmara, ainda é muito difícil legislar sobre a pauta das mulheres na nossa cidade.
Projetos ainda tramitam
Conforme os dados obtidos no levantamento realizado por Zero Hora, 36 propostas de autoria das vereadoras, que tocam em questões relativas à mulher, estão tramitando — algumas delas desde 2021, ano em que se iniciou a atual legislatura (conheça todos os projetos ao fim da reportagem).
Diretora da Themis, Denise Dora destaca a existência de "legislações fundamentais" entre as propostas que aguardam aprovação. São projetos como o PLL 070/23, que "estabelece a concessão de auxílio aluguel às mulheres vítimas de violência doméstica no Município de Porto Alegre"; o PLL 189/21, que "institui o programa municipal de fornecimento de absorventes higiênicos nas escolas municipais de Porto Alegre"; e o PLL 618/21, que "assegura a prioridade na distribuição das vagas das instituições de ensino de Educação Infantil – Etapa Creche localizadas no município de Porto Alegre para os filhos de mães solo".
Para a especialista, um dos obstáculos para o avanço das pautas está no fato de o parlamento ainda ser majoritariamente masculino.
— Quando as mulheres vão para esse espaço, sendo ainda uma minoria, e apresentam projetos de lei que dizem respeito a mais da metade da população da cidade, não necessariamente eles são bem recebidos. Ignorar projetos propostos por mulheres também é uma forma de diminuir a importância delas no parlamento — destaca a diretora da Themis.
— Há um jogo de manutenção de privilégios que está sempre em curso na política, pois cada cadeira a mais ocupada por uma mulher significa uma cadeira a menos ocupada por um homem — completa.
Já Gabriela Souza aponta que, para que se avance nas conquistas, é fundamental que a ocupação feminina no legislativo também avance. Contudo, na opinião da especialista, há necessidade de se avaliar o comprometimento das parlamentares com as pautas femininas:
— Dentro desse universo de 36 propostas ligadas às mulheres que tramitam, a grande maioria é incrível, mas também há projetos que, se aprovados, representarão grande retrocesso, mesmo tendo sido propostos por vereadoras. Isso mostra que não basta eleger mulheres: precisamos eleger mulheres que vão usar seus mandatos para avançar na proteção de suas iguais, não o contrário.