O primeiro ano da atual legislatura da Câmara de Caxias foi marcada por embates. O mais simbólico foi entre a chamada frente anti-PT e a própria bancada do Partido dos Trabalhadores. Tudo culminou onde o conflito se iniciou, na eleição da Mesa Diretora. Ano passado, o vereador Mauricio Marcon (Podemos) disse que ia se dedicar a evitar que Denise Pessôa (PT) assumisse a presidência da Casa, como estava previsto por meio de acordo informal que define a rotatividade de presidentes pelo critério da proporcionalidade, ou seja, maiores bancadas.
O tema, até então de ordem prática, quase sistemática, ganhou dimensões inesperadas. Nas vésperas da votação, ocorrida na sessão da última quarta, ainda não se tinha certeza se o plenário iria optar por cumprir o acordo ou não. A maioria decidiu que sim e Denise Pessôa foi confirmada no comando do Legislativo no próximo ano. Ela será a terceira mulher a assumir o posto, depois de Rachel Grazziotin (1985/86) e Geni Peteffi (2012).
A Gaúcha Serra e o Pioneiro falaram com a futura presidente. Confira trechos da entrevista:
Quais seus planos para o próximo ano frente à Câmara como presidente do Legislativo?
A gente já vem discutindo com o grupo, com a Mesa Diretora, que o próximo período é momento de retomada de diálogo com a população, principalmente no pós-pandemia. Então é necessário que a gente busque alternativas e pense formas de participação popular, retomar projetos importantes como Câmara Vai aos Bairros, mas também tratar outras formas mais modernas de participação. Avançar na questão da modernização de fiscalização de documentação, tanto no acesso quanto à transparência.
Terceira mulher a assumir o Legislativo caxiense. Qual a sua percepção acerca disso?
A gente sabe como é difícil as mulheres ocuparem espaços na política. Entendo ser muito significativa essa presença. Os dois maiores cargos da Mesa Diretora serão de mulheres, é a maior participação de mulheres em Mesa Diretora, inclusive, da história. Isso reflete o quanto avançamos na participação das mulheres, já chegamos a ter seis mulheres este ano ocupando cadeiras no Legislativo e estamos prestes a ter uma legislatura com duas presidentes mulheres, pois há previsão de que Marisol (Santos/PSDB) também venha a presidir nesta legislatura. Esse momento fortalecemos a democracia quando reconhecemos que mulheres podem ocupar espaços importantes na Casa.
Existe uma percepção generalizada em boa parte da população de não simpatizar com trabalho da Câmara de Vereadores, achando que se trabalha pouco. Como se muda essa visão e como a senhora pretende atacar isso?
A função do Legislativo talvez seja menos concreta, que a população enxerga menos. O Executivo, por exemplo, faz obras, reforma escolas, garante vagas de educação infantil, cuida da UBS. E ao Legislativo cabe a função de legislar, fiscalizar, são coisas mais subjetivas. Eu entendo que o Parlamento tem de ser ponte, não muro, e a nossa função é unir a população, é trazer as demandas, escutar, entender. Como vamos fiscalizar Executivo se não estamos em contato com a população? Se não sabemos o que não está funcionando tão bem? Então, eu acho que retomando um projeto como o Câmara Vai aos Bairros nos aproximamos de fato com quem a gente representa.
Na eleição da Mesa, houve disputa com a Gladis Frizzo, houve uma certa tensão. Já está superado?
Acredito que sim, a disputa, esse debate é inerente das eleições e espaço político da Câmara de Vereadores. Mas vejo que com a vereadora Gladis não há problema algum, conversamos em todo o processo, inclusive no início convidei ela para compor a Mesa Diretora, pois queria uma participação maior de mulheres na Mesa, mas ela entendeu que seria importante estar representando esse grupo, que em princípio é um grupo anti-PT. Mas continuamos conversando, inclusive conduzimos a vereadora à presidência da Comissão da Agricultura. E quanto à frente anti-PT, da nossa parte, vamos saber dialogar, mostrar através do trabalho que, da nossa parte, não há sectarismo e a gente está à disposição do diálogo e da construção coletiva. E esperamos que esse discurso vá amenizando, pois faz mal à democracia, simplesmente ser contra um partido político numa casa legislativa, onde deve prevalecer a diversidade e representatividade da sociedade.
Do ponto de vista dessa rivalidade política, a senhora diz que espera que amenize, mas há algo que a Mesa Diretora possa fazer para administrar esse clima?
Vamos trabalhar com bastante diálogo, de forma coletiva. Quando se percebeu que não vou estar tratando a Câmara de forma autoritária, de que não será um partido que vai tomar conta, como se percebeu que a Mesa é pluripartidária, isso já vai amenizar por si. Fazer rivalidade por uma Mesa Diretora que é pluripartidária é fazer uma oposição à Câmara como um todo, e não tem sentido isso, ser vereador e ser opositor à Câmara.
A tendência é de que a frente anti-PT se torne mais ativa em 2022 por ser ano eleitoral. A bancada do PT perdeu um integrante no plenário, que é você, a mais experiente da bancada. Acha que isso vai colocar o PT em desvantagem?
Acredito que vereadores do PT já demonstraram bastante competência e preparo. A questão da eleição é um fator que influencia em vários posicionamentos no plenário, mas muda também o posicionamento da própria frente anti-PT, pois terão vários candidatos diferentes à presidência da República, então eles não terão unidade de ação. Então entendo que a esquerda vai estar bem representada na Câmara, vamos continuar tendo voz, pois nossos vereadores têm bastante protagonismo.
E a relação com o Executivo, qual é a perspectiva da senhora? Muita gente tem ressalva de que iria "travar a pauta" em relação aos projetos.
Esse aspecto foi muito bem trazido pelo vereador Felipe (Gremelmaier/MDB), que disse que nosso regimento não tem possibilidade de travar projeto. Isso é uma falácia, foi um discurso construído para fortalecer uma mística de que o PT sendo oposição ia emperrar a pauta. Eu tenho 13 anos de vereança, sempre tive oposição responsável, tudo que foi bom para a cidade votamos favorável, fiscalizamos, fizemos críticas, mas sempre com muito compromisso com a cidade. Não é a primeira vez que a Câmara vai ter oposição na Casa, outra vez que o PT presidiu tínhamos o (José Ivo) Sartori (MDB) como prefeito, quando Pepe (Vargas/PT) foi prefeito, tivemos o PSDB como presidente. A população pode ficar tranquila de minha parte, terei a mesma responsabilidade que sempre tive à frente dos meus mandatos. E a Mesa é pluripartidária, são cinco vereadores, temos quatro partidos representados, a gente discute tudo de forma conjunta.
Geralmente os presidentes da Câmara adotam algum projeto, querem deixar alguma marca. Qual marca a senhora pretende deixar?
Eu tinha um projeto antigo na Câmara que estava tramitando e vamos buscar forma de viabilizar. Projeto que apresentei ainda na minha segunda legislatura, que é a forma de participação social, mas online. Que a população possa opinar sobre projetos, como ocorre no Congresso, opinar por enquetes sobre os projetos que tramitam na Casa. Quero ter a marca da retomada da participação popular, da reaproximação da Casa com as pessoas, seja com o Câmara Vai aos Bairros, que funcionou, mas pensar outras formas.
A votação foi resposta à própria frente anti-PT, ou ao Marcon?
Entendo que essa votação foi de reafirmação das regras constituídas ao longo da história da Câmara, que garantem minimamente uma relação democrática dentro da Casa. É respeito às urnas, aos eleitores. É talvez uma resposta ao sectarismo.
A gente trata como grande embate político do ano. Também tivemos outro envolvendo a denúncia contra a Estela Balardin. Você considera que a vitória do PT em ambos os casos representa também vitória sobre a frente anti-PT?
Entendo que venceu o bom senso nos dois casos. Não é uma vitória do PT, é uma vitória do bom senso, de pessoas que querem que a Casa trabalhe harmonicamente e com independência entre os poderes, mas com responsabilidade.
Foi um ano legislativo polêmico, em parte criticado pela dedicação aos debates políticos ideológicos e embates pessoais. Terminar o primeiro ano com essa eleição é simbólico de alguma forma?
Se a gente pensar que foi o primeiro ano de legislatura de vários vereadores, foi uma boa experiência para se entender que tem de ter posição dentro da Câmara e nem sempre as posições agradam a maioria da população, ou agradam um setor ou outro. E o fato de seguir com firmeza um acordo histórico acho que demonstrou maturidade, sim, dos vereadores.