Ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux afirmou, em junho, que as eleições brasileiras poderiam ser anuladas caso o resultado fosse influenciado pelas fake news. Meses depois, com um inquérito aberto sobre suposto escândalo de disparo de mensagens em massa via contratação ilegal e um ecossistema de contas derrubado, o contágio das mentiras nos rumos da disputa ainda é desconhecido.
Diante da epidemia dos boatos online, pesquisas recentes têm indicado que as notícias falsas nutrem a polarização e radicalizam o debate. Mas, devido à complexidade em isolar o fator "desinformação", os estudos ainda são inconclusivos quanto ao efeito sobre a mudança de voto.
— A adesão às notícias falsas está relacionada ao posicionamento que as pessoas já têm. Em um país polarizado, quando recebem uma informação que confirma o que pensam, as pessoas tendem a aceitá-la com muito pouco juízo crítico. Mas, quando recebem alguma negativa, são excessivamente críticas — diz Pablo Ortellado, professor de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP) e um dos principais pesquisadores do tema do país.
Conforme o Datafolha, 44% dos eleitores brasileiros utilizam o WhatsApp para ler informação política e eleitoral. Ao longo da campanha, a agência de fact-checking Lupa analisou 50 imagens que mais circularam em 347 grupos públicos no dispositivo do início da campanha até a votação no primeiro turno — somente quatro eram verdadeiras.
Para a diretora da Lupa, Cristina Tardáguila, o resultado indica que o conteúdo disseminado no aplicativo está mais relacionado aos costumes e às ideologias defendidas pela direita e pela esquerda do que à campanha propriamente dita:
— Vimos que a desinformação não fala tanto sobre os personagens que estão disputando, mas sobre os dois Brasis que estão brigando. Ainda é muito cedo para medir se a desinformação efetivamente impactou os resultados, mas é inegável que foi um novo ingrediente eleitoral.
Pesquisa divulgada ontem pelo Ibope desidratou a tese de que o WhatsApp foi decisivo para catapultar candidaturas. Segundo o levantamento — o primeiro com perguntas específicas sobre o efeito do bombardeio de mentiras na disputa —, apenas um em cada quatro eleitores disseram ter recebido mensagens contra algum concorrente à Presidência na semana que antecedeu o primeiro turno.
Sob perspectiva distinta, o resultado dialoga com o diagnóstico da Lupa: a maioria das mensagens aborda uma ideologia, ao invés de falar sobre um candidato específico. O Ibope também aponta que críticas e ataques enviados pelo aplicativo contaminaram Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) na mesma medida. Dentre os entrevistados, 18% disseram ter recebido conteúdo contra o ex-ministro e o deputado.
Resistência a desmentidos publicados pela imprensa
Outro estudo apontou que nem mesmo as checagens da imprensa conseguem mudar a crença das pessoas. Parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e as universidades Emory e da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, a pesquisa mostrou a eleitores, em duas etapas, oito notícias falsas sobre o PT — quatro positivas e quatro negativas. Mesmo quando confrontados por verificações, mais de 30% dos entrevistados seguiram acreditando no boato.
— A partir do momento que se estabelece crença em um posicionamento, seja político ou social, as pessoas tendem a buscar mecanismos para reafirmar o que já pensam. O estudo mostra que essa pré-disposição tem muito mais força de ser mantida do que alterada, mesmo quando a notícia é absurdamente falsa — observa Felipe Nunes, pesquisador da UFMG.
Para o coordenador do Laboratório de Estudos Sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Fabio Malini, há uma "escuridão" sobre o impacto das fake news nos rumos eleitorais.
— Milhões de pessoas estão envolvidas com as suas candidaturas de preferência circulando desinformação. Cria-se um senso de maioria que faz com que aqueles que são minoria diminuam a sua capacidade de resistir a essa torrencial. Assim, aumenta a percepção de que somente esses grupos têm o poder de circular o seu ponto de vista político. Por isso, mais do que determinar o voto, o efeito é dar desigualdade às condições de tomada de decisões — examina Malini.
Além disso, Ortellado ressalta que saber quantas pessoas foram contaminadas pelas fake news não significa dimensionar quantas tiveram o seu voto afetado pelas mentiras:
— Não temos elementos para dizer que é por causa disso que o Bolsonaro provavelmente irá ganhar.