Brigas em grupos de WhatsApp de família, rusgas com colegas de trabalho e até mesmo um afastamento com amizades de infância. Esse foi um dos saldos deixado pelas eleições de 2022, que foi marcada pela polarização e pela disputa mais acirrada em segundo turno desde a redemocratização no país. Com a vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 60,3 milhões de votos, contra 58,2 milhões de votos no atual presidente Jair Bolsonaro (PL), se fala em um Brasil dividido, onde laços foram rompidos.
Para a psicóloga doutora em psicologia social e institucional e professora na Universidade de Caxias do Sul (UCS) Daniela Duarte Dias, o uso das redes sociais intensificou os conflitos, principalmente pela impessoalidade que um perfil na internet traz.
— Eu projeto os meus medos, frustrações e anseios no outro, digo que o outro é uma má pessoa. Mas é importante lembrar que estamos projetando nos outros algo que pode ser nosso. Outra questão importante são as fake news. Algumas pessoas passaram (o período) divulgando muitas informações falsas nos grupos de WhatsApp da família. Neste ponto, pode ser desgastante. A principal estratégia deve ser preservar a saúde mental. Tentar conversar e dizer como se sente quando a pessoa posta coisas falsas no grupo da família também pode ser uma boa estratégia. Lembrando que nossas ações têm efeitos na outra pessoa — destaca Daniela.
A professora também pontua que a dificuldade das pessoas em aceitarem diferentes pontos de vistas — o que ocorre nos dois lados — não tem relação com alguma limitação cognitiva ou transtorno mental, mas sim com estratégias de defesa.
— São projeções que fazemos em relação ao que os outros são. Há um grande narcisismo em querer se impor como estando certo, ainda que não esteja.
Mas não são todas as famílias que tiveram rompimentos por opiniões políticas contrárias. Por exemplo, muitas pessoas seguiram convivendo — sabendo do apoio do familiar ou amigo —, mas buscaram evitar os assuntos conflituosos. Mesmo nos casos em que houve um estremecimento na relação, a psicóloga destaca que ainda é possível reverter a situação:
— Se não rompeu, é porque tem algo ali que segurou para além das questões sociais que influenciaram aquela família. Isso é positivo, quer dizer: tem jeito, sim. Talvez possa diminuir o estímulo das campanhas, possibilitando uma melhora nas relações .Brigas nas famílias são comuns, nem tanto por fatores externos, mas acontecem. Vai depender da maturidade da família e de seus recursos internos para conseguir reatar.
“A primeira coisa que perdemos foram os almoços de família”
Em agosto, assim que começou a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, um estudante universitário que ainda mora com os pais e prefere não ser identificado, conta que começou um "rebuliço" em casa por conta de opiniões políticas divergentes. Ele e a irmã votaram em Lula e abriram o voto em casa. Já o pai e a mãe apoiam Bolsonaro desde 2018. Apesar das tentativas do rapaz, ele conta que a primeira coisa que a família perdeu durante este período foi a harmonia durante os almoços diários em família.
— Eu comecei a reparar que os almoços de família começaram a ficar muito desconfortáveis porque, em todo almoço, esse assunto vinha à tona por parte dos meus pais. Acho que eles tinham como objetivo mudar a nossa opinião, vinham com argumentos, e eu sentia eles muito alterados com esse assunto. Foi algo que pesou muito para nós. Como tenho uma rotina muito corrida, pensei: vou almoçar rápido e sair rápido para me livrar disso. A primeira coisa que perdemos aqui foram os almoços de família — comenta.
O clima piorou na segunda-feira, logo após o segundo turno que consagrou a vitória de Lula nas urnas. O estudante relata que os pais chamaram ele e a irmã para uma reunião sobre os resultados das eleições. Uma foto dele mostrando seu posicionamento político nas redes sociais no dia anterior foi o estopim.
— Por mais que eu trabalhe, meus pais me ajudam com muitas coisas do dia a dia. Nessa reunião, ele (o pai) me contou o que seria cortado dessa ajuda a partir do ano que vem. Aquilo me chocou muito, porque não imaginei aquela reação por parte deles apenas por me posicionar politicamente. Fui dormir bem pensativo e triste. Cheguei a me questionar se não deveria ter votado no Bolsonaro só para evitar esse conflito familiar.
O entrevistado disse que, na mesma reunião, sugeriu que a família não fale mais de política como forma de não perder o vínculo, que já estava enfraquecido.
— Atualmente, meus pais estão mais tranquilos, mas muito por conta do combinado de não falar de política nos momentos em família.
“Minhas relações não foram abaladas”
Manter o equilíbrio e a boa convivência em família durante o período eleitoral foi a grande busca de uma publicitária, que também prefere não ser identificada na matéria. Ela conta que, apesar de não ter a mesma opinião política que tios, dindos e amigos de infância, sempre tentou “não colocar lenha na fogueira”.
— Eu, meu pai e minha mãe votamos no Lula, mas a maior parte da família votou no Bolsonaro, mas continuamos unidos. Se alguém posta um vídeo sobre um dos candidatos, os outros não respondem. Tentamos sempre manter um equilíbrio na família. Eu entendo que cada um quer votar pelo melhor e tem suas razões. Eu já discuti com familiares, mas eu me acertei depois. Não tem o que fazer, é a tua família.
Orientações para melhorar a relação
Por Daniela Duarte Dias, psicóloga doutora em psicologia social e institucional e professora na UCS. As orientações seguem valento mesmo depois das eleições, uma vez que o ambiente de divisão política ainda persiste.
Criar regras: algumas famílias criaram regras para lidar com o tema. Por exemplo, pode-se estabelecer um combinado de não falar sobre o tema ou falar apenas em determinados momentos. Também podem sugerir que, nos momentos em que o assunto vier à tona, sempre checar se a informação não é falsa.
Conversas são importantes: é importante ressaltar que é saudável falar sobre temas que possuam pontos de vista distintos. A psicóloga indica que é preciso entender que todos possuem qualidades e defeitos. Também é importante aprender a ceder quando há espaço para o diálogo, porém, cada pessoa tem um limite e ela deve se preservar e, às vezes, deixar um tempinho passar até que as coisas se acalmem.
Fale sobre suas emoções: se um familiar ou amigo postar algo que te deixe desgastado emocionalmente, é válido tentar conversar e contar como se sente em relação à postagem.
Não estamos sozinhos: é fundamental lembrar que todas as nossas ações têm efeitos nas outras pessoas.