Região onde floresceu o município de Porto Alegre, o Centro Histórico busca há décadas superar problemas crônicos para dar vida nova a si mesmo. Nesta eleição, o futuro do bairro mobiliza propostas dos principais candidatos à prefeitura com a intenção de viabilizar esse renascimento.
O bairro concentra o maior número de furtos e roubos da Capital, com 2,2 mil ocorrências registradas entre janeiro e junho, e um elevado índice de moradias desocupadas — um estudo feito com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 30,5% dos domicílios da zona central estão vagos ou são usados ocasionalmente. Para reverter esse cenário, especialistas em urbanismo defendem que as estratégias a serem implantadas pelo poder público incluam itens como atração de novos moradores, revitalização de espaços públicos e reforço na segurança.
Para urbanistas e representantes de empreendedores, um dos pilares dessa recuperação é estimular um maior número de pessoas a morar na área. Um estudo do pesquisador do Observatório das Metrópoles André Augustin, ao cruzar informações preliminares do Censo de 2022, revela a existência de 7,8 mil domicílios não ocupados (vazios ou de uso eventual) no Centro Histórico — o que representa quase um terço do estoque de moradias no coração do município. Augustin explica que os números preliminares do Censo ainda não permitem diferenciar as residências vazias daquelas com utilização esporádica (a exemplo de casas de veraneio). O especialista acredita que, pela característica da região, a grande maioria esteja mesmo desabitada de forma permanente.
— O índice de domicílios não ocupados no Centro é quase o dobro da média geral da cidade, que fica em 18,7%. Considerados apenas os que estão vagos (sem incluir uso intermitente), são 14,7% — revela Augustin.
A seção gaúcha da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea-RS) defende a criação de políticas públicas de estímulo ao "retrofit" em edifícios subutilizados — prática que consiste em requalificar prédios já existentes alterando suas características originais a fim de adaptá-los a um novo uso, como transformar um antigo conjunto de escritórios em espaço residencial. A entidade mapeou 50 edificações vazias ou com pouco uso na região central, que somam 3.250 imóveis individuais favoráveis a esse tipo de intervenção.
— É uma solução que está na cara do gol. A prefeitura poderia reduzir taxas ou transferir potencial construtivo para projetos de retrofit. Em São Paulo, a prefeitura chega a custear até 25% da obra se cumprir critérios como sustentabilidade, se envolver patrimônio histórico ou habitação social, por exemplo — argumenta o diretor da Asbea-RS Vicente Brandão.
O arquiteto e urbanista Marcelo Arioli Heck, mestre e doutor em Planejamento Urbano e Regional, explica que a decadência da área teve início por volta da década de 1970 com o zoneamento da cidade estabelecido nos planos diretores — que reservaram atividades de comércio e cultura ao Centro. Como resultado, a zona perdeu habitantes e ficou sem vida após o horário comercial.
— A melhor saída é promover usos diversos, ter mais moradores, bares, indústria criativa, além de cuidar para termos um ambiente limpo, seguro, bem iluminado — complementa Heck.
Um dos desafios é voltar a atrair famílias
Conforme o diretor do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS) Kleber Sobrinho, uma das missões que deveriam ser encampadas pelo próximo prefeito ou prefeita é incentivar o retorno de famílias para morar no centro de Porto Alegre.
— O maior desafio, hoje, é reconectar as famílias ao Centro. Atualmente, as vendas de JKs e apartamentos de apenas um dormitório representam mais de 60% dos negócios no bairro. Em comparação, os imóveis de três dormitórios somam apenas 10%, principalmente por falta de demanda — analisa Sobrinho.
O diretor do Sinduscon afirma que a redução temporária de tributos é uma das formas de facilitar a reocupação de imóveis mais amplos.
— A redução do IPTU, por um período determinado, contribuiria para atrair quem quer comprar imóvel. Uma redução de ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) de 3% para 1%, por três anos, também fomentaria o mercado imobiliário — defende Sobrinho.
Melhorar a segurança pública é outra forma de renovar o interesse das famílias. Uma das razões para o alto número de furtos e roubos no bairro é que, embora menos de 40 mil pessoas vivam no Centro, mais de 400 mil costumam circular por suas ruas diariamente. Dados da Brigada Militar apontam que já houve redução de 26% nos furtos na comparação do primeiro semestre de 2023 com o mesmo período de 2024. Ainda assim, a localidade segue à frente no ranking municipal desse tipo de crime.
As propostas dos candidatos à prefeitura
O que dizem os concorrentes, dispostos em ordem alfabética:
Juliana Brizola (PDT)
Sabemos que o nosso Centro Histórico foi abandonado pela atual gestão. A população que vive e frequenta o Centro não aguenta mais a sensação de insegurança e a falta de atenção em todas as áreas. Temos um plano abrangente para revitalizar o Centro Histórico de Porto Alegre, focando em cinco eixos principais: segurança, economia, cultura, mobilidade e governança.
Nossas propostas incluem o aumento do efetivo da Guarda Municipal, integração das forças policiais e melhoria da iluminação pública para aumentar a segurança; incentivos para pequenas e médias empresas para fomentar a economia local; revitalização de museus e promoção de eventos culturais; diálogo com o governo federal para melhorar o serviço da Trensurb. E, com certeza, a valorização do nosso Mercado Público, que é o coração da região.
Segurança: aumento do efetivo da Guarda Municipal, integração das forças policiais (Guarda Municipal, Brigada Militar e Polícia Civil), instalação de câmeras de vigilância, melhoria da iluminação pública.
Economia: incentivos para pequenas e médias empresas, fomento ao comércio local, estímulo à economia criativa e inovação.
Cultura: revitalização e promoção dos museus da região, incentivo a eventos culturais e artísticos no Centro Histórico.
Mobilidade: diálogo com o governo federal para retomada mais rápida do serviço da Trensurb, melhoria do transporte público para facilitar o acesso ao Centro.
Governança: adoção de um modelo de governo baseado no diálogo com diferentes setores da sociedade para implementar as mudanças necessárias.
Maria do Rosário (PT)
O Centro Histórico é o coração da cidade e o seu cartão de visita, sendo ponto de encontro de toda a Porto Alegre. Espaço popular, diverso e democrático, deve ser otimizado como local de moradia, passagem, negócios, compras, entretenimento e cultura. Será cuidado e potencializado. Vamos recuperar as calçadas e ruas, garantir acessibilidade e definir espaços para rodagem de bikes e patinetes. Vamos fortalecer a mobilidade urbana, melhorando pontos de embarque e favorecendo os pedestres no acesso aos comércios. Ampliaremos o transporte, com horários noturnos. Vamos buscar investimentos para reconstrução e melhorias da rodoviária.
O Mercado Público terá atenção especial, com uma administração baseada no diálogo e na construção coletiva com os mercadeiros e a sociedade civil. Para garantir segurança, investiremos em equipamentos, capacitação e novo concurso para ampliar a atuação da Guarda Municipal, em conjunto com outras forças de segurança, além de medidas para combater o comércio de celulares furtados. Vamos criar uma política integrada para resgatar as pessoas em situação de rua, implantar programas de acolhida e desenvolvimento de condições para reconstrução de seus projetos de vida e recuperação da saúde.
No turismo, apoiaremos iniciativas culturais, promovendo um calendário de atrações, além de prestigiar a tradição cervejeira, nos colocando como destino cultural, ecológico e gastronômico, buscando o título de cidade verde e da gastronomia criativa pela Unesco. Criaremos eventos culturais nos espaços públicos, além de abrir espaços da cultura.
Sebastião Melo (MDB)
O Centro Histórico passa por uma significativa transformação com o programa Centro+, que traz investimentos públicos e incentivos para atrair empreendimentos, visitantes e novos moradores. As obras no Quadrilátero Central atingiram 86% de execução. A Usina do Gasômetro está de cara nova na parte externa, enquanto a qualificação interna se aproxima da conclusão. O Viaduto Otávio Rocha está passando por uma reforma abrangente, que inclui infraestrutura e revestimentos, com um investimento de R$ 13,7 milhões. O segundo piso do Mercado Público foi reaberto e qualificado, e a demolição do Esqueletão, uma antiga estrutura inacabada, teve início sob iniciativa da prefeitura. O Muro da Mauá também foi repaginado e está mais bonito.
Nos próximos anos, o foco será concluir a revitalização do Paço Municipal, que se transformará no Museu de Arte de Porto Alegre. Além disso, a gestão pretende avançar nas parcerias para a administração de equipamentos como a Usina do Gasômetro, a Confeitaria Rocco, o Viaduto Otávio Rocha e os sanitários públicos. A aprovação do financiamento do Centro +4D permitirá a realização de obras de requalificação em vias, praças, espaços públicos e no patrimônio histórico no Centro e no 4º Distrito.
Também está previsto investimento em obras de macrodrenagem e sistemas de proteção. Outro compromisso é a construção da Alça da Conceição e a revitalização de calçadas e fontes, visando a um ambiente mais acolhedor e acessível. A segurança será reforçada com a instalação de mais totens e uma base da Guarda Municipal que já está sendo instalada do Largo Glênio Peres.