Primeira mulher de Caxias do Sul eleita deputada federal, com 44.241 votos, a vereadora em quarto mandato e atual presidente do Legislativo caxiense, Denise Pessôa (PT), pretende ser uma voz das minorias em Brasília — ela é também, ao lado de Daiana Santos (PCdoB), uma das primeiras deputadas federais negras da história do Rio Grande do Sul.
Mas o mandato não irá se restringir apenas a questões de gênero e etnia. Denise pretende levar propostas que já desenvolve na cidade. Arquiteta e urbanista de formação, quer trabalhar temas como acesso à moradia e transporte público. Além disso, tem como metas o fortalecimento da indústria nacional, a retomada de políticas para a agricultura familiar e a revisão da tabela de pagamentos de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS).
— Há pouco tempo o diretor do Hospital Geral informava que o pagamento dos procedimentos SUS estava em torno de 60% apenas pelo governo federal. Isso é muito pouco e acaba não tendo como equilibrar as contas. As políticas de saúde têm que ser uma política de governo, elas não podem ser algo tão vinculado a emendas parlamentares — disse durante entrevista ao Gaúcha Hoje da Gaúcha Serra nesta terça-feira (4).
Ouça a entrevista:
A deputada eleita também falou do desejo em fortalecer o PT na região e em renovar as lideranças dentro do partido. Confira:
Qual é o sentimento de representar a Serra?
É uma alegria misturada com o senso de responsabilidade. A gente sabe a tarefa que é, o desafio que é e estar na Câmara dos Deputados representando essa região que é uma região tão importante para o Brasil como um todo, uma região que estava sub-representada nessa última legislatura. Agora também representando as mulheres e vejo como tardia a representatividade das mulheres na Serra. A gente chega no Congresso com uma cadeira eleita em 2022, praticamente 21 anos depois que a Ana (Corso, PT) assume como suplente. Ainda é muito desafiadora a representação das mulheres. Na Câmara de Vereadores, a gente ainda tem avançado a questão da representatividade das mulheres, mas muito lentamente. Pra mim, eu acho que é traduzir também a nossa luta. Luta que a gente faz diariamente sobre a representatividade das mulheres e agora a gente avançar e ter a possibilidade de estar na prática, no dia a dia trabalhando num outro espaço, mas dando mais visibilidade para as mulheres. E olha que interessante: na Câmara de Vereadores, com a minha saída, entra a vereadora Rose Frigeri, então, permanece, a representatividade das mulheres na Câmara de Vereadores. Acho que são sinais positivos, a gente está aumentando a representatividade das mulheres.
De que forma a senhora vai trabalhar pela Serra em Brasília? Quais são as propostas que a senhora leva aqui da região para a Câmara dos Deputados?
Tem várias situações que a gente fala aqui pela nossa experiência, mas obviamente que vão atingir outras regiões, inclusive, do Brasil. Eu vejo que precisa retomar o fortalecimento da indústria nacional. Investir cada vez mais. Claro que não é uma tarefa dos deputados, mas, sim, ser parceiro do governo federal. E trabalhar sintonizado com o governo federal. Para isso a gente precisa, sim, fortalecer a indústria nacional. Vou retomar políticas para a agricultura familiar, que é quem produz alimento de verdade no Brasil e que há muito tempo passou a não ter os investimentos necessários. A gente passou por vários problemas na área da agricultura e o suporte foi muito pequeno. A gente precisa também ter um olhar muito especial para o SUS, o fortalecimento do SUS. Especialmente no pós-pandemia, a gente viu uma demanda muito grande de pessoas saindo dos seus planos de saúde, buscando o SUS, durante a pandemia também. O SUS foi muito requisitado e, no entanto, o que a gente percebe é que os hospitais, e aqui eu digo os hospitais da nossa região, mas não é só da nossa região, do Brasil todo, estão com dificuldade de fazer esse atendimento. A gente precisa pensar formas, lutar pela revisão da tabela SUS, dos pagamentos dos procedimentos. Há pouco tempo o diretor do Hospital Geral informava que o pagamento dos procedimentos SUS estava em torno de 60% apenas pelo governo federal. Isso é muito pouco e acaba não tendo como equilibrar as contas. As políticas de saúde têm que ser uma política de governo, ela não pode ser algo tão vinculado a emendas parlamentares. Obviamente que com as emendas parlamentares a gente quer, sim, ajudar a nossa região, mas a saúde precisa ser uma política de governo, precisa ser uma política de estado. A gente precisa retomar os revestimentos do SUS porque a população precisa.
A senhora tem a a formação de arquiteta e foi para a Câmara com essa formação que acaba jogando um foco sobre cidades. Agora muda o foco? A senhora já procurou observar de que forma vai se dar essa mudança de foco? Como isso vai alterar a sua atuação?
A gente tem poucos arquitetos e arquitetas na bancada do Congresso Nacional e esse ano nós teremos dois aqui do Rio Grande do Sul. Eu e o Busato (Luis Carlos, do União), falo por mim, temos muita sintonia com os conselhos de arquitetura, com o sindicato de arquitetos aqui do Estado. A gente precisa avançar nas políticas de acesso à moradia. Existia muita crítica aos programas como Minha Casa Minha Vida, no entanto, se trocou por um programa que é a Casa Verde e Amarelo e que pouco atende às pessoas que mais precisam. Habitação de interesse social hoje, no Brasil, está à mercê dos governos municipais, mas com pouco recurso acaba não funcionando. A gente precisa avançar nesses temas de acesso à moradia. E aí, tem a questão da lei da assistência técnica, que é a lei que foi criada por um arquiteto, o deputado federal Clóvis, também do Partido dos Trabalhadores. A gente precisa pensar formas de financiar a questão da assessoria técnica. O que é assessoria técnica? É um profissional de arquitetura que seria pago, quase um SUS da arquitetura. Pago pelo poder público para regularizar casas. Hoje a gente tem regularização de terrenos pelo programa Reurb (Regularização Fundiária Urbana), mas tem muitas casas que não têm projeto e que não estão da forma mais adequada. A gente entende que a moradia também é um ambiente de produção de saúde e quando a gente tem uma casa que tem ventilação a gente tem menos problemas respiratórios. Quando a gente tem uma casa com saneamento básico, a gente vai ter menos doenças. A gente tem possibilidade de atuar nessa área do acesso à moradia assim como a questão do planejamento. Quando eu falo planejamento urbano, me refiro especialmente à questão da mobilidade e hoje é um problema grande no Brasil e nas grandes cidades. É um problema em Caxias, é um problema em Porto Alegre, é um problema em várias grandes cidades o transporte público. Ele acaba sendo um transporte caro, um transporte ineficiente que não atende à demanda e precisa ter um olhar sobre isso. Pensar se vai haver ou se não vai haver subsídio, de que forma vai ser, as formas de transparência, de fiscalização das concessões. São temas que entendo importantes, que dizem respeito à vida das pessoas. Hoje o trabalhador e a trabalhadora perdem tempo de vida no transporte público que poderiam estar com a família, que poderiam ter uma qualidade melhor de vida. São alguns temas nessa área da arquitetura que a gente pode estar dando contribuição.
Após uma trajetória de quatro mandatos na Câmara de Vereador, qual a expectativa agora em um outro ambiente?
A gente vai estar junto numa bancada que tem sete deputados na nossa frente e, desses sete, quatro têm grande experiência dentro do parlamento. Obviamente, no primeiro momento, a gente tem muito o que aprender, mas a mesma disposição e seriedade que a gente teve e a capacidade de diálogo que eu tive durante 14 anos que, inclusive, me fizeram chegar à presidência da Câmara mesmo num ambiente adverso. Com a ajuda dos colegas, a gente vai ter uma bancada com o deputado (Paulo) Pimenta, deputado Dionilso Marcon, deputada Maria do Rosário, são deputados já muito experientes, e a gente pretende estar aprendendo, dialogando bastante e levando as nossas lutas com a seriedade que eu sempre tive, compromisso que a gente sempre teve.
A sua eleição reforça a sua liderança dentro do PT na região e lhe coloca como uma das principais lideranças do partido no estado. Quais são as suas pretensões daqui para frente?
Eu pretendo sempre que o nosso partido consiga crescer, especialmente na Serra, que a gente sabe que no último período a gente sofreu um revés. A gente já teve várias prefeituras na Serra gaúcha. Já estivemos com várias Câmaras de Vereadores. Nesse último período a gente acabou diminuindo muito. Claro, todos sofrendo toda a questão da crise nacional. A gente pretende, sim, fortalecer o partido, mas acima de tudo, fortalecer a diversidade dentro do partido e fazer as transições geracionais para também trazer mais juventude, mais negros e negras, mais mulheres para a política e para as estâncias de representação dentro do partido e fora. A Câmara de Vereadores de Caxias já deu uma grande renovada dentro do Partido dos Trabalhadores. Eu acabei ficando a vereadora mais velha dessa bancada e nem sou tão velha, gente. Mas o partido conseguiu fazer essa renovação. Eu eu torço muito pra que a gente consiga construir, fortalecer o partido na região, porque a gente trabalha de uma forma participativa, a gente quer que tenha essa ampliação das políticas públicas. A gente acredita que as políticas públicas têm que ser construídas de forma coletiva. Pessoalmente, nunca, acho que nem quando era criança, sonhei, "ah, vou ser vereadora, vou ser presidente da Câmara". Isso foi acontecendo. Eu aceito os desafios, tenho coragem pra encará-los e vou aprendendo. Me disponho a aprender, me disponho a fazer tudo com seriedade e acho que o que o povo desejar. A nossa disposição é de estar hoje representando na Câmara dos Deputados a nossa Serra gaúcha, a nossa cidade, os negros e negras, as pessoas que não têm voz, que não tiveram voz e que possam encontrar nesse mandato um espaço de ampliação das nossas demandas.