Uma das funções mais criticadas da produção parlamentar é a apresentação de projetos de denominações de vias. A relevância e predominância de matérias com esse teor são contestadas por parte da população, que considera o tema irrelevante. O volume de protocolo e as aprovações de projetos de nomes de rua, de fato, são significativos. No ano passado, foram 58 apresentados no Legislativo caxiense, o que representa 30% do total de matérias protocoladas pelos parlamentares, individualmente, no período _ 191, ao todo. Ainda, o questionamento da relevância do ato é infundado, pois a denominação de vias implica diversos benefícios aos moradores atingidos.
— Além de dar identidade a uma rua e homenagear pessoas importantes, a partir da denominação, a rua pode receber um CEP. As pessoas que ali residem podem receber correspondência, colocar nomes em documentos, receber contas, correspondências. Podem cobrar demandas de infraestrutura, como asfaltamento, por exemplo — explica o secretário de Urbanismo, João Uez.
A presidente do Legislativo, Denise Pessôa (PT), também destaca o aspecto funcional que a denominação de ruas garante às comunidades:
— O nome de rua garante desde a locomoção com táxi, transporte por aplicativo, até questão de correspondência, chegar encomendas, é questão de dignidade para a pessoa que mora na rua, ter nome, localização. É se colocar no mapa da cidade.
João Uez exemplifica que a falta de identificação marginaliza comunidades, que acabam tendo maiores dificuldades de acesso a serviços básicos.
— A região de Santa Bárbara, por exemplo, tem bastante parcelamento irregular e lá nenhuma via é denominada oficialmente, então, não podem ter serviço de Correios, patrolamento, calçamento, asfalto. A legislação é muito importante para quem reside nesses locais e não estão inseridos no contexto de cidade, não estão abrangidos por muitas políticas urbanas — ressalta.
Moradora do bairro De Lazzer, nos arredores da empresa Randon, Juceli Klipp, reclama justamente da falta de asfaltamento ou, ao menos, calçamento na rua onde reside, que recebeu oficialmente em dezembro do último ano a denominação de Rua Sebastião Enivaldo Varela.
— Muito pó dentro de casa, já pedi para a prefeitura algumas vezes e eles passam para um e para outro e diziam que a rua não estava no mapa. Espero que agora eles nos ajudem — relata a aposentada.
Do total de 58 projetos de denominações de rua apresentados no ano passado, 49 foram aprovados e nove seguem em tramitação.
Organização sistemática e demandas comunitárias.
A presidente da Câmara de Caxias, Denise Pessôa (PT), explica que o sistema de protocolo envolve geralmente distribuição interna entre vereadores. Porém, salienta que parte das demandas é das próprias comunidades.
— Quando tem loteamentos regularizados, a prefeitura encaminha para nós. Às vezes, no interior, moradores mesmo trazem a relação de vias sem nome. Mas normalmente vai direto para a CDUTH (Comissão de Desenvolvimento Urbano, Transporte e Habitação da Câmara), e lá a comissão distribui aos vereadores, geralmente de forma uniforme — esclarece.
Para definição do nome da rua, a iniciativa pode partir dos próprios vereadores, mas há necessidade de referendo dos moradores, via abaixo-assinado.
— Se vai na comunidade para verificar se aceitam determinado nome, às vezes já tem uma lista de sugestões prontas ou mesmo pessoas já deixam sugestões de pessoas homenageadas — explica Denise.
Segundo a legislação que disciplina a denominação de vias, os nomes das ruas têm, preferencialmente, identificação de pessoas falecidas (há, pelo menos, 6 meses), datas, fatos históricos e outros ligados à vida nacional.
O QUE DIZ A LEI
- A denominação de logradouros públicos e próprios municipais será objeto de lei de iniciativa dos Poderes Executivo e Legislativo.
- Os logradouros públicos e próprios municipais terão preferencialmente nomes de pessoas falecidas, datas, fatos históricos e outros ligados à vida nacional.
- Somente após 180 dias de seu falecimento poderá ser homenageada, para efeitos desta lei, qualquer pessoa.
- Em se tratando de denominações com datas e fatos históricos, o processo deverá conter um relato pormenorizado do acontecimento e, no caso do nome de pessoas, dados biográficos e certidão de óbito.
- As disposições do parágrafo anterior não alcançam os nomes conhecidos e adotados por órgãos públicos, por longa data, sem que tenham sido oficializados até a presente lei.
- Serão permitidos: nomes, fatos históricos e geográficos estrangeiros com projeção na vida internacional, tendo a nação motivos para cultuar.
- A denominação de logradouro público não implica a legalização do loteamento irregular em que aquele se situe.
Fonte: Lei n° 5.357, de 05 de abril de 2000.
Importância das denominações
- Somente após o logradouro estar legalizado pela prefeitura, a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) registra o Código de Endereçamento Postal (CEP). A entrega domiciliar não pode ser feita em ruas não regularizadas, sem pavimentação e placa indicativa com nome dos logradouro.
- Indisponibilidade de CEP impossibilita moradores de comprovarem residência em situações como confecção de documentos, matrículas em escolas ou inscrição em programas assistenciais.
- Outros serviços dificultados pela inexistência de identificação de rua são: acionamento de socorro, localização de empreendimento, cadastros em estabelecimentos, receber correspondências, solicitar telentrega, abrir conta corrente em banco e acessar crédito.
- Pertencer ao mapa municipal viabiliza protocolo de reivindicações para instalação de serviços e realização de obras.
"Não tinha como instalar linha telefônica"
A Escola Municipal San Gennaro, em loteamento de mesmo nome na região oeste de Caxias, possui uma estrutura diferenciada, em que foram investidos R$ 5,8 milhões. Apesar da condição física favorável, a geográfica foi a que causou transtorno por quase um ano à direção da instituição. Entre a inauguração, em dezembro de 2020, e a denominação da rua onde está localizada, foram cerca de nove meses de percalços administrativos.
— A gente não tinha como ter linha telefônica, não tinha CEP, eles não conseguiam informar a disponibilidade da linha. Toda vez que nos perguntavam qual era o endereço, se precisava de visita para fazer orçamento, precisa explicar que escola não tem endereço, aí tem que explicar onde fica, ou mandar localização. Algumas vezes, as pessoas não conseguiam chegar — descreve a diretora, Graziele Primon.
Inviabilidade no recebimento de correspondência e falta de endereço para o transporte por aplicativo também eram problemas recorrentes, segundo ela.
A diretora se refere à via como "quase um beco", por ser curta e possuir apenas a escola instalada — por enquanto. Porém, desde setembro, após sanção do prefeito Adiló Didomenico (PSDB), a partir de aprovação de projeto de autoria da vereadora Tatiane Frizzo (PSDB), a rua da Escola San Gennaro foi batizada de Tânia Tonet, em homenagem à historiadora, pesquisadora e museóloga caxiense falecida em 2018. As dificuldades não cessaram totalmente, a placa de identificação da via ainda não foi instalada e aplicativos não a identificam até o momento. Ainda assim, a instituição localizada já possui uma linha telefônica, um CEP e pertence, definitivamente ao mapa de Caxias.