É enganoso que, em entrevista ao podcast Pilhado, no domingo (9), o presidente Jair Bolsonaro (PL) tenha afirmado que o ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB) seria seu ministro, em um eventual segundo mandato, e que o governo iria “confiscar a aposentadoria dos aposentados”. Bolsonaro estava, na verdade, sendo sarcástico e listando acusações infundadas feitas contra ele. O presidente negou qualquer convite a Collor, e não foi encontrada nenhuma evidência concreta e pública que o desminta.
Conteúdo investigado: tuíte que compartilha trecho de uma entrevista do presidente Jair Bolsonaro (PL), no qual ele diz que o ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB) será ministro, em um eventual segundo mandato, e que o governo vai “confiscar a aposentadoria dos aposentados”. A postagem é complementada por um segundo tuíte, no qual o autor pede aos seus seguidores que “chequem antes de baixar e repassar”.
Onde foi publicado: Twitter.
Conclusão do Comprova: é enganoso que, em entrevista ao podcast Pilhado, no domingo (9), o presidente Jair Bolsonaro tenha afirmado que o ex-presidente Fernando Collor de Mello seria seu ministro, em um eventual segundo mandato, e que o governo iria “confiscar a aposentadoria dos aposentados”.
A peça de desinformação foi publicada no Twitter pelo deputado André Janones (Avante-MG), que integra a campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele pegou um trecho descontextualizado de uma entrevista concedida por Bolsonaro ao podcast Pilhado e transmitida ao vivo no domingo (9).
Bolsonaro estava, na verdade, sendo sarcástico e listando acusações infundadas feitas contra ele, dentre as quais uma segundo a qual ele seria canibal. O presidente negou qualquer convite a Collor ao final da entrevista. O Comprova não encontrou nenhuma evidência concreta e pública que o desminta.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: o tuíte original recebeu mais de 41,5 mil interações, entre retuítes, curtidas e tuítes com comentários até a tarde de segunda-feira (10), quando ele foi excluído pelo próprio Janones, após o Comprova tentar contactá-lo. O tuíte complementar, em que o autor insiste em não se responsabilizar pela precisão do conteúdo, recebeu apenas 11,9 mil interações no mesmo período.
O que diz o autor da publicação: o Comprova entrou em contato com o autor do tuíte verificado, o deputado André Janones, por meio de sua assessoria pelo Whatsapp, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.
Como verificamos: ao pesquisar, no Twitter, pelas palavras-chave “Bolsonaro”, “Collor” e “ministro”, encontramos uma versão ampliada do vídeo compartilhado pelo tuíte verificado. Ela foi publicada pelo ex-secretário de Cultura e deputado eleito por São Paulo Mário Frias (PL). Também identificamos a versão completa do vídeo em questão no Youtube.
Ainda buscamos indícios do eventual convite que Bolsonaro teria feito a Collor ao pesquisar, no Google, pelas palavras-chave, “Bolsonaro”, “Collor” e “ministro”. Para refinar a pesquisa, procuramos apenas conteúdos que precedessem a entrevista, ou seja, publicados até 8 de outubro.
Também buscamos contato com o autor da publicação, o deputado André Janones, por meio de sua assessoria de imprensa pelo Whatsapp.
Trecho descontextualiza sarcasmo de Bolsonaro
A publicação de Janones, aqui verificada, distorceu um comentário sarcástico de Bolsonaro, no início da entrevista ao podcast Pilhado. Como mostra o contexto da fala, na versão original da entrevista, entre 3:26 e 4:15, o presidente estava, na verdade, listando acusações infundadas feitas contra ele.
“A esquerda faz muito bem esse trabalho. Agora estão falando duas coisas aí. Primeiro, que eu sou canibal. Pô, é f…, né? Aguentar um trem desse aí. E a outra é que o Collor vai ser ministro e nós vamos confiscar as aposentadorias dos aposentados. E jogam. É o tempo todo assim”, disse Bolsonaro.
Ao final da entrevista, um dos apresentadores, o influenciador Paulo Figueiredo, neto do último ditador do regime militar brasileiro, João Figueiredo, expôs o tuíte de Janones – o parlamentar publicou a peça de desinformação enquanto a entrevista ainda estava ocorrendo. Ao denunciar o deputado, Figueiredo pediu a Bolsonaro para desmentir a alegação.
“Não existe convite ao senhor Collor de Mello para ser ministro. Não existe convite, não existe. Iria convidá-lo para ser ministro, segundo o Janones, para confiscar o salário dos caras, para deixar os velhinhos sem aposentadoria, a senhorinha sem pensão. Que loucura é essa? Meu Deus do céu. Que loucura é essa?”, disse Bolsonaro.
Essa parte final da entrevista se passa entre 3:51:00 e 3:53:05 da versão original do vídeo, como publicada no canal do Pilhado no Youtube.
Ainda nesta segunda-feira (10), após o Comprova tentar contactá-lo via assessoria de imprensa, Janones deletou o tuíte verificado.
Não foi encontrada nenhuma evidência do suposto convite
Bolsonaro é aliado de Collor e a própria legenda do presidente, o PL, compôs a chapa do petebista ao governo de Alagoas, que acabou derrotada no primeiro turno, no dia 2 de outubro. Mesmo assim, Bolsonaro nunca deu nenhuma declaração, em registro público, afirmando que o convidou para compor seu governo em um eventual segundo mandato.
Plano de governo de Bolsonaro não prevê confisco
O plano de governo apresentado à Justiça Eleitoral pela campanha de reeleição de Bolsonaro não lista nenhuma mudança ou reforma na estrutura da previdência brasileira. O documento apenas afirma que, em eventual segundo mandato, o governo Bolsonaro “continuará e fortalecerá o aprimoramento do sistema previdenciário, com o objetivo de garantir a sustentabilidade financeira e a justiça social”.
Janones associa Bolsonaro a Collor e o confisco desde, pelo menos, 7 de outubro
Esta não é a primeira vez que Janones associa o presidente a Collor e ao confisco de pensões. Apenas no perfil dele no Twitter, o deputado publicou, pelo menos, sete tuítes com a peça de desinformação. O conteúdo mais antigo encontrado data de sexta-feira (7). Por meio da ferramenta de registro de conteúdos na internet Wayback Machine, o Comprova arquivou os tuítes para preservar a evidência caso Janones os delete de sua conta.
Em um desses tuítes, publicado no sábado (8), Janones compartilhou o print de uma suposta matéria jornalística com o título “Bolsonaro confirma que ex-presidente Collor será seu ministro em caso de vitória”. Neste caso, Janones usa do mesmo estratagema de sua postagem que distorce a entrevista de Bolsonaro ao Pilhado. Ele afirma estar repassando conteúdo cuja veracidade não seria conhecida: “alguém sabe se isso aqui é verdade?”.
O print mostra uma página diagramada aos moldes do site de notícias G1, da Globo. A agência de checagem de fatos Lupa desmentiu que o G1 tivesse publicado tal matéria.
O Comprova também encontrou um vídeo publicado no canal oficial de Janones, ainda no sábado (8), com o título “URGENTE AO VIVO: AUXÍLIO BRASIL, APOSENTADORIAS E PENSÕES PODEM SER CONFISCADAS!! ENTENDA:”. Nele, o deputado afirma: “o ex-presidente Fernando Collor de Mello, o Collor, tá voltando, como ministro da Previdência, muito provavelmente. E os benefícios que o povo brasileiro conquistou com tanta luta, como o Auxílio Brasil e talvez até mesmo as aposentadorias, as pensões, começam a correr risco, já que o Collor tem essa longa história de confiscar o dinheiro do povo brasileiro.”
O Comprova arquivou, por meio do Wayback Machine, esse vídeo também.
Quem é André Janones
Janones, de 38 anos, é deputado federal por Minas Gerais desde 2019, após se eleger ao Congresso, pela primeira vez, no ano anterior. Ele foi o terceiro candidato mais votado no estado, obtendo 178.660, ou 1,77%, dos votos válidos. Janones é conhecido por sua influência nas redes sociais – ele tem 7,9 milhões no Facebook. Assim, em sua reeleição neste ano, conseguiu 238.967, ou 2,13% dos votos válidos, sendo o segundo candidato à Câmara mais votado em Minas Gerais. Ele obteve 30.000 votos a mais que o terceiro colocado e só ficou atrás de Nikolas Ferreira (PL), que teve a maior votação da história do estado.
Antes de concorrer à reeleição, porém, Janones foi o candidato do seu partido, o Avante, à Presidência da República. A própria legenda oficializou a candidatura em 23 de julho. Na pesquisa Datafolha do final daquele mês, Janones tinha 1% das intenções de voto. O deputado desistiu da candidatura menos de duas semanas depois, em troca de apoiar Lula (PT) e integrar a campanha do ex-presidente nas redes sociais. Como descreveu a revista piauí, “ele atua com autonomia, mas também executa demandas da campanha petista”.
Sua atuação nas redes pela eleição de Lula já foi descrita por veículos de imprensa como “serviço sujo” (O Estado de S. Paulo) e “agressiva e ‘zoeira’” (G1). Ele também é comparado ao vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho 02 de Jair Bolsonaro e infame por disseminar desinformação e atacar rivais nas redes sociais. Nos bastidores do debate presidencial de 28 de agosto, nos estúdios da Band, em São Paulo, Janones provocou aliados de Bolsonaro e protagonizou uma briga com o ex-ministro bolsonarista e agora deputado eleito por São Paulo Ricardo Salles (PL).
Por que investigamos: o Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam na internet relacionados às eleições presidenciais de 2022, à pandemia e a políticas públicas do governo federal. O conteúdo aqui investigado atribui enganosamente o confisco de aposentadorias em caso da reeleição de Jair Bolsonaro. A desinformação é uma prática nociva à democracia, porque a população tem direito de fazer suas escolhas baseadas em conteúdos confiáveis.
Outras checagens sobre o tema: o site de notícias O Antagonista também desmentiu a publicação de Janones aqui verificada, enquanto que a agência de checagem de fatos Lupa denunciou outra peça de desinformação, citada aqui e compartilhada pelo deputado, que atribui ao G1 uma matéria associando Bolsonaro a Collor e ao confisco de pensões.
O Comprova já verificou conteúdos de desinformação que imputaram ao PT e ao candidato derrotado Ciro Gomes (PDT) o confisco de bens. Um vídeo falso afirmava que o confisco estaria previsto “no estatuto do PT”. Outra verificação apurou que são falsas as mensagens que circulam no WhatsApp dizendo que o PT tem um projeto de confisco da poupança e que ele será automaticamente aprovado caso o candidato do partido, Fernando Haddad (PT), ou mesmo Ciro, vencesse a eleição.