O crime muda, migra, adapta-se. E, assim, de forma fluida, também devem ser as estratégias de combate. Não à toa, o Chile, único país da América Latina a figurar entre as 30 nações mais seguras do mundo nos principais rankings globais sobre criminalidade, está rediscutindo neste momento o formato de suas polícias: os carabineiros, corporação semelhante à Brigada Militar, e a Policía de Investigaciones (PDI), que lembra a Polícia Civil. O governo do presidente Sebastián Piñera quer aprofundar aquilo que o Brasil sequer começou a fazer: a reforma das polícias, algo considerado fundamental para enfrentar a criminalidade endêmica.
Apesar das diferenças de território e população, Chile e Brasil têm histórias e problemas sociais semelhantes. Mas o vizinho conseguiu vencer o desafio a partir de grande reforma no sistema de segurança iniciado nos anos 1990. Conforme o Global Peace Index de 2018, o país ocupa o 28º lugar como mais pacífico do mundo.
Está longe, claro, da elite, como Islândia (1º), Nova Zelândia (2º) e Áustria (3º), mas à frente de todos os latino-americanos, como Uruguai (37º), Argentina (66º) e Peru (74º). O Brasil aparece na distante 106ª posição entre 163 nações.
Ainda que existam vários estudos sobre segurança pública, com números, percentuais e metodologias diferentes, em geral pesquisas apontam o Chile como o país onde as pessoas têm menor chance de morrer assassinadas na América Latina (três homicídios a cada 100 mil, conforme as Nações Unidas). Os dados do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017, referentes ao ano anterior, apontam o Rio Grande do Sul com 31,2 homicídios a cada 100 mil habitantes, mais do que a média nacional de 30 para 100 mil.
A reforma das polícias chilenas, da década de 1990, passa ao largo do aumento de efetivo, normalmente apontado por pesquisadores como solução simplista e pouco efetiva no combate ao crime. Foram implementadas mudanças táticas: os carabineiros passaram a dominar o que especialistas chamam "ciclo completo de polícia", ou seja, além de atuarem na prevenção aos delitos e na manutenção da ordem pública, receberam a atribuição de investigar crimes de menor complexidade.
— No Brasil, pagamos preço muito alto por uma estrutura defasada, que nenhum país mais adota. No Chile, a integração das polícias tornou o procedimento mais ágil e coordenado pelo Ministério Público, deixando para a Policía de Investigaciones o crime organizado, os homicídios, que exigem procedimentos investigativos mais complexos — avalia Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, sociólogo, professor da PUCRS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os carabineiros são formados por 55 mil homens e mulheres equipados com alta tecnologia. Em uma blitz, por exemplo, enquanto alguns carros são abordados, um sensor no alto de uma viatura monitora automaticamente as placas dos demais que não foram parados. Se algum veículo roubado passar, um alarme é disparado no computador de bordo da viatura. Pode-se iniciar uma perseguição.
Além de investimento em tecnologia, outra mudança estratégica foi aproximar os policiais das comunidades, base do chamado Plano de Segurança Vicinal Integral. Com 4,6 milhões de habitantes, a região metropolitana de Santiago foi dividida em 251 quadrantes. Realidades sociocriminológicas foram classificadas como normal, perigosa, conflituosa e altamente conflituosa. Cada uma dessas áreas ficou sob responsabilidade de um "delegado", normalmente um suboficial. As estratégias de policiamento ostensivo são diferentes para cada quadrante. Esses policiais devem atender às demandas da população, receber denúncias e participar de reuniões de conselhos comuns ou vicinais de segurança. O número de seu smartphone é divulgado na internet.
AS CHAVES PARA O SUCESSO
-Reforma das polícias, com a corporação militar passando a dominar o "ciclo completo", da prevenção à investigação, deixando para a Polícia Judiciária (no Brasil, a Civil), apuração de casos complexos.
-Reforma do Código de Processo Penal, com o Ministério Público assumindo maior protagonismo na coordenação da investigação criminal.
-Equipar as polícias, investir em inteligência e ações que aproximaram Estado e comunidades.
-Investimento em coleta e sistematização de dados da criminalidade e da situação social de áreas dominadas por tráfico. Aprimoramento do trabalho de inteligência.
-Boa relação entre os setores público e privado. Acadêmicos, empresários e políticos passaram a se reunir para buscar soluções conjuntas para os problemas.
Erika Fernanda Torres Alves
Brasileira que vive no Chile
"Aqui, você passeia com o celular na mão"
Natural de Caruaru (PE), tem 31 anos e mora há quatro em Santiago. Casada com o chileno Alejandro Burgos. Em relação ao Brasil, não tem comparação. Morei em Recife, e é muito violento. Roubaram três vezes meu celular enquanto esperava o ônibus. Aqui, você passeia com o celular na mão, e não tem isso. Não tem assalto à mão armada. Tem ainda a mão leve no metrô em hora de pico. Sinto-me muito segura. Aqui, tem carabineiros, mas não é como no Brasil, onde a polícia precisa estar em todos os lugares porque, caso contrário, acontecem assaltos. Moro no centro, perto do Palácio de La Moneda. Meu marido se assusta muito quando vai ao Brasil. O Rio de Janeiro é o lugar mais procurado pelos chilenos, mas, nos últimos tempos, estão evitando.
O CHILE
- Capital _ Santiago
- Área - 756,1 mil km²
- População - 17,9 milhões de habitantes
- PIB _ US$ 277 bilhões (2017)
O Chile ocupa a 28ª posição no ranking dos países menos violentos. É o único latino-americano entre os 30 primeiros.
Estatísticas da ONU apontam que uma pessoa tem menos chance de morrer assassinada no país do que em qualquer outra nação latino-americana.
Taxa de homicídios 2013* (a cada 100 mil habitantes)
- Honduras - 84
- Venezuela - 53
- Colômbia - 31
- Brasil - 28
- México - 19
- Peru - 8
- Uruguai - 7
- Argentina - 6
- Chile - 3
Fonte: Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
*Estatística mais atual do órgão