A cadeira disputada hoje por quase duas centenas de candidatas em Porto Alegre foi ocupada pela primeira vez por uma mulher há sete décadas. Julieta Battistioli foi eleita vereadora suplente para a primeira legislatura da Câmara Municipal, após a redemocratização de 1945.
Julieta era operária e comunista, como fazia questão de frisar. Ela concorreu pela legenda do Partido Social Progressista (PSP) em razão da ilegalidade do seu real partido, o PCB, no qual entrou por influência do marido, Fortunato Battistioli. Entre 1947 a 1951, assumiu a vereança em diversas ocasiões em substituição aos vereadores Elói Martins e Marino dos Santos.
A sua candidatura ocorreu por indicação do partido comunista, não veio dela a vontade. E o plenário não era exatamente o seu chão — tanto que nunca mais concorreu. Era na indústria que ela se sentia à vontade para fazer política.
— Ela pegava caixote de maçã, subia e discursava para os operários na porta da fábrica. Ela era muito culta, mas achava que tinha pouca instrução (para Câmara). Dizia: “eu falo pros operários, eles me entendem” — descreve a neta Naira Vasconcellos, 70 anos.
Vinda à Capital de Palmares do Sul ainda criança, filha de agricultores, estudou até o quarto ano do primário e começou a trabalhar em fábrica aos 13 anos. Bateu ponto em indústria de cigarros, de utensílios domésticos, de calçados e tecelagem. Atuava na ala têxtil das Indústrias Renner quando virou suplente de vereador.
Falava com alma, como dizia o colega Elói Martins. Com uma postura altiva, usava a tribuna para denunciar os abusos contra o operário.
— A luta dela era a dos trabalhadores, batalhou por paradas (no expediente), por poder descansar um pouco, por poder ir ao banheiro, por ter creches para as mães deixarem seus filhos. Naquela época, os operários não tinham quase nada, precisavam lutar pelo básico — explica um dos organizadores do livro Adorável Camarada: Memórias de Julieta Battistioli, o historiador Francisco Carvalho Júnior.
Julieta chegou a ser presa em 1961, durante a Campanha da Legalidade. Foi levada primeiro ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e, em seguida, ao Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier. Naira lembra de reuniões do partido dentro da sua casa. Líder comunista, Luís Carlos Prestes chamava ela e as irmãs de “as princesinhas da Julieta”.
Com o golpe militar de 1964, ela se afasta da política. Precisou deixar Porto Alegre — foi se esconder em uma casa em Quintão, no litoral gaúcho.
— Ficamos muito tempo sem vê-la, a gente ficava nervoso pensando que tinham ido até lá pegá-la — recorda Naira.
Julieta foi uma mãe dedicada à filha única e também uma avó amorosa para as quatro netas, quem as alfabetizou antes de entrarem para a escola. Morreu aos 89 anos, em 1996, dizendo-se operária e comunista.