A pandemia de coronavírus e seus efeitos na saúde e na economia influenciaram na reeleição de prefeitos neste ano, segundo especialistas. Levantamento da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) aponta que, de 290 que tentaram recondução ao cargo, 209 obtiveram êxito e terão mais quatro anos de mandato, uma taxa de sucesso de 72%.
Em números absolutos, os mais de duas centenas de reeleitos de 2020 superam com folga os 115 de 2016 e os 152 de 2012. Em termos percentuais, dos 497 municípios, 23% passaram a ser liderados por prefeitos reconduzidos a partir da eleição de 2016. Em janeiro, o indicador subirá para 42%.
O número de gestores de segundo mandato consagrados neste ano ainda pode crescer para 214, dependendo de dois casos que estão sub judice e três candidatos que concorrem ao segundo turno em Pelotas, Canoas e Santa Maria.
– A pandemia criou um fenômeno que se chama jornada do herói. Gerou tendência de manutenção e continuidade para que se faça a gestão da saída da covid-19 e, principalmente, para a retomada da economia. Qual o recado? “Eu quero alguém que me defenda, não é hora de arriscar” – avalia Elis Radmann, diretora do Instituto de Pesquisas de Opinião (IPO).
Ela diz que a “jornada do herói” se materializou na figura de prefeitos que despertaram sentimento de união diante da ameaça, com medidas de auxílio social para os mais vulneráveis.
– O processo eleitoral foi curto e houve dificuldade para a oposição fazer campanha. Aos olhos da opinião pública, a ação do prefeito é movida pela saúde pública. Como o adversário faz política em cima disso? Ter a máquina na mão também pesou – diz o cientista político Carlos Borenstein.
Hoje já é possível afirmar que pelo menos 3,5 milhões de habitantes do Rio Grande do Sul terão como governantes locais prefeitos reeleitos, base que pode sofrer importante acréscimo a depender dos resultados de segundo turno de Canoas, Pelotas e Santa Maria.
Na análise de Elis, largaram fardados para a reeleição os prefeitos que tinham avaliação popular de ótimo e bom entre 30% e 50% da população:
– Quem atingiu esses patamares, estava preparado para receber voto de confiança do eleitor.
Políticos experientes que conhecem o Rio Grande do Sul tem opinião semelhante:
– Os prefeitos tiveram de estar em comunicação estreita em hora de insegurança. O prefeito teve de liderar o processo, houve aproximação e a população se sentiu mais segura – diz Guilherme Pasin, prefeito de Bento Gonçalves e vice-presidente estadual do PP.
O levantamento da Famurs considera só reeleitos de fato, mas os efeitos da pandemia em favor do continuísmo podem ser maiores se considerados os chefes de Executivo de segundo mandato que conseguiram eleger o sucessor. Casos de Pasin na Serra e de Marco Alba (MDB) em Gravataí, por exemplo.
Maré
Na disputa das legendas por hegemonia, o PP foi o que mais reelegeu prefeitos, com 66 — entre eles Leonardo Pascoal, em Esteio, que venceu com 85,5% dos votos válidos — seguido de perto pelo MDB, com 64.
– Com a pandemia, o pessoal fica mais conservador, sente dificuldade para fazer modificações – afirma Alceu Moreira, deputado federal e presidente estadual do MDB.
O presidente da Famurs e prefeito de Taquari, Maneco Hassen (PT), diz que, na dificuldade, a população escolheu a “experiência”. Maneco completará os oito anos de mandato em 2020 e seu partido apoiou o candidato que venceu, André Brito (PDT).
– Sabemos que ano que vem será difícil. A opção foi pelo voto de segurança – pontua Hassen.
Os analistas consultados pela reportagem ponderam que, apesar da confiança recebida agora, os reeleitos poderão ver virada de maré.
– Muitos saíram vitoriosos prometendo flexibilizar as medidas na pandemia. Se tivermos segunda onda e precisar de novas restrições, pode gerar desencanto e desgaste. Se o cenário econômico ficar ruim, como projetam alguns indicadores, será um grande desafio. São fatores que podem encurtar o período de trégua entre os eleitores e os eleitos e reeleitos – avalia Borenstein.
Analistas divergem sobre esgotamento dos “outsiders”
A reeleição de prefeitos no Rio Grande do Sul e os indicadores políticos e sociais que vêm a reboque do fenômeno mostram que a onda dos candidatos “outsiders”, que se apresentam como estranhos ao establishment, pode estar dando sinais de esgotamento.
O movimento ganhou força em 2016, quando nomes de fora da política tradicional conquistaram cidades Brasil afora, e atingiu seu ápice em 2018, com a eleição de Carlos Moisés (Santa Catarina), Wilson Witzel (Rio de Janeiro) e Romeu Zema (Minas Gerais) para governos estaduais. Desses, dois foram afastados dos cargos: Moisés e Witzel.
– A antipolítica acabou fracassando. Os eleitos que adotaram isso, em geral, não entregaram boas gestões. Criou-se certa desilusão em parcela da população quanto à capacidade de o outsider ser opção segura em período de incerteza na saúde pública e com ambiente de recessão – avalia o cientista político Carlos Borenstein.
Para Elis Radmann, diretora do Instituto de Pesquisas de Opinião (IPO), é cedo para se fazer análise sobre eventual derrocada da onda outsider. Ela entende que o momento histórico é “ímpar”, o que impede inclusive de se apontar qual a narrativa sairá preponderante do processo pandêmico.
– O que se viu foi a retomada da política de resultados. O eleitor diz o seguinte: quero alguém capacitado e que faça entregas. Está mais pragmático e menos ideológico. Pesa nisso o perfil do político experiente. Em 2022 e 2024, vamos ter maiores condições de analisar os outsiders – afirma Elis.
Serra
Caxias do Sul elegeu Daniel Guerra prefeito em 2016, nome que se apresentava como outsider. Após conflitos, seu vice-prefeito renunciou e Guerra, por fim, foi derrubado por impeachment. Nesta eleição, a população caxiense colocou no segundo turno o ex-prefeito Pepe Vargas (PT), que teve vantagem sobre o seu concorrente, e o ex-secretário municipal de Obras Adiló Didomenico (PSDB).
- Tanto o Pepe quanto o Adiló são pessoas conhecidas em Caxias. Neste momento de dificuldade, a avaliação de que o eleitor buscou alguém que retrate passado de pujança é uma leitura interessante - comenta Guilherme Pasin (PP), prefeito da cidade vizinha de Bento Gonçalves.