O voto neste domingo (15) do candidato à reeleição em Porto Alegre, Nelson Marchezan (PSDB), foi um tanto simbólico do final de sua campanha. O prefeito chegou à Escola Estadual Duque de Caxias, no bairro Azenha, às 15h05min de repente, solitário, e foi até o carro buscar “uns eleitores ilustres”: os filhos Benício e Neto e a primeira-dama, Tainá Vidal. Na saída da urna, comentou a pesquisa pouco animadora da véspera, que o colocava a sete pontos percentuais de Sebastião Melo (MDB).
— Nessa mesma data, há quatro anos, o Ibope disse a mesma coisa. Que eu estava 11 pontos abaixo do que a urna disse — declarou o prefeito, pouco antes de se recolher em seu apartamento no bairro Petrópolis.
A diferença é que, em 2016, a pesquisa sinalizava Marchezan em ascensão, enquanto Melo caía três pontos. Neste ano, apontou a decolagem de Melo e estagnação do prefeito. Marchezan ficou em terceiro lugar, com 21,07% dos votos, atrás de Melo, com 31,01%, e Manuela D’Ávila (PCdoB), com 29%, que farão o segundo turno.
Para tentar a reeleição, Marchezan adotou uma estratégia arriscada que por pouco não deu certo. Se chegasse ao segundo turno, provavelmente seria pelos mesmos motivos que acabaram tirando-o dele. O método do prefeito era concorrer sozinho, confiando tão somente na boa propaganda dos feitos do governo e reforçando nos rivais a pecha da velha política — afeita aos “conchavos e esquemas” que foram parar em seu jingle.
A estratégia começou em março de 2020, dias antes da pandemia, quando PSDB e PSL anunciaram uma aliança nacional para as eleições municipais. Rompida com Jair Bolsonaro, a legenda era a noiva dos sonhos de Marchezan: tinha tempo de TV, fundo partidário farto e não tinha lideranças inclinadas a cobrar grandes recompensas. Com o PSL, poderia dispensar as alianças com caciques dos grandes partidos, com quem passou a maior parte do mandato às turras na Câmara Municipal e na máquina pública. Além dos dois principais partidos, apenas o PL juntou-se à coligação.
Em um primeiro momento, a estratégia não causou preocupação nos rivais, já que a avaliação positiva do governo até o final de 2019 não chegava a dois dígitos. Mas veio a pandemia e, especialmente no início das ações, Marchezan se destacou pela sobriedade e firmeza nas decisões. Os canhões se voltaram para o prefeito em definitivo em junho, quando dois levantamentos do instituto Paraná Pesquisas apontaram Marchezan à frente nas pretensões eleitorais. Em ambos, aparecia com mais de 20% dos votos.
O prefeito até hoje atribui a essas pesquisas o principal motivador do processo de impeachment, aberto pelos vereadores em 5 de agosto e que a defesa do prefeito deseja arquivar pelo encerramento do prazo legal, em 9 de novembro (a Câmara pleiteia a continuidade em razão das paralisações judiciais). O processo aumentou o isolamento e o desgaste do prefeito. Ao longo dos meses, a insistência em manter estabelecimentos fechados em nome do distanciamento social também passou a minar a sua popularidade.
A aposta, mais do que nunca, era na eficiência da propaganda eleitoral e na exposição do prefeito em lives, debates e entrevistas. Em uma campanha atípica — de pouca visibilidade nas ruas e número recorde de candidatos ao Executivo — a convicção era de que não seria tão difícil alçar Marchezan a um percentual suficiente para colocá-lo no segundo turno.
— Nossos principais rivais não eram a Manuela, o Melo ou o Fortunati. Era o déficit de comunicação. Foram três anos sem agência de publicidade no governo e um ano em que só se falou em coronavírus. Por isso nossa estratégia foi mostrar o que ele prometeu e cumpriu — contou o coordenador da campanha de Marchezan, Christian Lemos.
Com a propaganda de rádio e TV voltada a promessas concretizadas principalmente nas áreas de saúde e segurança e aguerrido nos debates e entrevistas, Marchezan, de fato, cresceu. Nas três últimas pesquisas de outubro, parecia ter se consolidado em segundo lugar, ainda que em empate técnico com Melo e José Fortunati (PTB).
— Para o Marchezan, o conflito é a zona de conforto. Por isso ele prefere mil vezes um debate, uma entrevista, do que uma passeata ou um comício. A dificuldade dele é fazer o contrário. É chamar gente para agregar — aponta um ex-secretário, nestas eleições em campanha no PP.
Se na mídia Marchezan crescia, em atos presencias a campanha foi tímida. Para respeitar as limitações da pandemia e driblar obstáculos como notificações do impeachment e protestos de servidores públicos, Marchezan optou por uma “campanha estratégica”. O candidato à reeleição aparecia em encontros pouco divulgados com representantes de determinados setores para rodas de conversa, sempre em grupos pequenos e espaços abertos.
Conversando sobre o prefeito com pessoas que participaram desses encontros, se repetem adjetivos como “franco”, “transparente” e “sincero”, mas sem a convicção de que o rescaldo eleitoral foi dos mais positivos. Muito porque a “franqueza” do prefeito, em determinados momentos, beira ao sincericídio. Em visita ao Campo da Tuca no dia 10, por exemplo, Marchezan recusou dois convites insistentes para que visitasse residências à margem do arroio Moinho.
— Sabe que eu sou de falar a verdade, né? São residências irregulares lá, não são? Então não adianta eu visitar sem estar junto alguém do Demhab (Departamento Municipal de Habitação) para ver se tem possibilidade de regularizar. Se eu for, vou ir lá e ficar quieto, porque eu não vim aqui fazer concurso de promessas — declarou o prefeito, para decepção dos moradores.
A primeira e a última frase do prefeito viraram bordões. Marchezan as repetiria, no dia seguinte, a empresários da Cidade Baixa, de quem tirou ilusões de que o aumento de IPTU pudesse ser revertido (por ele ou qualquer outro eleito) e não fez promessas sobre manter suas portas abertas, já que os rumos da pandemia são incertos. Se limitou a desmentir o rumor de que fecharia o comércio tão logo a eleição se encerrasse.
— Ele foi muito transparente, mas nem sempre a verdade agrada. E as pessoas perguntam muito sobre o ramo delas, sobre a angústia delas. Acabam não percebendo se a rua está mais iluminada, se o funcionário está indo mais seguro pra casa. Para analisar se alguém foi um bom prefeito, a pessoa precisa enxergar além do umbigo — aponta Moacir Biasibetti, empresário da gastronomia que participou do encontro.
Nesses pequenos convescotes, Marchezan aparecia quase sempre solitário ou com um secretário, sem a tradicional escolta de postulantes à Câmara que acompanha os candidatos à prefeitura. Mesmo dentro da pequena coligação, há relatos de candidatos a vereador do PSL recusando ou cortando os santinhos com a figura do prefeito. Em que pese os elogios mútuos, foram raras as agendas conjuntas de Marchezan e seu vice, o advogado Tanger Jardim (PSL), hoje em isolamento após contrair covid-19.
Tampouco foram agendas numerosas. Em plena sexta-feira pré-eleições, por exemplo, o único evento externo de Marchezan foi a gravação de um programa para as redes sociais de Tainá. Um contraste com a pecha da campanha de 2016, em que o candidato aparecia enérgico e dinâmico circulando sem parar pela cidade.
O maior pecado de Marchezan, no entanto, foi justamente o que apontou o ex-aliado do PP: o prefeito travou um bom combate em defesa do governo, mas realizou uma campanha pouco convidativa a novos aliados. Marchezan não absorveu votos de nenhum dos candidatos que não decolaram na disputa. Tampouco se esforçou a tempo para tomar votos dos principais rivais no seu campo ideológico. Com a renúncia surpresa de Fortunati, os votos do ex-prefeito migraram para Melo e Manuela, os dois candidatos que mais se preocuparam em manter as suas portas abertas a novas adesões.
Um movimento natural na política tradicional, mas fatal para quem apostou todas as fichas em negá-la.