É falso que o jornalista Matthew Tyrmand tenha provado, em um programa da Fox News, dos Estados Unidos, a interferência do governo de Joe Biden, presidente norte-americano, na eleição brasileira.
A participação de Tyrmand na atração é repleta de alegações falsas e enganosas e tem um tom opinativo, com claro desconhecimento do funcionamento do sistema eleitoral no Brasil. O programa é apresentado pelo jornalista Tucker Carlson, conhecido nos Estados Unidos por ser um propagador de políticas anti-imigração e apoiador de supremacistas brancos.
Conteúdo investigado: publicações no Twitter e no Instagram de uma denúncia sem provas feita em um programa da Fox News, canal de notícias estadunidense. Nas postagens, alega-se que o jornalista Matthew Tyrmand demonstrou, na transmissão, provas da intervenção do governo de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, no processo eleitoral brasileiro em 2022.
Onde foi publicado: Twitter e Instagram.
Conclusão do Comprova: é falso que o jornalista Matthew Tyrmand provou que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, interferiu nas eleições brasileiras. A afirmação foi feita por Tyrmand durante o programa Tucker Carlson Tonight, no canal estadunidense Fox News. Tanto a emissora quanto o apresentador são notórios propagadores de desinformação nos Estados Unidos. Tucker Carlson, que dá nome ao programa, também é conhecido por apoiar supremacistas brancos e políticas anti-imigração.
A denúncia falsa de Tyrmand teria sido feita no programa que foi ao ar em 2 de novembro deste ano. A atração completa tem cerca de 40 minutos de duração. Em vários momentos, Carlson faz comentários sobre a eleição brasileira, alegando preocupações com a influência da China no continente americano, em razão dos líderes de esquerda eleitos recentemente, caso de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A participação de Tyrmand ocorreu no último bloco da atração e durou menos de três minutos. Tucker Carlson alega que o jornalista provaria a interferência do governo americano no pleito brasileiro. Mas, sem provas, Tyrmand cita uma série de decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a vinda de um diretor da CIA (serviço de inteligência americano) ao Brasil, em março deste ano, e uma suposta “censura de qualquer um que discorde do resultado das eleições”.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: a publicação no Instagram foi excluída. No dia 4 de novembro, ela tinha 584 mil visualizações, 46 mil curtidas e 745 comentários. No Twitter, eram 42,2 mil curtidas, 12 mil compartilhamentos e 404 comentários.
O que diz o responsável pela publicação: fizemos contato com o perfil usado pelo blogueiro Allan dos Santos para publicar a peça de desinformação no Instagram. Até o fechamento do texto, ele não havia retornado. O perfil que fez a postagem no Twitter não permitia o envio de mensagens.
Como verificamos: primeiramente, procuramos pelo site da Fox News para verificar se o programa citado nas postagens realmente existia. O Tucker Carlson Tonight é um programa diário do canal americano, apresentado pelo jornalista que dá nome à atração. O Comprova, então, encontrou trechos do programa no site da Fox News, inclusive, um vídeo em que Carlson comenta as eleições brasileiras.
Entretanto, o trecho específico usado nas peças de desinformação foi encontrado no YouTube, no canal DVD News, que disponibiliza diversos programas da Fox News na íntegra. O trecho relacionado à captura de tela usada nas peças de desinformação começa aos 30 minutos da atração.
Ainda procuramos informações sobre o apresentador Tucker Carlson, conhecido nos Estados Unidos como um defensor de supremacistas brancos, tendo simpatia de líderes da Ku Klux Kan (KKK). Carlson também é notório apoiador de políticas anti-imigração.
O jornalista que fez a denúncia sem provas no programa é Matthew Tyrmand. O Comprova encontrou o perfil oficial dele no Twitter, onde tem compartilhado participações em atrações relacionadas à extrema-direita americana, como um programa apresentado por Steve Bannon, ex-assessor de Donald Trump, que foi condenado recentemente a quatro meses de prisão por se recusar a cooperar com os legisladores que investigavam o ataque ao Capitólio dos Estados Unidos em janeiro de 2021. Atualmente, Bannon responde em liberdade.
Por fim, entramos em contato com o perfil de Allan dos Santos, conhecido por disseminar desinformação nas redes sociais e com seguidas suspensões de perfis. Allan afirma na descrição da conta em que foi publicada a peça de desinformação que este é seu 17º perfil no Instagram. Nos stories que estavam no ar entre os dias 2 e 3 de outubro, ele convoca seguidores para uma 18ª conta, pois a atual “será derrubada”. Allan não respondeu aos questionamentos do Comprova. O perfil no Twitter que republicou a alegação não permite o envio de mensagens diretas.
Não há provas da suposta denúncia
O tom da postagem verificada é alarmista e sugere fraude nas eleições presidenciais brasileiras em 2022. No entanto, não há, no comentário de Tyrmand, qualquer prova de irregularidade no pleito. Os comentários dele e de Tucker Carlson sobre acontecimentos recentes no Brasil são opinativos e baseados em especulações. O programa Tucker Carlson Tonight foi exibido na Fox News, no dia 2 de novembro.
Para Carlson e Tyrmand, a interferência norte-americana nas eleições brasileiras se refere ao fato de o governo Biden ter “pressionado o presidente Jair Bolsonaro (PL) a aceitar o resultado da eleição antes de elas terem acontecido”, inclusive com o envio do agente da CIA William Burns ao Brasil (CNN Brasil e Folha de S.Paulo) em julho de 2021.
Eles ainda questionam o silêncio da administração Biden diante do que chamam de “atos de censura contra apoiadores de Bolsonaro”, que estariam tendo posts removidos e contas suspensas nas mídias sociais, por, em tese, lançarem dúvidas sobre o resultado das eleições presidenciais no Brasil.
Carlson mostra imagens de um protesto no Rio de Janeiro e diz que a liberdade de expressão e a democracia no país estão ameaçadas com o apoio da CIA e das big techs (as empresas de mídias sociais). No entanto, tanto ele quanto Tyrmand não apresentam provas de fraude nas eleições e não citam o caráter antidemocrático das manifestações, com bloqueios em estradas e pedidos de intervenção militar no país (Folha de S.Paulo, CNN Brasil, O Globo, UOL, Agência Brasil).
Quem é o apresentador Tucker Carlson?
Tucker Carlson é o âncora do programa Tucker Carlson Tonight, que vai ao ar às quartas-feiras, às 20h, na Fox News. Segundo reportagem do UOL, Carlson é considerado um dos maiores nomes do conservadorismo na mídia norte-americana. Carlson ingressou na Fox News em 2009 e estreou com um programa próprio em novembro de 2016, no mesmo mês da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos.
De acordo com o The Guardian, Carlson passou a ser um dos principais representantes do conservadorismo de extrema-direita, sendo defensor de pautas anti-imigração e da supremacia branca. Em seu programa, costuma propagar teorias da conspiração: hipóteses especulativas, sem base em provas, sobre organizações ou ações secretas coordenadas para acobertar um evento.
Uma das teorias que propaga é a “great replacement theory” (teoria da grande substituição, em tradução livre), que afirma serem as políticas de imigração, especialmente aquelas voltadas para a população não branca, um plano estratégico para minar ou substituir o poder político e a cultura da civilização branca ocidental. Segundo artigo no The Washington Post, a ideia foi propagada em mais de 400 episódios de seu programa desde 2016, de acordo com levantamento do The New York Times.
Em relação aos Estados Unidos, Carlson usa a teoria para alegar que a elite esquerdista, que ele associa ao partido Democrata, busca remodelar o perfil do eleitorado norte-americano a partir da imigração, como cita texto do UOL. A matéria lembra, ainda, que Carlson acredita na existência de discriminação racial contra pessoas brancas e critica movimentos feministas.
Quem é Matthew Tyrmand?
Ele é um jornalista americano, de origem polonesa, baseado em Nova York. Ele é membro do Projeto Veritas, fundado em 2010 pelo ativista de extrema-direita James O’Keefe. Na página oficial do projeto, o Veritas se define como uma empresa jornalística sem fins lucrativos dedicada a investigar e expor corrupção, desonestidade, fraude e outras más condutas na administração pública e privada. No entanto, é conhecido pela disseminação de informações falsas e teorias da conspiração.
No Twitter, Tyrmand questiona o resultado das eleições no Brasil e compartilha posts de apoiadores bolsonaristas com o mesmo teor e ataques a Alexandre de Moraes, presidente do TSE, e a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito presidente do Brasil.
Em 3 de outubro, um dia após o primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, a Agência Pública publicou reportagem sobre declarações de membros da extrema-direita americana de que as eleições teriam sido fraudadas. A matéria reproduz afirmações de Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump, que chegou a ser condenado a quatro meses de prisão por se recusar a colaborar com as investigações da invasão do Capitólio, e de Tyrmand, feitas em um podcast naquele mesmo dia.
No podcast, Tyrmand alegou fraude nas eleições, mas sem apresentar provas.
— Houve uma fraude lá. Definitivamente, houve uma fraude lá — disse Tyrmand, segundo matéria da Agência Pública.
O americano respaldava suas alegações no fato de que Jair Bolsonaro liderou disputa nos primeiros momentos da apuração e que o Partido Liberal (PL), legenda a qual o presidente está filiado, teve bons resultados nas eleições para o Congresso Nacional.
No dia 2 de novembro, três dias após vitória de Lula no segundo turno, Tyrmand tuitou imagem de protesto antidemocrático no Rio e escreveu que os brasileiros pareciam não concordar que as eleições no Brasil tinham sido “justas, livres e confiáveis”, e afirmou que eles, brasileiros, não queriam ser governados por um “criminoso transnacional condenado”. A postagem foi retuitada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Por que investigamos: o Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. No atual momento, conteúdos que contêm desinformação sobre o atual presidente ou o eleito podem tumultuar a democracia.
Outras checagens sobre o tema: a Agência Lupa publicou, na quinta-feira (3), que a alegada interferência dos Estados Unidos na eleição brasileira não significa fraude. Verificações feitas pelo Comprova também já desmentiram alegações que colocaram em dúvida o processo eleitoral. É o caso do vídeo que insinuou fraude em Maceió; da publicação que inventou dados sobre cidades para alegar fraude eleitoral; e de contagem equivocada que sugere fraude na totalização dos votos.