Mesmo que 51,5% da população brasileira seja composta por mulheres, segundo o Censo 2022 divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a participação feminina na política ainda caminha a passos curtos para atingir uma representatividade proporcional à quantidade de habitantes do gênero. Apenas 17,7% delas foram eleitas em 2022 para a Câmara dos Deputados. A taxa é parecida quando se observa as eleições municipais de 2020: apenas 12% dos municípios escolheram mulheres para comandar as cidades, e, nas Câmaras de Vereadores, a representatividade feminina atingiu os 16%.
Com o objetivo de tentar impulsionar a participação feminina na política, uma alteração de 2009 na Lei nº 9.504, de 1997, conhecida como a Lei das Eleições, definiu que as candidatas mulheres devem representar, no mínimo, 30% das nominatas indicadas para as eleições de cargos proporcionais, como vereadores ou deputados. Usando Caxias do Sul como exemplo, nas eleições de 2024, cada partido poderá indicar, no total, até 24 candidatos para a disputa (a lei define que o limite é o número de cadeiras no Legislativo, neste caso 23, mais um). Desta forma, para uma lista completa de nomes dispostos a concorrer, as siglas terão que indicar pelo menos oito mulheres como opção de voto.
Embora haja este requisito às legendas, atualmente não há, em nenhuma esfera política (considerando Caxias do Sul como municipal, e Rio Grande do Sul como estadual), a mesma porcentagem de mulheres eleitas. Na Câmara dos Deputados, elas são 17,7%. Já na Assembleia Legislativa gaúcha representam 20%, enquanto no Legislativo caxiense são cinco mulheres entre 23 parlamentares, o equivalente a 21,7%. Nos Poderes Executivos, do prefeito ao presidente, os representantes são homens: Adiló Didomenico, Eduardo Leite e Lula. No Judiciário, apenas uma mulher integra o grupo de 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) — a ministra Cármen Lúcia.
Segundo o chefe de cartório da 169ª Zona Eleitoral de Caxias do Sul, Edson Borowski, esta é a única exigência que os partidos têm que cumprir em relação às candidaturas femininas. Entretanto, ele explica que a Justiça Eleitoral tem identificado a existência de fraudes na cota de gênero, com as chamadas candidaturas laranja de mulheres. A prática é adotada pelos partidos para que cumpram os requisitos eleitorais e possam participar do pleito, mesmo que não invistam de fato no fortalecimento das campanhas femininas.
Os casos são observados a partir de critérios como a votação ínfima recebida pelas candidatas, a ausência de campanha eleitoral ou gastos irrisórios declarados na prestação de contas. Há situações também em que as “candidatas” recebem vantagens financeiras para o lançamento de suas candidaturas, ou até mesmo fazem campanha eleitoral para candidatos do mesmo partido que disputam o mesmo cargo.
Professora vê falta de incentivo político e social
Apesar de considerar positiva a cota mínima de participação das mulheres no processo eleitoral, a advogada e professora da UCS em Bento Gonçalves, Melissa Demari, reforça que o cumprimento da exigência acaba sendo uma mera formalidade por parte dos partidos políticos.
— Não há investimento efetivo dos partidos no sentido de promover uma candidatura, no sentido de trabalhar a consciência da população para a necessidade de aproveitamento desses espaços políticos pelas mulheres. Precisamos superar essa ideia de que a cota tem que ser cumprida, pois é o partido que tem o dever de assegurar representatividade, inclusive dentro das lideranças partidárias. Se a gente pensar que as mulheres têm menor projeção do que os homens, os partidos deveriam investir mais nas candidatas mulheres do que em homens, o que nem de longe acontece. Eles (partidos) continuam investindo mais nos homens, o que só reforça essa desigualdade, essa falta de representatividade — avalia Melissa.
Para a professora, que também é doutora em Ciências Sociais, além da falta de investimento dos partidos nas candidaturas femininas, há também uma justificativa social para que o eleitor não opte por uma mulher no momento do voto.
— As mulheres não conseguem conciliar carreira profissional e doméstica com mais esse outro atributo pela sobrecarga feminina no trabalho social de cuidado, pela falta de estrutura social que lhes permita se desafogar e participar do cenário político. Além disso, é muito comum ouvir no processo eleitoral que não havia mulheres aptas, mas as pessoas esquecem que os cargos políticos são de representatividade. Se temos uma população majoritariamente feminina, em termos de representatividade, é essencial que as mulheres ocupem esse espaço. E não que seja uma escolha feminina, obviamente, é uma construção social que opera dentro dessa lógica — aponta.
Por fim, Melissa destaca que houve avanços recentes na participação feminina, seja na política ou em cargos de maior relevância no setor privado, mas aponta que ainda “estamos muito atrasadas”.
— Me parece que a gente só está começando a pensar nisso, e os poucos postos que a gente tem ocupados por mulheres só reforçam o olhar da desigualdade. Avanço mesmo é quando conseguirmos, pelo menos em termos de percentuais, a representação daquilo que nós significamos na sociedade. Há uma tomada de consciência, alguns movimentos que estão evoluindo nesse sentido, mas é ainda muito pouco. Muitas pessoas ainda acham que não há machismo. Muitas pessoas não entenderam ainda que o feminismo não busca superioridade feminina em relação ao universo masculino, mas sim uma mera igualdade.
"É uma questão sociocultural", diz ex-deputada
Na mesma linha da advogada e professora, a ex-vereadora, ex-vice-prefeita e ex-deputada estadual Marisa Formolo entende que a falta de espaço das mulheres na política vem tanto de uma construção social de exclusão das mulheres, quanto da falta de incentivo dos partidos políticos voltado às candidaturas femininas.
— É uma questão sociocultural, porque a organização da sociedade patriarcal exclui a mulher no espaço de poder, e há uma conjuntura na sociedade que preserva esta visão da estrutura de poder. Enquanto não tivermos uma consciência dessa cultura, se normaliza a injustiça e a exclusão das mulheres na sociedade. Há uma acomodação, e as pessoas passam a considerar normal a falta de mulheres em espaços de poder. E muitas mulheres são educadas a entender que o mundo delas não é do poder político, do poder empresarial — avalia a política.
No ano passado, Marisa lançou o livro Por que somos poucas?, no qual expõe sua tese de doutorado. A obra é um estudo da representatividade das mulheres, a partir da trajetória das vereadoras e vice-prefeitas na história de Caxias do Sul, abordando os desafios pessoais e familiares e a quebra de padrões machistas na época em que foram eleitas.
Mulheres no Brasil e na política
- População no país: 104.548.325 mulheres (51,5%)
- Eleitorado apto a votar: 82.373.164 mulheres (53%)
- Filiadas em partidos políticos: 7.284.853 mulheres (46%)
- Deputadas federais: 91 mulheres de 513 parlamentares (17,7%)
- Deputadas estaduais no Rio Grande do Sul: 11 mulheres de 55 parlamentares (20%)
- Prefeitas no Brasil: 651 prefeitas eleitas em 2020 entre 5.401 (12,1%)
- Vereadoras no Brasil: 9.196 vereadoras eleitas em 2020 entre 57.461 (16%)
- Vereadoras em Caxias do Sul: 5 entre 23 parlamentares (21,7%)
Fontes: dados de 2022 do IBGE e do TSE.