Um dos temas de política ambiental mais polêmicos nos últimos anos no Estado, a aposta na exploração do abundante carvão mineral existente no subsolo gaúcho também coloca em lados opostos os dois candidatos a governador do Rio Grande do Sul.
Eduardo Leite (PSDB) defende que o Estado reduza o aproveitamento desse combustível ao longo dos anos, em oposição à proposta de Onyx Lorenzoni (PL) de aumentar a extração e o uso do produto do Rio Grande do Sul — que concentra cerca de 90% das reservas nacionais, mas enfrenta um cenário global de questionamentos a seus impactos ambientais. Os concorrentes ao Piratini mostram maior afinidade em relação a outros pontos cobrados pelo setor empresarial, como melhorias no processo de licenciamento ambiental, ou por ambientalistas, a exemplo de um maior apoio à agroecologia.
Uma das razões para o reaquecimento do debate sobre a matriz energética gaúcha foi o projeto, atualmente arquivado, de se abrir uma mina de carvão a céu aberto na Região Metropolitana, chamada Guaíba, sob responsabilidade da empresa Copelmi. A companhia apostava na evolução da tecnologia para prometer uma exploração com menos riscos ambientais, mas críticos da proposta lembravam que o cenário internacional caminha hoje para a redução no uso de combustíveis fósseis em favorecimento de fontes mais limpas.
Onyx propõe adotar "novas tecnologias sustentáveis" para converter o mineral em fertilizantes e reduzir o custo de produção agrícola e a dependência externa. O projeto da Copelmi, em um segundo momento, envolvia justamente a criação de um polo industrial que converteria o carvão em gás e permitiria a produção de insumos agrícolas. Eduardo Leite aponta que está em fase final de elaboração um termo de referência para contratar uma empresa que desenvolverá o Plano de Transição Energética Estadual. Na avaliação do tucano, "os combustíveis fósseis são finitos" e, por esse motivo, "devem ter seu uso otimizado e decrescente ao longo dos anos".
Hoje, perto de 80% da energia gerada no Estado vem de fontes renováveis, como água, sol ou vento. Mas um quinto dessa produção ainda tem origem em combustíveis fósseis, segundo dados apurados até março. GZH encaminhou às campanhas dos candidatos sete questões formuladas com auxílio de entidades empresariais e ambientais. Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda afirma que houve flexibilizações preocupantes nos níveis estadual e federal nos últimos anos:
— No Brasil e no Rio Grande do Sul, foi incentivada a entrada de mais venenos agrícolas, inclusive os que são proibidos em seus países de origem. Em relação à mineração e ao garimpo em terras indígenas, governos do Estado e da União, dos quais Leite e Onyx são signatários, respectivamente, foram completamente omissos ao não defender o meio ambiente e os povos originários, cada um em seu âmbito de governo.
Ambos os candidatos se comprometem a buscar desenvolvimento com sustentabilidade em caso de vitória. Já o Conselho de Meio Ambiente (Codema) da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) sugere a conciliação "das dimensões econômica, social e ambiental com estabilidade regulatória e clareza das normas". A entidade, por meio de nota, pede o "o aperfeiçoamento permanente dos processos e procedimentos (de licenciamento) para torná-los mais céleres", além de demonstrar preocupação com os custos para obtenção das autorizações, que a Fiergs aponta estarem entre as mais caras das regiões Sul e Sudeste.
Dados oficiais indicam que o prazo médio de licenciamento caiu de 256 dias, em 2018, para 128 neste ano. Não é simples comparar os valores cobrados, já que Estados como o Paraná incluem fatores variáveis no cálculo, como necessidade de pessoal envolvido nas análises e quantidade de viagens para inspeções. Apenas para se ter ideia das grandezas de valores, a tabela no site da Fepam indica a cobrança de R$ 53,9 mil para a análise de uma licença prévia de um empreendimento de grande porte e alto potencial poluidor, por exemplo. Em Santa Catarina, uma simulação de empreendimento com essas mesmas características resulta em um valor de R$ 5,7 mil.
Veja, a seguir, um resumo do posicionamento dos candidatos em relação a algumas das questões fundamentais da política ambiental no Rio Grande do Sul.
O que os candidatos pensam sobre gestão ambiental
As respostas encaminhadas pelas campanhas foram editadas para garantir sempre que possível um espaço similar aos dois candidatos, que aparecem em ordem alfabética:
Eixo da política ambiental
Eduardo Leite
"Iniciamos o governo em 2019 com o lema "desenvolver para proteger". Experimentamos e comprovamos que este é um caminho promissor. Avançamos no olhar concomitantemente por desenvolvimento e preservação, unindo as pastas de Meio Ambiente e Minas e Energia, e consolidamos a Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura. No mesmo sentido e avançando ainda mais, estamos praticando a transversalidade do Meio Ambiente com uma das principais atividades do Rio Grande do Sul, a agropecuária. No Avançar na Sustentabilidade, destinamos o maior valor dos últimos anos, R$ 193 milhões, para projetos divididos em quatro eixos: clima, energia, parques e água. Penso que o eixo da política ambiental proposta é a transversalidade (...). Nesse sentido, usamos como pano de fundo para todas as ações estratégicas as comunidades locais (...)."
Onyx Lorenzoni
"A sustentabilidade é um princípio básico a ser buscado, de forma transversal, por todas as políticas públicas, bem como pelas atividades empresariais, com o objetivo de garantir o uso racional destes recursos naturais sem comprometer o meio ambiente, preservando-os para as gerações futuras (...). Por intermédio do incentivo à inovação e tecnologia, o Rio Grande se tornará polo de ecoeficiência, que é uma estratégia que visa produzir mais com menos, reduzindo o uso de matéria-prima, proporcionando maior qualidade e valor agregado aos produtos, sem provocar impactos nocivos ao meio ambiente. Também se destacam as oportunidades geradas pelo novo mercado global de carbono e a bioeconomia, modelo de produção industrial baseado no uso de recursos biológicos, com o objetivo de oferecer soluções para a sustentabilidade dos sistemas de produção com vistas à substituição de recursos fósseis e não renováveis (...)."
Pretende alterar processo de licenciamento ambiental em vigor?
Eduardo Leite
"(...) Pretendemos avançar no tema da licença ambiental por compromisso, incluindo novas atividades e passando aos municípios a instrução e o sistema para emissão deste tipo de licenciamento. Para 49 atividades passíveis deste tipo de licenciamento, é possível que a licença seja emitida em 48 horas, sem prejuízo ao meio ambiente. Também estamos avaliando o prazo de validade das licenças de operação de cinco para 10 anos em algumas atividades, conforme legislação federal, o que foi possibilitado a partir da atualização do Código Estadual de Meio Ambiente, lei 15.434, sancionada em 2020 pelo então governador Eduardo Leite. Ainda estamos avançando sobre as definições das atividades licenciáveis e sobre o valor cobrado por licença. Importante ressaltar também que faremos o lançamento do edital do concurso da Fepam ainda no mês de novembro, com reposição de 56 técnicos (...)."
Onyx Lorenzoni
"Com certeza. Vamos modernizar, facilitar e desburocratizar o licenciamento ambiental e a outorga de uso de recursos hídricos. Atualmente há 3.677 processos de licenciamento para serem analisados pela Fepam, que, em média, analisa cerca de 600 processos por mês. Ou seja, em uma matemática simples, o tempo médio real para concessão de licença é de aproximadamente seis meses e não 110 dias como afirma meu adversário. Vamos estabelecer o prazo limite de 60 dias para análise. Vamos também ampliar o prazo de validade das licenças. A Resolução Conama 237/1997 possibilita que o prazo de validade em âmbito nacional possa ser de até 10 anos. No Rio Grande do Sul, entre Fepam e órgãos municipais, os prazos de validade de Licenças de Operação são de quatro ou cinco anos (...)."
Em contraponto, a Fepam, por meio de nota, esclarece que "o número de estoque não guarda relação direta com o tempo de análise, e o cálculo do tempo médio não pode ser realizado com matemática simples", e que há três anos o tempo médio de análise está abaixo de 150 dias.
Há planos para reduzir o valor das licenças ambientais no RS?
Eduardo Leite
"A Fepam não cobra taxas e sim ressarcimento de custos (...). A tabela de custos pagos pelos serviços técnicos foi instituída em meados de 2008 e é utilizada pela fundação até o momento. No entanto, a gestão da Fepam entende que essa metodologia deve ser aprimorada (...). A administração da instituição trabalha para concretizar a revisão dos valores por meio de um grupo de trabalho criado especialmente para tratar o tema."
Onyx Lorenzoni
"Vamos reduzir o custo para o licenciamento e agilizar a análise, utilizando os mesmos custos e parâmetros aplicados em Santa Catarina."
O Estado ainda deve explorar suas reservas de carvão?
Eduardo Leite
"(...) Existe uma realidade global que aponta para a necessidade de descarbonizar a geração de energia. É um compromisso real, do planeta, assumido como governo do Rio Grande do Sul, mas que também foi assumido pelo governo federal, de zerar as emissões de carbono até 2050. Não se trata de ser contra o carvão ou contra os empregos gerados por essa economia, mas de sabermos que temos que nos preparar para um futuro que se aproxima. A transição energética será com planejamento e diálogo, para que as cidades possam se preparar no longo prazo, buscando as melhores alternativas para este cenário global que aponta para a emissão cada vez menor de carbono. Entendemos que a transição energética já é uma constante no nosso olhar estratégico. Os combustíveis fósseis são finitos e por este motivo devem ter seu uso otimizado e decrescente ao longo dos anos (...)."
Onyx Lorenzoni
"Sim. Pretendemos manter e ampliar exploração do carvão mineral, em face das novas tecnologias sustentáveis existentes, para produzir fertilizantes e reduzir o custo da nossa produção agrícola e a dependência externa."
Como vê a possibilidade de exploração de energia eólica sobre águas internas como a Lagoa dos Patos?
Eduardo Leite
"(...) As lagoas certamente são ambientes potenciais, e no mercado eólico uma novidade, mas que necessita de avaliação técnica apurada. No Estado, trabalhamos com um zoneamento ambiental que traz as sensibilidades em termos de meio ambiente para nortear os investidores, e as lagoas não estão classificadas neste instrumento. A atualização deste estudo, conhecendo os anseios das prefeituras que fazem limite com as lagoas, da cadeia de pescadores e hidroviária, é premissa básica para pensarmos em instalação de aerogeradores. Não podemos nos manifestar em nenhum sentido sem segurança técnica para tal, mas o fato é que hoje temos muitas áreas e muitos projetos aptos a implantação nos ambientes já reconhecidos, terra e oceano. Não existe qualquer possibilidade de vendermos a Lagoa dos Patos para a iniciativa privada. O que está em discussão é a instalação, mediante concessão, de parques eólicos na Lagoa dos Patos, sem prejuízo aos pescadores ou às atividades pesqueiras e com possibilidade de arrecadação de recursos para investirmos na atividade."
Onyx Lorenzoni
"Embora tenha enorme potencial, o Rio Grande do Sul não consegue gerar toda a energia que consome. É necessário um grande esforço conjunto do Estado e da iniciativa privada para estimular o investimento neste setor. A energia eólica é a fonte mais promissora de desenvolvimento para o Estado no médio prazo (...). Sobre a exploração de energia eólica na Lagoa dos Patos, sou totalmente favorável. Tem um potencial enorme de geração de cerca de 25 gigawatts, que representa quase duas vezes a Usina de Itaipu. Porém temos que implementar com competência, responsabilidade e transparência. Não pode ser de qualquer jeito. Tem que ser feito estudo ambiental para não prejudicar outras atividades importantes ou prever compensações, como está no projeto nº 576/2021 de que regulamenta as eólicas offshore, que estabelece uma compensação ambiental. Também precisamos estimular a implantação de pequenas centrais hidrelétricas e usinas termoelétricas a partir do gás natural e biogás (...)."
Propostas para ajudar a combater mudanças climáticas
Eduardo Leite
"Não é de hoje que o Rio Grande do Sul se envolve com o tema. Desde 2010, uma série de regramentos vem aproximando o nosso Estado dos compromissos globais, confirmando que os entes subnacionais também têm um papel a cumprir neste desafio planetário. Foi com este intuito que estivemos na COP 26, em Glasgow, e assinamos os compromissos propostos pela Race to Zero, de zerar as emissões de carbono até 2050. O governo também comparece à COP 27 no Egito este ano. Desde 2021, intensificamos a mobilização, no sentido de criar uma estrutura institucional para respaldar nossas políticas. No início de 2022, reativamos o Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas. Também contratamos uma consultoria, a Mckinsey, para ajudar a estruturar o nosso projeto de Hidrogênio Verde, com o qual iremos transformar o Rio Grande do Sul em uma plataforma de produção sustentável. O calendário para 2023, caso vençamos a eleição, prevê a criação do mercado regulatório do carbono, do plano de ação estadual de mitigação e do plano de ação estadual de adaptação climática. Nossas ações preveem um expressivo investimento de R$ 115 milhões, dos quais R$ 20 milhões na realização de um balanço dos gases de efeito-estufa."
Onyx Lorenzoni
"Iremos incentivar projetos de reflorestamento, manejo adequado do solo e preservação das nascentes, com uso de tecnologias modernas, e atuar para que seja viabilizado aos agricultores gaúchos, assim como comunidades tradicionais e povos indígenas, o Pagamento pelos Serviços Ambientais (PSA) prestados em suas propriedades (...). O turismo ecológico também tem grande potencial a ser desenvolvido no nosso Estado, gerando renda e estimulando a preservação do ambiente. O investimento nos biocombustíveis representa uma grande oportunidade para o agro gaúcho e brasileiro em geral. Além do etanol, estimularemos a implantação de pequenas unidades de biodiesel, à base de milho e soja. Além de ser uma tecnologia limpa, o emprego do biodiesel no óleo diesel de petróleo polui menos o meio ambiente. Também incentivaremos a produção de biogás pelo fomento à implantação de pequenas usinas para aproveitamento dos dejetos de aves, gerando emprego e renda (...). Por intermédio do incentivo à inovação e tecnologia, o Rio Grande se tornará um polo da bioeconomia, modelo de produção industrial baseado no uso de recursos biológicos, com o objetivo de oferecer soluções para a sustentabilidade dos sistemas de produção com vistas à substituição de recursos fósseis e não renováveis."
Estímulo à produção agroecológica (sem agrotóxicos)
Eduardo Leite
"Defendemos a certificação do Estado para sistemas agroflorestais que respeitam boas práticas agronômicas e silvicultura, sem o uso de agroquímicos e adoção de boas práticas ambientais de manejo. Na última Expointer, o governo do Estado criou um grupo de trabalho transversal, reunindo Sema, Turismo e Agricultura, para criação da Câmara Técnica de Agroecologia do Estado, em que serão tratadas as políticas públicas de incentivo à cadeia dos orgânicos."
Onyx Lorenzoni
"Estimularemos a produção de alimentos orgânicos e a criação e ampliação de agroindústrias familiares, por meio de acesso a crédito orientado, e capacitação em gestão e inovação."