Nas eleições de 2022, o Podemos foi às urnas com 28 candidatos a deputado federal. Destes, nove eram mulheres. Uma, segundo o Tribunal Regional Eleitoral do Estado (TRE-RS), era uma candidata laranja utilizada para cumprir a cota de gênero. Essa candidatura é o ponto central do processo que resultou na cassação do mandato de Mauricio Marcon (Podemos) na Câmara de Deputados. Cabe recurso à decisão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por isso o parlamentar, que iniciou carreira política em Caxias do Sul, segue atuando.
Pela nominata apresentada, o Podemos teria uma participação feminina de pouco mais de 32%. O índice respeita a cota de gênero, que pede que os partidos tenham um mínimo de 30% de candidatos de um dos gêneros e até 70% do outro. Sem Kátia Felipina Galimberti Britto, acusada de ser laranja nas eleições, o índice cairia para quase 29%.
Na composição da chapa inscrita, há nomes conhecidos, como do ex-senador Lasier Martins (veja a lista completa abaixo). Marcon foi o mais votado do partido e único eleito ao cargo, com mais de 140 mil votos. Em segundo aparece o ex-deputado federal Maurício Dziedricki, com mais de 74 mil votos. Dziedricki ficou como primeiro suplente.
Na decisão de terça-feira (16), o TRE determinou, ainda, que todos os votos do partido sejam anulados e que um recálculo seja feito para distribuição de cadeiras da bancada gaúcha na Câmara. Consequentemente, Marcon perde o mandato e nenhum dos colegas de sigla podem assumir. Conforme o julgamento, o parlamentar gaúcho não fica inelegível, caso a cassação seja mantida pelo TSE.
Kátia pedia votos para outro candidato
Conforme o processo julgado pelo TRE-RS, o Podemos tinha inscrito, inicialmente, 30 candidatos para o pleito, sendo 21 homens e nove mulheres. Durante a campanha, três desistiram, sendo dois homens e uma mulher, Ana Neri de Sousa Paulo Knupp Soares. Dessa forma, a chapa passou a ser composta por 27 candidatos: 19 homens e oito mulheres, número que não respeitava o índice de 30%.
Segundo o documento, surge a candidatura Kátia, 63 anos, que seria uma prestadora de serviços do Podemos em Porto Alegre há pelo menos seis anos. Para o tribunal, o registro foi uma forma de manter a cota de gênero.
O relato do processo é que a substituição das candidatas é feita em 12 de setembro, cerca de 20 dias antes das eleições. A relatora, desembargadora Patrícia Silva Oliveira, detalha que Ana Neri desistiu no próprio dia 12 e a candidatura de Kátia foi registrada no mesmo dia. A data era o prazo final para a substituição de candidatos.
Em depoimento ao TRE, conforme consta no processo, Ana Neri afirma que desistiu da campanha após Lasier Martins tornar-se candidato. O documento diz que, para Ana Neri, a concorrência "inviabilizou matematicamente seu desempenho eleitoral".
Para os desembargadores do TRE, os principais indícios para a candidatura laranja de Kátia são a falta de atos de campanha, inclusive em redes sociais e TV, o uso de apenas R$ 235 para impressão de santinhos, o recebimento de apenas 14 votos, e depois, a falta de declaração de despesas. Ou seja, como se Kátia não fosse de fato uma candidata.
O processo relata ainda que, antes de Kátia ser candidata, ela pedia votos em uma rede social para Maurício Dziedricki. A reportagem verificou fotos publicadas por ela até dias antes de entrar como substituta de Ana Neri. Em uma delas, em 29 de agosto, Kátia está em um parque com uma bandeira da campanha de Dziedricki.
Um primo de Kátia depôs no processo e afirmou que era comum vê-la colocando fotos de apoio a outros candidatos. O homem cita ainda que não sabia que a prima era uma candidata à Câmara de Deputados.
Medo de receber verba
No processo, a defesa do Podemos cita que, por não ser familiarizada com as redes sociais, as fotos com Dziedricki acabaram ficando no perfil dela. Kátia, de acordo com o relatório, teria ainda optado por fazer campanha por um aplicativo de mensagens. Segundo o documento, prints de conversas deste aplicativo foram apresentados.
Outro ponto da defesa é que Kátia teria optado por não pedir recursos da sigla. A relatora cita, porém, que, em depoimento, Kátia disse ter sentido "medo" de solicitar investimentos ao Podemos. Segundo a desembargadora, ela teria ficado preocupada com represálias caso não conseguisse trabalhar bem com a própria campanha.
"Porque eu não quis. Eu só não quis. Como era a primeira vez na campanha… eu fiquei com medo… me deram os santinhos e eu trabalhei só com santinhos", disse Kátia no depoimento, conforme consta no processo.
A reportagem buscou contato com Kátia, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
Kátia foi a menos votada do partido. Antes dela, o candidato que aparece tem 197 votos. Confira a lista abaixo.
Os candidatos do Podemos em 2022
- Mauricio Marcon - 140.634 votos
- Maurício Dziedricki - 74.310 votos
- Lasier Martins - 26.692 votos
- Jocimar Santos de Jesus - 22.606 votos
- Fernando Pires Branco - 8.662 votos
- Adriano Guerra Strack - 8.505 votos
- Jeferson Luiz da Rosa França - 6.334 votos
- Cintia Regina Freitas Rockenbach - 4.146 votos
- Nadine Conrad Dubal - 3.703 votos
- Karen Aline Lanne Lopes - 3.249 votos
- Robson Sá da Costa - 2.766 votos
- Luis Fernando Peres dos Santos - 2.532 votos
- Silvia Maria Staub Schirrmann - 2.432 votos
- Daniel Laerte Lahm - 2.201 votos
- Angela Medeiros dos Santos Nunes - 1.726 votos
- Joel Alves Machado - 899 votos
- Marco Antonio Moura dos Santos - 863 votos
- João Carlos Mendonça Rodrigues - 801 votos
- Rosilda de Gomes Jesus - 588 votos
- Neiva Amador - 490 votos
- Celso Ricardo Cougo Ferreira - 449 votos
- Debora Cassandro Bibiano Machado - 385 votos
- Lino Abel Nunes - 383 votos
- Abrão Nunes Martins - 358 votos
- Christian de Lima Ricardo - 324 votos
- Paolo Nunes Kucera - 268 votos
- Luis Carlos Silva de Souza - 197 votos
- Kátia Felipina Galimberti Britto - 14 votos
O que dizem o Podemos e Mauricio Marcon
Em nota, o Podemos afirma que vai apresentar recurso. O comunicado também foi compartilhado por Marcon. Ao Pioneiro, um dos advogados do deputado federal defende também recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF). Confira na íntegra:
"É com respeito, mas com enorme inconformismo que o diretório estadual do Podemos recebe a decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio Grande do Sul em anular os votos de 318.850 gaúchos confiados ao partido na eleição para deputado federal de 2022, no qual elegeu o deputado federal Mauricio Marcon com 140.634 votos.
A surpresa se dá pela decisão do TRE em definir como fraude à cota de gênero a votação de uma candidata que obteve votos em dez cidades gaúchas, mesmo entrando no pleito em substituição a outra candidatura feminina, faltando apenas 20 dias para a eleição, sem uso de recurso público e já sem tempo hábil para gravação dos programas eleitorais. Além disso, a referida candidata enfrentou problemas de saúde na família nos poucos dias que lhe restavam para campanha, impactando diretamente seu desempenho.
Por divergirmos totalmente da medida e confiarmos que a vontade popular e democrática será mantida pela Justiça, faremos todos os esforços para recorrer e mudar essa decisão nos tribunais superiores."