A virada do primeiro para o segundo turno da eleição presidencial trouxe consigo uma mudança de postura do candidato Fernando Haddad (PT). Em estratégia referendada nesta terça-feira (9), em reunião em São Paulo, ele citará menos o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e deixará de visitá-lo na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde está preso, ao menos até o término do pleito.
A avaliação é de que o bordão "Haddad é Lula" já cumpriu o seu papel, promovendo rapidamente a transferência de votos que levaram o petista de modestos 4% nas pesquisas diretamente ao segundo turno, com 29% dos votos válidos. Agora, a avaliação é de que Haddad precisa ser o protagonista para buscar eleitores além do lulismo e evitar a contaminação da sua imagem por uma pecha de dependência das orientações de Lula.
— O período de ele se apresentar ao Brasil foi superado. O que vai mudar é que a sociedade começará a enxergar mais o Haddad pelas suas próprias características. Não é uma desconstrução da relação com o Lula, mas uma construção da própria figura do Haddad. Todo mundo sabe que o Lula gosta de futebol, mas não sabe que o Haddad gosta de tocar violão. São coisas que fazem parte da construção da imagem dos candidatos. É neste sentido que vai ser mais exposto o candidato Haddad — diz Juçara Dutra Vieira, integrante da coordenação nacional de campanha.
Uma das intenções, embora não admitida publicamente, é tentar combater interpretações e críticas de que Haddad será uma marionete de Lula caso eleito. Juçara diz que o ex-presidente fez uma "passagem de bastão" ao afilhado político.
— Numa fase de segundo turno, onde os dois candidatos se revelam com suas propostas e suas características, o Haddad precisa se apresentar como a liderança que pode conduzir o Brasil pra um novo ciclo de desenvolvimento — avalia Juçara.
Outro fator que leva o candidato petista a ter mais protagonismo é a análise de que a transferência de votos do ex-presidente dá sinais de ter chegado muito próximo do limite.
Presidente do PT estadual, Pepe Vargas participou das reuniões do comando nacional de campanha e, em análise do cenário, argumenta que a identidade entre Haddad e Lula está clara para a população. Ele diz que o foco, agora, será a discussão de propostas para a geração de empregos, segurança pública e saúde. Neste quesito, vem a reboque a tentativa de carimbar as ideias do adversário como "simplificações" que não darão certo e, no plano econômico, projetos que contemplam a retirada de direitos de trabalhadores.
Pepe também confirmou que Haddad não deverá mais visitar Lula até o fim do segundo turno, dedicando foco total à campanha. O petista nega que haja intuito de deslocar a imagem do candidato em relação a do ex-presidente.
— É exagerado falar em dissociação, ninguém defendeu isso. Não há porque negarmos nossa identidade ou quem nós somos. Vamos continuar dizendo que criamos 20 milhões de empregos no governo Lula. Quem esconde as origens é o Bolsonaro, que era da turma do (Paulo) Maluf — diz Pepe.
Menos Lula nas frases
Desde o domingo, Haddad vem citando Lula menos vezes. No seu pronunciamento à militância após ser confirmado no segundo turno, fez um breve agradecimento ao ex-presidente, em curta frase, falando seu nome apenas uma vez. Nas entrevistas que concedeu depois disso, somente mencionou Lula ao ser questionado sobre o assunto.
Na segunda-feira pela manhã, depois de visitar o ex-presidente pela última vez até o fim da eleição, foi lacônico e procurou passar às perguntas seguintes ao ser indagado duas vezes sobre o teor da conversa com Lula. No mesmo dia, à noite, não falou nenhuma vez do padrinho em entrevista ao Jornal Nacional.
Ontem, em duas entrevistas coletivas, não foi questionado sobre o assunto e, por tabela, não nominou o líder petista. Já em entrevista nesta terça à Rádio Guaíba, por telefone, foi questionado por três vezes sobre a relação com Lula e uma eventual hiperdependência.
— Eu não cuspo no prato que comi. Não compartilho com injustiça. Eu só cheguei ao segundo turno em função do projeto que o Lula representa. Jamais vou negar minha amizade, apreço e respeito por ele. E jamais vou deixar de defender que ele foi condenado sem provas — afirmou.