Concretizada em 2019, depois de 28 anos sem atualização, a renovação da planta de valores do IPTU de Porto Alegre volta ao centro das discussões na Capital, desta vez na voz dos candidatos que disputam o comando da prefeitura. Tanto Sebastião Melo (MDB) quanto Manuela D’Ávila (PCdoB) defendem a revisão de reajustes previstos e concordam em abrir mão de recursos para atenuar os efeitos da crise, mas ambas as propostas — ainda que tenham a simpatia da população — são alvo de dúvidas entre especialistas em finanças públicas e de preocupação na Secretaria Municipal da Fazenda.
Em debates e entrevistas, Manuela tem dito que pretende suspender o aumento do IPTU comercial, industrial e de serviços em 2021. Já Melo fala em cancelar todos os acréscimos a partir de 2022, do IPTU residencial e não residencial.
A renúncia de receitas, no caso de Manuela, não se limitaria a 2021, porque os reajustes são incrementais (aumento sobre aumento). Com a suspensão por um ano, a Fazenda estima que, até 2027, deixaria de arrecadar R$ 174,8 milhões. No caso de Melo, a abdicação seria maior, de R$ 554 milhões (veja os detalhes no fim do texto).
São valores importantes, considerando, por exemplo, o quanto a administração aplicou em investimentos (R$ 204,4 milhões) ou em assistência social (R$ 220,5 milhões) em 2019. E ainda mais quando se vislumbra os desafios financeiros no horizonte.
— Ninguém gosta de imposto, mas a prefeitura não pode simplesmente abrir mão desse dinheiro. Há muitos riscos pela frente. É um tiro no escuro — opina o economista Darcy Carvalho dos Santos, autor de um estudo sobre as contas de Porto Alegre.
Decididos a levar o intento adiante, Manuela e Melo argumentam que, ao revisar reajustes, ajudarão o setor produtivo a superar dificuldades, o que, em tese, se refletirá na retomada da economia e ampliará a arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS), equilibrando as perdas. Manuela sustenta que é possível arcar com o impacto de um ano de suspensão. Melo afirma que cancelar todos os aumentos a partir de 2022 é uma forma de acelerar a recuperação econômica.
Nós tomamos a decisão de solicitar ao prefeito que envie um projeto para que o IPTU comercial e industrial, o aumento que seria praticado no próximo ano, não se efetive. (...) Mas é só, eu repito, para o ano que vem, o IPTU relacionado ao comércio e a indústria. Ou seja, o setor de serviços que pode dinamizar a economia da cidade
MANUELA D'ÁVILA
Durante debate na Rádio Gaúcha no dia 18/11
Secretário municipal da Fazenda entre 1998 e 2000, na gestão de Raul Pont (PT), Odir Tonollier não tem tanta certeza disso. Na avaliação dele, o IPTU é “o menor dos impostos entre todos os que as empresas pagam” e ainda tem a vantagem de ser um “tributo cidadão”.
— É um imposto que estimula a cidadania, porque é transparente. O contribuinte se vê no direito de cobrar ações da prefeitura, o que é positivo. Além disso, no geral, esse tributo tem pouco impacto na atividade econômica. Eu seria muito cauteloso, se candidato fosse, ao pedir a redução ou revisão do IPTU. Não é um tema para se decidir no calor da campanha eleitoral — pondera Tonollier.
À frente da Fazenda na atual administração, Liziane Baum reforça as ressalvas e diz que alterações de última hora no IPTU 2021 — cujas guias começam a chegar aos contribuintes no início de dezembro — envolvem uma série de entraves, tanto legais e operacionais quanto financeiros.
— Não temos tempo hábil para fazer mudanças em dezembro. Seria totalmente inviável. Além disso, dependemos da receita do IPTU para o pagar em dia o 13º dos servidores e para fechar as contas no azul. Estamos contando com a antecipação de R$ 149 milhões, de quem paga antes para ganhar desconto — ressalta Liziane.
Eu vou propor, no dia 1º ou no dia 2 de janeiro, se for eleito prefeito, o cancelamento dos aumentos, tanto da área comercial como da área residencial, e não estamos fazendo isso com irresponsabilidade, porque você vai na Assis Brasil, na Bento, no Centro ou na Wenceslau e é vende-se, aluga-se, vende-se, aluga-se.
SEBASTIÃO MELO
Durante debate na Rádio Gaúcha no dia 18/11
Caso as modificações sejam adotadas apenas a partir de 2022, como sugere Melo, as dificuldades técnicas se reduziriam, mas a perspectiva de maior perda de arrecadação aflige especialistas. À frente do processo que resultou no novo IPTU, o economista e ex-secretário municipal da Fazenda Leonardo Busatto prevê problemas.
— Quando atualizamos a planta, fizemos justiça tributária. Suspender os aumentos em definitivo será dar um passo atrás, porque beneficiará donos de imóveis de maior valor (que voltarão a pagar menos). Sem contar que será preciso achar uma maneira de compensar a renúncia de receitas de forma permanente, porque quem vai pagar essa conta será quem mais precisa dos serviços da prefeitura. Não tem mágica — afirma Busatto.
Representantes de setores afetados pela crise discordam. Para o presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas), Paulo Kruse, as propostas de revisão são acertadas. Como os candidatos, ele afirma que os riscos à contabilidade municipal serão equalizados com a aceleração da economia.
— É importante que os aumentos sejam revistos neste momento de crise, porque surgiu um fato novo: a pandemia. Precisamos de um alívio nos impostos para evitar novos fechamentos e para voltar a gerar empregos. A situação está muito difícil e precisamos de toda e qualquer ajuda — reforça Kruse.
Os planos dos candidatos
Manuela D’Ávila (PCdoB)
Proposta
Suspender o reajuste do IPTU comercial, industrial e de serviços em 2021.
Como pretende fazer isso
No debate da Rádio Gaúcha, no último dia 18, Manuela disse que, se eleita, pedirá ao atual prefeito para que envie, ainda neste ano, projeto à Câmara de Vereadores solicitando a suspensão. Nelson Marchezan já havia se colocado à disposição
Impacto financeiro previsto
Em 2021, segundo a Secretaria Municipal da Fazenda, a prefeitura abriria mão de R$ 33,1 milhões. Haveria, ainda, efeito cascata posterior. Como as majorações do IPTU são incrementais (aumento sobre aumento), a suspensão em 2021 geraria renúncia de receitas acumuladas de R$ 174,8 milhões até 2027. Isso ocorreria porque, quando os reajustes fossem retomados, em 2022, seriam acrescidos sobre base menor.
Viabilidade
Para viabilizar a medida a tempo, Manuela teria de superar entraves legais e operacionais. Ainda que a candidata consiga aval rápido da Câmara e que a alteração seja incluída nas leis orçamentárias da prefeitura, a Fazenda já rodou o sistema do IPTU 2021. Os contribuintes começarão a receber as guias no início de dezembro, dias após a eleição.
Sebastião Melo (MDB)
Proposta
Cancelar todos os reajustes previstos no IPTU a partir de 2022, residenciais e não residenciais.
Como pretende fazer isso
No debate da Rádio Gaúcha, no último dia 18, Melo disse que não planeja pedir ao atual prefeito para enviar projeto de cancelamento à Câmara ainda neste ano. A intenção do candidato é fazer isso no início de janeiro, caso seja eleito.
Impacto financeiro previsto
Com o cancelamento geral dos reajustes previstos a partir de 2022, tanto do IPTU residencial quanto comercial, industrial e de serviços, a prefeitura da Capital deixaria de arrecadar R$ 554 milhões entre 2022 e 2027, segundo estimativas da Secretaria Municipal da Fazenda. Só em 2022, seriam R$ 50,8 milhões a menos em caixa com relação a esse imposto.
Viabilidade
Como Melo diz que irá tratar do assunto apenas em janeiro de 2021, visando alterações a partir de 2022, haveria tempo de sobra para a discussão na Câmara e operacionalização da mudança. Por outro lado, a composição do Legislativo será outra, com renovação de 44% dos quadros e maior presença da esquerda, que se opõe a Melo.
O que é o IPTU
O Imposto Predial e Territorial Urbano é um tributo exclusivamente municipal, cobrado sobre a propriedade de imóveis. É a segunda maior fonte de receita tributária própria em Porto Alegre, atrás apenas do Imposto Sobre Serviços (ISS).
Atualização da planta e forma de cobrança
Em abril de 2019, por 22 votos a 14, a Câmara de Vereadores aprovou projeto proposto pelo prefeito Nelson Marchezan para atualizar a planta de valores do IPTU de Porto Alegre, com mudanças na forma de cobrança. A última atualização havia ocorrido em 1991. Confira como ficou:
- A partir da nova legislação, o IPTU passou a ser calculado de acordo com o valor que o imóvel alcançaria nas operações de compra e venda à vista
- Foram criadas oito faixas de alíquotas, que vão da isenção a 0,85% do valor do bem. Até então, 0,85% era a única alíquota vigente
- Com isso, cerca de 50% dos imóveis de Porto Alegre sofreram aumento no IPTU, enquanto em torno de 30% tiveram redução e 20% permaneceram isentos
- Para diluir o impacto do aumento, a lei recebeu limitadores, que fazem com que os reajustes sejam escalonados ao longo do tempo
- Em 2020, primeiro ano de aumento, nenhuma conta pôde subir mais do que 30% além da inflação
- Para os cinco anos subsequentes, entre 2021 e 2025, o teto o acréscimo ficou em 20%
- É sobre esses reajustes que incidem as propostas de Manuela e de Melo, detalhadas acima
- Considerando a lei como está hoje, o contribuinte passará a pagar o valor integral do novo IPTU, sem os limitadores, a partir de 2026
- Com isso, o acréscimo na arrecadação deverá chegar a R$ 243 milhões por ano, em relação a 2021. A título de comparação, em 2019, a prefeitura aplicou R$ 220,5 milhões em assistência social
- Em 2019, o IPTU representou 25,3% das receitas tributárias da Capital, que chegaram a R$ 2,5 bilhões, e 9,3% das receitas totais, que incluem transferências estaduais e federais.
- Em 2020, até outubro, a prefeitura arrecadou R$ 400,7 milhões em IPTU, um aumento de 20,9% em relação ao mesmo período de 2019, descontada a inflação.
- A previsão é de que, até o final do ano, o ganho para os cofres públicos seja de R$ 65 milhões em 2020.