Passados 30 anos desde o fechamento do Mercado Público em Caxias do Sul, os caxienses voltam a sonhar com o espaço destinado aos feirantes e produtores locais. Isso porque a prefeitura anunciou, na última terça-feira (12), o projeto que prevê a concessão de uma área de 13,1 mil metros quadrados na Maesa, dentre as quais será abrigado o Mercado Público Municipal Maesa. Com a previsão de que a licitação seja aberta em março de 2024, aliado ao prazo de 12 meses para as obras, a expectativa é que, no primeiro trimestre de 2025, a comunidade conquiste duas lutas históricas ao mesmo tempo: com a efetivação do Mercado Público, o complexo da Maesa passará, finalmente, a ser ocupado.
Foi em 1968, 20 anos após a instalação das primeiras Feiras Livres de Caxias, que foi inaugurado o Mercado Público Municipal, na esquina das Ruas Vinte de Setembro e Marechal Floriano, no centro de Caxias, onde hoje fica a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Central. A proposta do espaço era, além de abrigar as feiras, aproximar os produtores dos consumidores, com a oferta de frutas, verduras, hortaliças e produtos da colônia a preços mais acessíveis. Eram 36 bancas, em uma área de 890 metros quadrados, inauguradas em solenidade com as presenças do então prefeito Hermes João Weber, que cortou a fita inaugural, e do bispo auxiliar da Diocese de Caxias do Sul, dom Cândido Maria Bampi, que abençoou as instalações.
Após diversas alterações no formato das bancas e na estrutura dos prédios ao longo das décadas, o complexo foi desativado e demolido para abrigar a UPA. O Mercado Público, portanto, durou 25 anos. Em 1993, o prefeito à época, Mario Vanin, lidava com um imbróglio entre o poder Executivo e os locatários das bancas, e chegou a afirmar, conforme matéria do Pioneiro de 17 de julho daquele ano, que o Mercado "não cumpre com seus objetivos, de ser um regulador de preços, e que a inadimplência dos usuários em Cr$ 1,5 bilhão está onerando os cofres públicos" e, por isso, o prefeito pretendia utilizar a área para o setor da saúde.
Os feirantes, entretanto, foram surpreendidos com a decisão de fechar o espaço. Três dias depois, também ao Pioneiro, um dos representantes dos locatários, Antonio Carlos da Silva, disse que aguardava uma solução por parte da prefeitura. "Os feirantes não negam a inadimplência, mas querem seguir na negociação de uma forma de pagamento", dizia a reportagem. O prazo de permanência dos locatários chegou a ser prorrogado, mas o Mercado Público Municipal encerrou as atividades alguns meses depois.
Em outra reportagem do Pioneiro (essa mais recente, de 1º de novembro de 2011), o ex-prefeito caxiense Mansueto Serafini Filho recordou de quando encabeçou uma campanha nos anos 1960 para a criação de um mercado público — na época, Mansueto ainda era vereador. Ele lembra também de que o espaço chegou a ser fechado por cerca de três anos, no final dos anos 1980, antes de ser reaberto durante sua gestão na prefeitura.
— Quando eu era vereador, nos anos 1960, encampei uma campanha para a criação do mercado. Foi fechado, não lembro o porquê, talvez em função de dívidas, no final dos anos 1980. E eu reabri, no meu segundo mandato como prefeito, em 1991, porque haviam muitos pedidos do povo. Tinha feirantes, artesãos, um barzinho, uma padaria. Era parecido com o Mercado de Porto Alegre, mas numa escala bem menor — lembrou o ex-prefeito, na reportagem de 2011.
Mercado Público voltará a existir, agora na Maesa
Trinta e dois anos depois, que serão completados em 2025, o Mercado Público voltará a existir em Caxias, desta vez no complexo da antiga Metalúrgica Abramo Eberle S/A, a Maesa, no bairro Exposição. O acesso deverá ser pela Rua Dom José Barea, próximo à esquina com a Rua Treze de Maio. Em uma área de 4,3 mil metros quadrados — quase cinco vezes maior que o Mercado original —, serão instaladas cerca de cem bancas. Ficará nos chamados blocos 2 e 4, definidos pela prefeitura no mapeamento do complexo da Maesa, onde a metalúrgica executava o polimento de lâminas e o corte de cilindros, estampação e estanhação, respectivamente.
Segundo o projeto da prefeitura, que prevê uma concessão comum para a reforma e manutenção de 13 mil metros quadrados, dos 53 mil metros quadrados da área total da Maesa, além do Mercado Público, também serão renovados e ocupados espaços que serão destinados a feiras e eventos (bloco 3), estabelecimentos gastronômicos (bloco 5) e outras atividades, como áreas com cervejarias e vinícolas locais (blocos 7 e 11). Serão 20 anos de contrato para executar um projeto que tem a previsão de custar R$ 26,5 milhões para efetuar a restauração dos espaços, além de R$ 21,9 milhões para a operação e manutenção durante o período. Além disso, a empresa que vencer a licitação terá de realizar o pagamento de uma outorga fixa à prefeitura de, no mínimo, R$ 547.759,67. Ou seja, quem pagar o maior valor para essa outorga será a vencedora do leilão.
A ocupação dos espaços restantes da Maesa segue em pauta na prefeitura, cujo planejamento está sob a responsabilidade da secretária da Cultura, Cristina Calcagnotto.
— Sempre respeitando as diretrizes e vocações estabelecidas desde que o complexo foi doado a Caxias do Sul, como preservação do patrimônio histórico, ocupação por órgãos públicos e acesso gratuito — enfatizou.
Zanchin quer repetir "dia do pastel" com o pai
"Mercado público faz parte da cultura de uma cidade". É assim que define o vereador Ricardo Zanchin (Novo), que se emociona sempre que recorda da sua história com o antigo Mercado Público de Caxias. Hoje com 56 anos, ele lembra com carinho das vezes em que, aos oito anos, em 1975, ia no espaço, atualmente ocupado pela UPA Central, para comer pastel com seu pai, Valério Zanchin.
— Quando eu era criança, meu pai tinha o hábito de ir no Mercado Público, como era um habito da população caxiense, para comprar frutas, verduras, legumes. Mas sempre tinha lá uma lanchonete, onde a gente comia um pastel. Na verdade, era o meu pai que gostava muito de pastel, e eu ia "na onda". E aquilo ficou na nossa memória afetiva, se tornou o "dia do pastel", assim como tem o dia da missa, por exemplo. Não chamávamos assim, mas eu sabia que, quando a gente ia para o Mercado Público, no final a gente acabaria comendo um pastel, tomando um suco. E aquilo ficou muito forte na minha memória afetiva. Para mim, seria um prêmio da vida voltar em um novo mercado público de mãos dadas ou abraçado no meu pai, e comer o tal do pastel. Por isso que cada vez que falo sobre isso eu me emociono, é uma questão particular minha, mas tem um símbolo muito grande para Caxias do Sul — declara.
O vereador recorda que o antigo Mercado possuía um aspecto similar ao de uma feira, mas em um ambiente fechado. Ele lembra que não tinha tantos atrativos no local que, por não ser aberto, era escuro. Desde que Zanchin assumiu a cadeira na Câmara, em fevereiro deste ano, o Mercado Público é uma pauta eventualmente abordada pelo parlamentar, por entender que o espaço traz um ambiente cultural de convívio e interação social.
— Mercado público faz parte da cultura de uma cidade. É como termos uma igreja matriz, uma praça, parques. Caxias do Sul parece uma cidade capenga nisso, porque o mercado público tem um contexto social muito grande, onde todas as pessoas podem se reunir — avalia.
Agora, com a perspectiva concreta de um mercado funcionando em menos de dois anos, pai e filho aguardam com ansiedade e com expectativa a possibilidade de voltarem a desfrutar do espaço juntos.
— Meu pai, seu Zanchin, é um homem idoso, mas com saúde, forte. Estamos ansiosos para voltar e registrar, vai ser um momento histórico para a família. Como vereador, vou encher o saco para que saia o Mercado Público com meu pai em vida ainda. Quem sabe eu vou lá com meu querido pai, vou rezar para que ele tenha saúde até lá, para comermos este pastel juntos.