Candidatas mulheres aos cargos de deputado estadual e federal no Rio Grande do Sul nas eleições de 2022 têm, na média, menos da metade do patrimônio dos homens, mostram dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisados por GZH. O cenário contribui para aumentar a desigualdade na disputa, segundo cientistas políticos, uma vez que concorrentes podem investir dinheiro próprio na campanha desde a reforma eleitoral de 2017.
O levantamento foi feito com estatísticas informadas pelos candidatos até segunda-feira (22) e levou em conta a mediana dos valores, que exclui os números mais extremos para cima ou para baixo. Isto é, o cálculo foi usado para reduzir distorções causadas por patrimônios muito altos, de milionários, ou inexpressivos, de candidatos com menos posses.
A desigualdade patrimonial entre gêneros é maior para quem disputa uma vaga na Câmara dos Deputados. Mulheres que buscam ser eleitas deputadas federais têm, na média, quase um terço do patrimônio dos homens: eles possuem R$ 353 mil em bens, enquanto elas detêm cerca de R$ 130 mil.
Já na disputa para a Assembleia Legislativa, a discrepância é menor, mas ainda expressiva. Homens que concorrem a deputado estadual têm, na média, o dobro do patrimônio das mulheres – eles têm quase R$ 300 mil em bens, ante R$ 150 mil delas.
Professora de ciências sociais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora sobre a participação de mulheres na política, Clara Maria Araújo relaciona a grande diferença de patrimônio entre os que concorrem a deputado federal a um maior custo de uma campanha para a Câmara. A maior exigência de recursos atua como filtro para quem cogita a carreira em Brasília.
— É uma discrepância expressiva para uma campanha que exige mais esforços. Em geral, o custo de campanha para eleição federal é bem maior do que para estadual. O parlamento federal tem muito poder, para o bem e para o mal, e ter mulheres lá é muito importante — diz Clara.
Por lei, concorrentes a cargos públicos são obrigados a informar à Justiça Eleitoral seu patrimônio, sob pena de perda de cargo. Todavia, na prática, não há penalidade para quem não o fizer ou registrar incorretamente. Valores podem estar desatualizados, sem revelar a correção decorrente da inflação ou de rendimentos.
Há mais de 1,4 mil candidatos a deputado estadual e federal no Rio Grande do Sul, mas centenas não declaram nenhum patrimônio ao TSE – a análise, portanto, é apenas sobre 926 nomes que informaram seus bens.
A desigualdade financeira entre gêneros provoca ao menos dois prejuízos às mulheres na disputa, segundo Hannah Maruci Aflalo, doutoranda em ciência política na Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora em política e gênero e diretora da Tenda das Candidatas, projeto social que elaborou um guia para orientar a conduta feminina em campanhas.
O primeiro efeito é a menor verba em caixa a ser investida por candidatas na campanha. O tamanho do patrimônio acaba sendo uma vantagem na disputa eleitoral, já que cada indivíduo pode alocar até 10% de seus bens na corrida. Sendo, na média, mais ricos, homens podem injetar mais recursos no pleito – assim, conseguem viajar mais pelo Estado, contratar carros de som e pagar mais material para distribuição, por exemplo.
Percebemos que a desigualdade existe em toda a sociedade. Isso é transferido para a política e diz respeito não só ao patrimônio, mas também a acessos que são porta de entrada para a política
AUGUSTO NEFTALI DE OLIVEIRA
Professor de ciências sociais da PUCRS
O segundo efeito é o menor tempo disponível para dedicar à disputa eleitoral. Hannah cita o exemplo de mulheres com menos bens que não podem deixar de trabalhar ou de cuidar dos filhos para dar uma atenção exclusiva às eleições, e acabam fazendo da campanha uma tripla jornada de trabalho.
Segundo a pesquisadora, o fator financeiro se torna um gargalo para a maior presença feminina nos cargos políticos, mesmo sendo determinado por lei que partidos respeitem um percentual mínimo de 30% de candidaturas de mulheres.
— Por isso que não vemos os 30% de candidaturas se tornando 30% de eleitas. Teoricamente, a lei visa a derrubar a barreira, mas não está chegando da maneira que deveria — avalia Hannah.
A contagem em dobro é um estímulo, mas também pode funcionar como filtro entre mulheres. Partidos podem privilegiar mulheres que já foram testadas nas urnas ou celebridades, porque o que vai contar é a quantidade total dos votos obtidos por elas
CLARA MARIA ARAÚJO
Professora de ciências sociais na Uerj
A desigualdade de gênero na política é só mais uma expressão da desigualdade de gênero na sociedade como um todo, lembra Augusto Neftali de Oliveira, professor de ciências sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). A menor presença feminina é realidade nos cargos de liderança e se manifesta, também, na política.
— Percebemos que a desigualdade existe em toda a sociedade. Isso é transferido para a política e diz respeito não só ao patrimônio, mas também a acessos que são porta de entrada para a política — afirma o professor.
Uma das medidas criadas para estimular a candidatura feminina estabelece que os votos recebidos por mulheres nestas eleições serão contados em dobro para a distribuição de verba do Fundo Eleitoral. Para a professora da Uerj, medidas como essa são importantes, mas deixam uma incerteza em relação ao perfil das futuras eleitas:
— A contagem em dobro é um estímulo, mas também pode funcionar como filtro entre mulheres. Partidos podem privilegiar mulheres que já foram testadas nas urnas ou celebridades, porque o que vai contar é a quantidade total dos votos obtidos por elas — destaca Clara.
Riqueza é mais comum entre candidatos homens e já eleitos
Entre os 926 candidatos gaúchos que declararam patrimônio para as eleições deste ano, 143 são milionários, mas apenas 21 são mulheres. A maioria se concentra em sete partidos: PP, PL, União Brasil, MDB, PDT, PSDB e Republicanos.
Mais da metade (58%) dos 143 milionários já foi eleita para algum cargo público, o que indica que o maior patrimônio está relacionado à reeleição. A lista inclui nomes como Afonso Motta (PDT), Bibo Nunes (PL), Any Ortiz (Cidadania) e Silvana Covatti (PP).
O candidato mais rico do Rio Grande do Sul é Vilmar Lourenço (PP), candidato a deputado federal, com fortuna de R$ 32,4 milhões, que já foi eleito deputado estadual. No outro extremo, Professora Janete (PSB), concorrente a deputada estadual, declara ter apenas R$ 1 em conta corrente.
Os candidatos do PSTU têm a maior média de renda, mas o cálculo sofre distorção porque, diferentemente da maioria das siglas com dezenas de concorrentes, há apenas três candidatos que declararam bens: um apresenta R$ 2,5 milhões em patrimônio, outro informa R$ 832 mil e o terceiro, R$ 58 mil. Depois, aparece o PP, com média de R$ 539,2 mil em patrimônio.
De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, o dinheiro pode favorecer a disputa eleitoral. As medidas aprovadas para diminuir a diferença de gênero, como a exigência de 30% de candidatas mulheres por partido, contribuem para equalizar a disputa, mas não eliminam dificuldades para que a carreira política seja, de fato, uma possibilidade para as mulheres.
— É como se essa desigualdade estrutural do patrimônio e da renda influísse em como as mulheres vão se dispor a se candidatar ou não — finaliza Clara, socióloga na Uerj.